Confira trechos do artigo escrito pelo professor do Instituto de Química da Unicamp Luiz Carlos Dias, membro titular da ABC. O texto, publicado em 5/8 no Jornal da Unicamp, esclarece algumas importantes dúvidas atuais sobre a pandemia e a vacinação contra a COVID-19: 

O Acadêmico Luiz Carlos Dias

O mundo está observando queda nos casos de internações, de ocupação de leitos de UTI e de óbitos causados pela COVID-19, resultado do aumento da vacinação em massa, acompanhado do uso de máscaras e medidas de distanciamento físico, mesmo num momento de relaxamento das restrições. Nos países onde se observa aumento no número de casos, isto está acontecendo principalmente nas populações não vacinadas. Nós estamos observando algo semelhante no Brasil, com a pandemia entrando em uma nova fase. É urgente acelerar a vacinação e garantir um regime de imunização completo para a população brasileira e mundial, pois o percentual de não-vacinados ainda é muito alto e esses estão vulneráveis à infecção pela variante Delta, correndo risco de desenvolver formas graves da COVID-19, podendo necessitar de atendimento hospitalar, o que pode levar a aumento do risco de óbitos. 

Vacinação deve ser pacto coletivo 

Só a vacinação em massa controlará a pandemia e propiciará a retomada econômica. As vacinas contra a Covid-19 só serão de fato eficientes se houver alta adesão da população. Vacinado você tem um grau de proteção individual, mas a vacinação deve ser um pacto coletivo. Com pessoas vacinadas com o ciclo completo de duas doses ou com a dose única da Janssen, todas e todos ficam mais protegidos, inclusive quem não pode se vacinar por razões médicas. Como o objetivo de todas as vacinas contra a COVID-19 é reduzir casos graves, hospitalização e morte, caso você seja infectado, mesmo vacinado, terá maior chance de ter um caso de COVID-19 mais leve, além de ter mais oportunidades de atendimento nos hospitais, pois as UTIs estarão mais vazias caso seja necessário. No final, a maior taxa de vacinação leva a menor número de casos graves e de óbitos pela doença. 

Mas, muita atenção: não é momento de relaxar nas medidas não-farmacológicas 

Nós não temos evidências e nem justificativas para relaxar nas medidas não farmacológicas como o uso de máscaras, distanciamento físico e hábitos de higiene das mãos. Precisamos manter essas medidas de controle sanitário e evitar locais fechados com aglomeração e pouca ventilação. É preciso rever as medidas de restrição, pois não pode haver precipitação, visto que relaxar nesse momento, com alta circulação e espalhamento rápido da variante Delta, é muito perigoso e precisamos evitar que pessoas vacinadas corram o risco de voltar a fazer parte de uma cadeia de transmissão do vírus. Isso poderá levar a um recrudescimento da crise sanitária, com aumento acelerado de infecção entre os não vacinados e com consequente aumento da infecção inclusive nos grupos vacinados, mesmo aqueles com as duas doses, independente da vacina. A variante Delta é bem mais infecciosa que o vírus original e mais transmissível que a variante Gama, deixando as pessoas infectadas com uma carga viral muito mais elevada

A vacinação no Brasil está lenta, mas acelerando. Dados do dia 4/8 mostram que 147.698.704 milhões de doses foram aplicadas, sendo que 104.049.682 milhões de pessoas (49,14% da população brasileira) tomaram a primeira dose e 43.649.022 milhões de pessoas (20,61% da população) tomaram a segunda dose ou dose única da vacina da Janssen desde o dia 17/01/2021. As pessoas que não tomam suas vacinas, independente da razão, colocam em risco todas e todos no seu entorno, prejudicam o programa de vacinação e a luta contra a COVID-19. 

Quem tomou a primeira dose tem que voltar para a segunda dose 

Com o avanço da vacinação, a média móvel de mortes por COVID-19 segue em uma tendência de queda, mas segundo dados do Ministério da Saúde divulgados no último dia 28/7, cerca de 4,6 milhões de brasileiras e brasileiros não voltaram para tomar a segunda dose e completar o ciclo de imunização. Vamos voltar, gente. Se você conhece alguém que não voltou, converse e mostre a importância de tomar a segunda dose. Como nessa pandemia nós nunca tivemos uma campanha nacional de conscientização da população brasileira por parte do governo federal, então tem que ser na unha mesmo, tem que ser de baixo pra cima. A recomendação para as secretarias de saúde é fazer busca ativa dessas pessoas, entrando em contato por telefone ou até enviando profissionais da área de saúde nos endereços cadastrados quando essas pessoas tomaram a primeira dose, mas fazer busca ativa de 4,6 milhões de pessoas é dose, né? Então vamos nos juntar a essa luta. 

E quanto às variantes de atenção e preocupação?  

Até o momento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou quatro variantes como sendo de atenção ou de preocupação. A variante Alfa está presente em 182 países, a Beta em 131, a variante Gama em 81 países e a Delta chegou a 132 países. A variante Delta preocupa e é responsável pelas novas ondas de infecções em Israel, Reino Unido, Estados Unidos, China e Indonésia. 

Com o aparecimento da variante Delta, mais transmissível e com maior capacidade de escapar da resposta do nosso sistema imunológico, nós vamos precisar vacinar um número maior de pessoas para diminuirmos o percentual de pessoas suscetíveis, impedindo o vírus de circular entre as pessoas mais suscetíveis. Um relatório do CDC, divulgado pelo jornal The Washington Post mostra ainda que a variante Delta é mais transmissível que o ebola e a varíola, pode infectar pessoas já vacinadas e causar doenças mais graves nas pessoas não vacinadas, quando comparada com as outras variantes de coronavírus anteriores e que tanto os vacinados como os não vacinados infectados pela Delta transmitem o vírus. 

O relatório confirma que as vacinas permanecem eficazes, principalmente após a aplicação de 2 doses, como outros estudos vem mostrando, vejam este estudo britânico  e este outro estudo. Os dados mostram que apenas pequenas diferenças na eficácia das vacinas contra a COVID-19 foram observadas com a variante Delta em comparação com a variante Alfa após o recebimento de duas doses das vacinas. As diferenças na eficácia das vacinas foram mais marcantes após o recebimento da primeira dose. Esses resultados mostram a importância da vacinação e que as pessoas precisam do esquema completo de duas doses. As vacinas existentes ainda funcionam contra a variante Delta, mas podem ser menos eficazes especialmente entre pessoas em que a resposta imune não seja suficientemente robusta após a vacinação, como os mais idosos e pessoas com comorbidades que tenham imunidade comprometida. 

(…) 

Terceira dose ou dose de reforço? Qual a diferença 

Primeiro, vamos esclarecer o que é terceira dose e o que é dose de reforço. A terceira dose consiste na aplicação de uma dose extra que serve para complementar um único ciclo de vacinação, algumas semanas após a aplicação da segunda dose. Uma dose de reforço, que pode ser com a mesma vacina aplicada anteriormente ou pode envolver outra plataforma vacinal, é aquela vacina que é aplicada anualmente ou com alguma periodicidade, para reforçar o primeiro ciclo de imunizações e assim por diante. 

No momento, nós não temos dados científicos mostrando que vamos precisar de uma terceira dose ou reforço vacinal para qualquer uma das vacinas contra a COVID-19. Nós ainda não temos resultados que comprovem a eficácia de uma dose de reforço, nem dados mostrando que isso seja necessário ou até benéfico. Então, temos que esperar os resultados dos estudos científicos sendo realizados, pois as decisões sobre a estratégia de vacinação futura devem ser baseadas em evidências científicas robustas. Nós não devemos simplesmente pensar que quanto mais doses de vacinas tomarmos, mais estaremos protegidos. 

Os especialistas lembram que a resposta imunológica contra qualquer antígeno de qualquer vacina, tende a cair depois de um tempo, e no caso da COVID-19, a Ciência ainda está tentando entender como essa queda acontece, depois de quanto tempo e qual o efeito de cada nova variante de atenção. 

Embora a vacinação esteja acelerando no Brasil, como colocado anteriormente, o grau de imunização coletiva ainda é insuficiente para termos uma queda sustentada na disseminação e espalhamento do vírus. Nós chegamos a 49,14% da população brasileira vacinada com a primeira dose e 20,61% da população que tomou a segunda dose ou a dose única da vacina da Janssen. Isso no período de 6 meses e meio, então nós precisamos acelerar ainda mais a vacinação. 

O importante é realizar estudos para identificar quais populações são mais vulneráveis à reinfecção pelas novas variantes ou mesmo a terem sintomas mais graves da doença, mesmo tendo sido vacinados com duas doses de qualquer vacina ou com a dose única da Janssen. Pode ser sim que uma terceira dose seja necessária, principalmente para pessoas imunossuprimidas, que fizeram transplantes de órgãos sólidos, pessoas mais idosas, pessoas com o sistema imunológico mais comprometido e profissionais da área de saúde, que estão mais expostos. 

É muito importante esclarecer esse ponto para não levar mais insegurança para a população. Alguns países europeus estão sim adotando uma terceira dose, sendo que Israel decidiu vacinar a população acima de 60 anos com uma terceira dose. Esses países estão bem mais avançados que o Brasil no ritmo de vacinação e a variante Delta está contaminando os não vacinados, e pode vir a infectar também os vacinados, principalmente os mais suscetíveis. 

No Brasil, o Ministério da Saúde encomendou um estudo que será conduzido pela Universidade de Oxford, com o objetivo de avaliar a necessidade de uma dose de reforço ou de uma terceira dose de vacinas contra a COVID-19. O estudo envolverá 1.200 voluntários maiores de 18 anos, que já tomaram as duas doses da vacina CoronaVac e vão tomar uma terceira dose de uma das quatro vacinas em uso no país: CoronaVac, AstraZeneca, Janssen ou Pfizer. 

O Butantan não vai participar destes estudos clínicos, mas avalia a aplicação de uma dose adicional da CoronaVac nos moradores da cidade de Serrana, no interior de São Paulo, onde foi realizado estudo com vacinação em massa que vem mostrando resultados fantásticos. O Butantan informou também que estuda a possibilidade de um reforço anual da vacina, o que não deve ser confundido com uma terceira dose, para ampliar a eficácia da CoronaVac. No caso de uma terceira dose das vacinas da AstraZeneca, Janssen e Pfizer, o objetivo é determinar qual a melhor opção como reforço vacinal para quem tomou as duas doses da CoronaVac. Este será um estudo de intercambialidade ou de vacinação heteróloga, pois envolve plataformas diferentes. 

(…) 

O que nós temos de fazer nesse momento é vacinar todo mundo rapidamente para reduzir a circulação do vírus, os casos graves e óbitos. E nesse sentido as vacinas estão dando uma resposta maravilhosa e extraordinária e estão mostrando o caminho para sairmos da pandemia. As vacinas sozinhas não vão fazer parar a transmissão comunitária, então as pessoas precisam continuar a usar as máscaras, ficar em lugares bem ventilados, fazer higiene das mãos, manter o distanciamento físico e evitar aglomerações e locais com pouca ventilação. Também é fundamental testar para isolar os infectados e seus contatos.   

Vacinar é preciso; vacinar é viver; viver é impreciso. 

Confira o artigo na íntegra no Jornal da Unicamp