Confira o artigo do Acadêmico Roberto Lent para a coluna A Hora da Ciência, do jornal O Globo, publicado em 29/7. Lent é doutor em ciências pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ e comanda sua carreira profissional para três domínios diferentes: pesquisa científica em Neurobiologia, divulgação científica e (3) a nucleação de grupos científicos de alta produtividade.

 

Observamos o enorme calor que atinge o Hemisfério Norte e a recordista onda de frio por aqui, mas só podemos garantir que as temperaturas extremas estão se acentuando se as medirmos ao longo do tempo. A fotografia de hoje só faz sentido se examinarmos o filme das últimas décadas.

Também só é possível culpar os danos ambientais se eles mostrarem boa correlação com as temperaturas, nos dois filmes paralelos de tempo. É o poder dos estudos longitudinais (filmes) em comparação com os estudos transversais (fotografias).

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Vários estudos transversais têm mostrado que a especialização do lado esquerdo do cérebro para a leitura não aparece nos analfabetos: a área do córtex cerebral que aprenderia a reconhecer letras e palavras fica cuidando do reconhecimento de faces, uma característica inata. Nos disléxicos, os estudos transversais mostraram que há algo diferente no cérebro: anomalias de posicionamento dos neurônios, diferenças nas dimensões de certas áreas cerebrais e feixes de fibras nervosas, e alterações na ativação das redes cerebrais da leitura. Mas será que essas alterações causaram a dislexia ou foi a dislexia que causou as alterações?

O dilema só pode ser resolvido passando da foto ao filme, ou seja, estudos longitudinais que avaliem a estrutura e a função das redes cerebrais da leitura, pelo menos antes e depois da alfabetização, em crianças normais e outras que não conseguem ler com fluência.

É o que fez um grupo de pesquisadores poloneses e suíços, em uma revisão publicada este ano. Concluíram que certas diferenças na estrutura e no funcionamento do cérebro podem ser preditoras de dificuldades de leitura em algumas crianças. O conjunto de dados dá força à hipótese de uma relação de causa-efeito entre as anomalias cerebrais e o mau desempenho na leitura. São ressalvadas, é claro, outras contingências que interferem na alfabetização, como as carências da educação, influências emocionais negativas, e comorbidades neurológicas.

Normalmente, durante a alfabetização o curso do desenvolvimento neural é uma curva em U invertido, isto é, cresce até um máximo e depois diminui. Essa redução da atividade cerebral pode significar que o esforço cognitivo necessário para a leitura se torna menor com a alfabetização — a leitura flui meio que automaticamente. Não é o que ocorre nos disléxicos: as curvas em U invertido passam a ser um L de ponta-cabeça, ou seja, o esforço cognitivo para a leitura cresce e permanece alto.

Ainda são poucos os estudos longitudinais, mas há esperança de que o conhecimento do filme do desenvolvimento cerebral permita identificar precocemente as crianças com dificuldade de leitura, e não só isso, quem sabe acelerar a alfabetização das outras crianças. Mais uma arma contra a crise educacional do planeta.

 

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