Confira o artigo escrito pelo membro titular da ABC Luiz Carlos Dias, publicado Jornal da Unicamp no dia 26/8. Em novo texto sobre a pandemia de COVID-19, o Acadêmico esclarece fala sobre a terceira dose da vacina em idosos. Dias é professor titular do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista 1A do CNPq.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou nesta quarta-feira (25/08) que idosos com idade acima de 70 anos e imunossuprimidos, vão receber uma terceira dose (D3) preferencialmente da vacina de RNA mensageiro da Pfizer/BioNTech ou, na falta desta, das vacinas de vetor viral da Janssen ou da AstraZeneca, a partir do dia 15/09/2021. A nota sobre essa recomendação está divulgada no site do Ministério da Saúde.

Para receber a D3, os idosos devem ter tomado a segunda dose (D2) há pelo menos 6 meses, enquanto os imunossuprimidos poderão tomar a D3, pelo menos 28 dias após terem tomado a D2. Segundo o ministro, até o dia 15/09/2021, toda a população maior de 18 anos (esperamos mesmo que sim) terá recebido pelo menos a primeira dose (D1) e a partir desta data o intervalo entre as doses D1 e D2 das vacinas da AstraZeneca e da Pfizer será reduzido de 12 para 8 semanas, que segundo dados científicos, parece mesmo ser o intervalo ideal, que confere a resposta mais robusta em termos de proteção.

Dose adicional será para todos os idosos?

SIM, e muito provavelmente envolvendo estratégia de intercambialidade entre as vacinas. A vacinação avança lentamente e a circulação da variante Delta preocupa, pois estamos observando um aumento na taxa de ocupação de UTIs em alguns estados, principalmente envolvendo pessoas não vacinadas, que se recusam a tomar as vacinas, mas também com pessoas mais idosas, acima de 60 anos, vacinadas apenas com a D1 ou até mesmo com as duas doses.

Muitos cientistas e profissionais da área de saúde acreditam que para as pessoas de faixa etária mais alta, pessoas com o sistema imunológico comprometido, imunossuprimidos e profissionais da saúde acima de 60 anos atuando na linha de frente no combate à Covid-19, que completaram seu esquema vacinal há mais de seis meses, seria importante aplicar uma terceira dose das vacinas para quem tomou vacinas em duas doses ou uma segunda dose para quem tomou a vacina em dose única da Janssen. É normal que nas pessoas mais idosas e nos imunossuprimidos, ocorra diminuição na resposta de proteção do sistema imunológico. Mesmo para pessoas mais jovens, ocorre uma queda ao longo do tempo nos títulos de anticorpos e de células T. O que a ciência ainda não sabe no caso da Covid-19 é se essa queda reflete um declínio na proteção contra o vírus.

Os cientistas estão buscando determinar qual o nível de anticorpos neutralizantes ou outro marcador imunológico está mais intimamente associado à eficácia das vacinas contra a Covid, procurando o que é conhecido como um correlato de proteção. Nós ainda não temos evidências claras de perda de eficácia suficiente para mudar o foco do objetivo principal, que é tentar imunizar o maior número possível de pessoas. É fundamental garantir as duas doses ou a dose única da Janssen em pelo menos 80% da população brasileira, incluindo jovens e adolescentes, ampliando ao máximo a cobertura vacinal, para depois aplicar uma dose adicional a quem está com o esquema vacinal completo.

Se nós tivéssemos doses sobrando e a população com o esquema vacinal completo, eu penso que aí sim, uma dose de reforço seria muito bem-vinda, desde que a ciência comprove de forma inequívoca que há benefícios em terceira dose para toda a população. Mas ainda não é a nossa realidade, infelizmente e não é a realidade no cenário global, em que apenas 1,4% da população dos países de baixa renda tomou pelo menos uma dose das vacinas. Nós devemos considerar que essas pessoas não vacinadas precisam mais das vacinas do que as pessoas já imunizadas. O problema não é o benefício de uma eventual terceira dose, mas o grande número de pessoas sem nenhuma dose.

E nós temos cerca de 7 milhões de brasileiros que não completaram seu esquema vacinal e temos que fazer busca ativa e chamar essas pessoas para tomarem a D2. A cobertura vacinal para idosos acima de 65 anos é de cerca de 90%, o que é bom, mas nós precisamos alcançar uma cobertura vacinal mais elevada, próxima de 95% com o esquema vacinal completo. É preciso pensar bem a estratégia, pois nós sabemos que precisamos acelerar a imunização dos adolescentes, mas é necessário evitar o aumento de hospitalizações das pessoas acima de 60 anos, com esquema vacinal apenas parcial ou mesmo completo.

A variante Delta é mais transmissível e tem a capacidade de escapar da resposta de proteção conferida pela vacinação com a D1 de todas as vacinas. Os idosos, mesmo os vacinados com duas doses, não podem estar expostos à variante Delta, pois além da queda natural de com o tempo, eles têm maior risco de hospitalização e óbito.

Há benefícios com uma terceira dose?

Os resultados preliminares sendo publicados sugerem que sim. A vacinação produz um aumento inicial no número de células imunológicas que geram anticorpos neutralizantes, não neutralizantes e células de memória, que diminuem lentamente com o tempo em todas as populações, mais rapidamente nos mais idosos e imunossuprimidos. Mas esse processo deixa um pequeno reservatório de células B e T de “memória” de longa duração que patrulham o organismo em busca de futuras infecções.

Uma dose extra da vacina pode fazer com que as células B produtoras de anticorpos se multipliquem, elevando os níveis de anticorpos contra o patógeno. Com o tempo, seu número diminuirá novamente, mas o conjunto gerado de células B de memória será maior do que antes, levando a uma resposta mais rápida e mais forte às futuras exposições. Os reforços vacinais também promovem um processo chamado maturação da proteção, fazendo com que os anticorpos produzidos se liguem aos patógenos com mais força, aumentando sua potência.

E a terceira dose para quem tomou a CoronaVac?

Um estudo realizado pelo Instituto do Coração (InCor) e pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), publicado no dia 23/08/2021, ainda na forma de preprint, sugere que pessoas com 55 anos de idade ou mais podem sim se beneficiar de uma terceira dose da vacina CoronaVac. O estudo envolveu a participação de 101 pessoas que tomaram as duas doses da CoronaVac, 72 pessoas que contraíram Covid e se recuperaram e 36 voluntários no grupo placebo.

Os autores observaram resposta reduzida de células T e de anticorpos em pessoas com idade maior de 55 anos, vacinadas com as duas doses da CoronaVac, quando comparadas com o grupo que se recuperou da infecção pela Covid. Um outro estudo publicado no dia 20/08/2021 na revista British Medical Journal estimou que a eficácia da CoronaVac contra casos de Covid-19 sintomáticos variou de 51% a 84%.

Os resultados mostram que após as duas doses, a CoronaVac foi associada a 47% de proteção contra Covid-19 sintomática, 56% contra admissões hospitalares e 61% contra mortes entre adultos com idade ≥70 anos no contexto de transmissão da variante gama. Os pesquisadores observaram que a eficácia do CoronaVac diminui com o aumento da idade na população idosa, o que é esperado para todas as vacinas.

Sobre uma eventual terceira dose das vacinas de RNA mensageiro

Alguns estudos publicados recentemente suportam a possibilidade de vacinações de reforço adicionais com as vacinas de RNA mensageiro da Moderna (mRNA-1273) e da Pfizer.

  • Um artigo publicado na revista Science no dia 12/08/2021 mostra que os níveis de anticorpos caem com o tempo contra as variantes B.1.1.7 (Alfa), B.1.351 (Beta), P.1 (Gama), B.1.429 (Epsilon), B.1.526 (Iota) e B.1.617.2 (Delta). Anticorpos funcionais contra variantes persistiram na maioria dos indivíduos, embora em níveis baixos, por 6 meses após a série primária da vacina de mRNA-1273. Em todos os ensaios, a variante B.1.351 (Beta) teve o reconhecimento de anticorpos mais baixo.
  • Outra publicação no dia 10/08/2021 na plataforma de preprints medRXiv (ainda sem avaliação por pares), mostra que níveis de anticorpos de ligação e neutralização mais altos estão associados com níveis mais elevados de eficácia das vacinas.

  • Tanto o artigo citado anteriormente na revista Science, como o artigo publicado no dia 12/08/2021 no The New England Journal of Medicine, sugerem que apesar de a imunidade protetora conferida pelas vacinas de mRNA ser mantida contra as variantes B.1.617.1 (kappa) e B.1.617.2 (Delta), nós poderemos precisar de níveis mais altos de anticorpos para maior proteção contra a variante Delta, o que seria conseguido com uma dose adicional

  • Uma terceira dose de vacinas de mRNA aumenta em pelo menos 10 vezes os títulos de anticorpos, como mostra um artigo publicado no dia 06/05/2021 na plataforma de preprints medRXiv (ainda sem avaliação por pares).

  • Israel, que começou a administrar a terceira dose da vacina da Pfizer para maiores de 60 anos no dia 30/07/2021, divulgou os benefícios da aplicação de uma terceira dose da vacina da Pfizer em reduzir casos graves e hospitalização por Covid em pessoas acima de 60 anos.

Reforço para a vacina da Janssen é necessário?

A Johnson & Johnson anunciou em um comunicado que uma dose de reforço da sua vacina contra Covid-19 aumenta em cerca de 9 vezes os níveis de anticorpos de ligação em participantes maiores de 18 anos, incluindo os mais idosos. Os anticorpos de ligação se ligam ao vírus e alertam o sistema imunológico para que os glóbulos brancos possam ser enviados para combater e destruir o vírus. A empresa já havia publicado no dia 14/07/2021, dados provisórios de Fase 1/2A, no New England Journal of Medicine que demonstraram que as respostas de anticorpos neutralizantes geradas pela sua vacina de dose única eram robustos e permaneciam estáveis ​​por pelo menos oito meses após a imunização.

Estudo de eficácia contra a variante Delta da Moderna

Um estudo publicado no dia 12/08/2021 na revista Science, traz resultados interessantes sobre a eficácia da vacina da Moderna. Os cientistas testaram os anticorpos de pacientes vacinados contra as variantes Gama e a Delta, com o objetivo de avaliar a capacidade do sistema imune de neutralizar essas variantes do Sars-CoV-2.

Nesse estudo, os anticorpos das pessoas vacinadas apenas com a D1 foram menos eficazes contra as variantes Gama e Delta, enquanto os anticorpos produzidos pelas pessoas com o esquema vacinal de duas doses completo foram mais eficazes. A variante Delta mostrou uma tendência maior de fugir da resposta de proteção dos anticorpos, especialmente provenientes do soro de pessoas mais idosas vacinadas.

Inclusão de crianças maiores de seis meses em estudo – A Moderna está incluindo crianças a partir de seis meses de idade nos estudos de segurança e eficácia de sua vacina, que estava sendo testada apenas em adolescentes a partir dos 12 anos. No total, a vacina está sendo testada em cerca de 13.275 voluntários.

Astrazeneca e Pfizer são eficazes contra a Delta

Um estudo coordenado pela Universidade de Oxford e  publicado como preprint, mostra que as vacinas da Pfizer e da AstraZeneca são efetivas e garantem proteção contra a infecção pela variante Delta do novo coronavírus, após as duas doses. No entanto, os autores observaram que a eficácia na prevenção de casos pela Delta é menor quando comparada com as infecções causadas pela variante original do vírus. A análise dos dados mostra que a imunidade após a D2 com as duas vacinas é bastante similar no período de até 5 meses, mas que a proteção com a vacina da Pfizer diminui com o tempo, mais rapidamente que a da AstraZeneca. É interessante e esperado que a taxa de proteção foi maior para as pessoas vacinadas com duas doses, que já haviam sido infectados pela Covid-19. Cerca de 14 dias após a aplicação da D2 da AstraZeneca, a efetividade contra a infecção foi de 88% para as pessoas que já tinham sido infectadas antes, em comparação com 68% de efetividade para as pessoas que nunca contraíram o vírus anteriormente. Com a vacina de RNA mensageiro da Pfizer, a taxa de efetividade foi de 93% em quem já havia contraído a Covid-19 e de 85% em quem nunca foi infectado.

Reabertura da Economia: só a vacinação não será suficiente para controlar a disseminação e espalhamento do vírus

Eu penso ser ainda muito arriscado pensar em reabertura da economia, com retomada de eventos esportivos com torcida, festas de casamento, aglomerações. Só a vacinação não será suficiente para controlar a disseminação e espalhamento do vírus e aumento do número de infectados. As vacinas vão ajudar a evitar casos mais graves da doença. Nós temos hoje, cerca de 68,5 milhões de pessoas vacinadas apenas com a primeira dose (D1) e 56.820.544 de pessoas que receberam as duas doses ou a dose única da Janssen (totalizando 26,83% dos brasileiros).

Nós não estamos no momento de pensar em flexibilização maior, pois a Delta pode infectar pessoas que tomaram apenas a D1, e pode levar a casos mais graves, principalmente nos grupos mais idosos e com comorbidades e imunossuprimidos. Nós precisamos aumentar muito o percentual de pessoas com D2, para termos um grau de proteção maior contra os casos mais graves de Covid-19.

A Covid-19 só será controlada com vacinas e com as medidas não-farmacológicas, como uso de máscaras, distanciamento físico, higiene das mãos, evitando aglomerações, lugares fechados e pouco ventilados. Todas as vacinas em uso hoje protegem contra internação e óbito. Enquanto as pessoas não se vacinarem, seja por ignorância, negação da ciência, motivos religiosos, ideologia política, desinformação, falta de empatia, egoísmo, crença em falsos tratamentos como o kit precoce, nós vamos conviver com internações e mortes.