Os participantes do webinário: Mercedes Bustamante, Amber Scholz, Manuela da Silva, Rudolf Amann, Maria Mercedes Zambrano e Luiz Davidovich.

 

Em 22/6, foi realizada a 38ª edição dos Webinários da Academia Brasileira de Ciências, que reuniu cientistas para debater a temática “Biodiversidade na era digital: desafios e perspectivas para a ciência”. Os convidados foram a colombiana Maria Mercedes Zambrano, os alemães Rudolf Amann e Amber Scholz e a brasileira Manuela da Silva.

O uso de informação de sequência genética digital ou originalmente Digital sequence information (DSI) foi o tema fundamental do debate. O escopo do termo abrange a digitalização de DNA, RNA e sequências de aminoácidos/proteínas em suas várias formas, podendo advir de diversos organismos, não apenas vegetais e animais. Esses dados, quando compartilhados em grandes bancos de dados para uso de cientistas de todas as partes do mundo, servem para fins diversos, como a criação de vacinas, o desenvolvimento de biocombustíveis e a reparação de efeitos genéticos. 

O presidente da ABC, Luiz Davidovich, abriu o evento agradecendo as participações e explicando a alta relevância do tema para as principais questões científicas que vêm sido debatidas no país. Ele convidou a Acadêmica Mercedes Bustamante, coordenadora do evento, para fazer as apresentações.

Bustamante introduziu os palestrantes, vindos de múltiplas áreas de conhecimento e de três países diferentes – Colômbia, Alemanha e Brasil. Ela explicou que o intuito dessa interação internacional foi debater como a economia de DSI vem sendo impactada sob diferentes marcos regulatórios, condições e exigências. As apresentações tiveram início com uma visão geral e introdutória, avançando para áreas específicas que englobam dados de uso e leis nacionais. 

A importância da Sequência Genética Digital aberta

Maria Mercedes Zambrano foi a primeira a se apresentar. Ela é diretora científica da Corpogen, um centro de pesquisa independente localizado em Bogotá, Colômbia, além de ser membro da Academia Colombiana de Ciências Exatas e Naturais. A pesquisadora concentrou sua fala na biodiversidade e na formação da DSI, e onde ele se encaixa no contexto global de tecnologia.

Zambrano explicou que a sequência genética digital (DSI) é uma informação dentro do gene, cuja diversidade é capturada pelo sequenciamento das amostras ambientais de diversas espécies. De acordo com a doutora em genética molecular pela Universidade de Harvard, uma sequência contém muitas informações em uma única molécula, o que é de grande importância para a taxonomia: com os DSI é possível descobrir o que o gene contém e como ele varia, o que pode explicar, por exemplo, problemas com imunidade.

“Obter somente a sequência não diz muita coisa”, disse a pesquisadora. “É preciso reunir as informações e comparar com os dados anteriores e chegar às novas derivações. Os dados em si precisam ser contados em eventos prévios, outros dados prévios precisam ser levados em conta.”

A abertura do uso de sequenciamento de dados tem tido um impacto negativo: os DSI são produtos de muito valor e chegar diretamente na origem dos dados vem se tornando um grande problema, principalmente por conta das dificuldades na comunicação e do medo de roubo de informações. A partilha dos benefícios tem sido cada vez mais mal vista no cenário das ciências com DSI, mas ainda há como reverter esse estigma. “Se confirmarmos esses dados e essas informações, não vamos precisar recorrer a fonte”, afirmou Zambrano. 

Segundo ela, mesmo com o alto custo dos estudos, reter as informações não é um caminho viável: “Pagamos caro, mas temos que partilhar, já que o compartilhamento é muito benéfico. Isso se tornou muito visível durante a pandemia.” A atual fase exige equilíbrio, consciência do uso desses dados e atenção aos avanços tecnológicos, mas um sistema de compartilhamento seguro e eficiente segue sendo indispensável.

A interface entre a ciência aberta e as sequências genéticas digitais

O diretor do Instituto Max Plank de Biologia Marinha, Rudolf Amann, é microbiologista, ecólogo molecular, membro da Academia Nacional de Ciências da Alemanha e da Academia Europeia de Microbiologia. De acordo com ele o “Big Data das DSI” é essencial para a comparação entre os dados, a principal base da ciência da vida atualmente. O uso de tais dados é indispensável para a realização de pesquisa em diversas áreas, tais como taxonomia, metagenomas e monitoramento de ecossistemas, por exemplo. O Protocolo de Nagoya, assinado por diversos países, tem como objetivo regular as questões que podem separar biodiversidade e pesquisa.

Amann explicou que, muitas vezes, os pesquisadores não têm acesso aos genomas inteiros, apenas a pequenas partes. Grande parte dessas sequências não são únicas e vários organismos podem compartilhar das mesmas características. E é isso o que agrega valor a uma DSI: “Uma sequência única não tem valor nem cientificamente, nem economicamente, porque nunca será possível declarar claramente qual é a sua função; por si só, não diz algo importante.”

“Nosso mundo precisa de uma ciência aberta”, afirmou o pesquisador. Segundo ele, o maior problema atual é o valor econômico que pode ser criado com base no uso das DSI. O conflito entre ciências abertas e partilha ainda pode perdurar por muito tempo. “Tem que haver um amplo reconhecimento das DSI como uma maneira não-monetária de compartilhamento de benefício. Todos precisam se beneficiar disso.” Agora, a esperança é de que os acordos de Nagoya promovam uma partilha de benefícios mais acessível.

Amann divulgou também o livro Maintaining open access to Digital Sequence Information (2021), do qual é um dos autores. 

O que os dados científicos nos dizem sobre o ecossistema DSI

A alemã Amber Scholz iniciou sua fala perguntando “porque não está havendo um apelo para a partilha dos DSI.” Schulz é vice-diretora do Leibniz Institute DSMZ, a Coleção Alemã de Microorganismos e Culturas de Células, e lidera projeto chamado WiLDSI, em DSI e acesso aberto, que recentemente lançou um documento sobre opções de política de DSI.

Ela relatou que a biologia sintética e o sequenciamento dos genes cresceram muito nos últimos anos, o que deu à ciência o formato que ela possui hoje. “Apesar dos vários acordos já feitos, ainda há muitos dilemas políticos voltados para a monetização das sequências. Em números, há cerca de 212 bilhões de sequenciamentos para cada país do mundo, e 10 a 15 milhões de usuários totais. Atualmente, há cerca de meio milhão de aplicações do material destes bancos de dados, incluindo publicações e patentes”, dise Scholz.

A maioria dos DSI são provenientes de quatro países de alta renda: China, Estados Unidos, Canadá e Japão. No ranking de maiores fornecedores, o Brasil ocupa a 9ª posição e tem seus sequenciamentos utilizados por 108 países. Mas será que os brasileiros estão recebendo os lucros pelo uso dos sequenciamentos nacionais?

Os dados apresentados por Scholz aponta que os DSIs são  mais utilizados pelos residentes locais do que pelos estrangeiros. “Fazer com que pesquisadores pesquisem fora de sua ‘bolha’ é fundamental para uma maior diversidade de dados e pesquisas”, afirmou. Scholz ressaltou que é preciso criar oportunidade de desenvolvimento para esses usuários. “O Brasil tem destaque como líder internacional, graças ao grande número de provedores e usuários de DSI. Essa é uma ferramenta chave para a bioeconomia nacional.” O novo mecanismo do DSI pede mais controle, mas a urgência agora é conciliar essa necessidade com os dados abertos e acessíveis.

Para os interessados em entender mais do assunto, Scholz compartilhou o documento da WilDSI , intitulado “Finding Compromise on ABS and DSI in the CBD: requirements and policy ideas from a scientific perspective”, disponível aqui.

 A legislação brasileira de acesso e repartição de benefícios na era digital

Manuela da Silva fez o encerramento da rodada de palestras, trazendo à tona importantes considerações acerca da legislação brasileira em relação à biodiversidade. Ela é pesquisadora da Fiocruz, onde coordena as Coleções Biológicas, e vice-presidente da World Federation of Culture Collection (WFCC), organismo formado sob a égide da União Internacional de Ciências Biológicas.

Silva relatou que somente em 20 de maio de 2015 houve a publicação da Lei da Biodiversidade (Lei 13.123), que exigia o cadastro no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen). Além do cadastro, os procedimentos de notificação de produto acabado e material reprodutivo, e outros previstos na Lei, deviam ser realizados neste sistema eletrônico. Apesar da tardia implementação desse sistema, que veio a acontecer, de fato, em 2017, sua prática foi um sucesso. A biopirataria exposta nos primórdios do estudo biogenético pôde ser combatida, permitindo o avanço da ciência brasileira, conta Silva. 

A bióloga ainda se aprofundou nos parâmetros da Lei da Biodiversidade, explicando diferenças em relação às leis anteriores, noções de seu escopo, instruções de preenchimento do cadastro de acesso e a atuação de pesquisadores estrangeiros. Esta só deverá ser permitida em situação de parceria com instituições brasileiras (públicas ou privadas), implicando em novas dificuldades internacionais que podem dificultar o avanço biogenético-científico.

Manuela da Silva finalizou a palestra expondo questões sobre a implementação do Protocolo Nagoya no país. “O Brasil é um grande usuário da biodiversidade de outros países, e, por enquanto, temos uma legislação como país provedor, mas ainda precisamos que o Governo discuta essa outra legislação.” O artigo em defesa dessa nova prática, escrito pela pesquisadora em conjunto com Bráulio Dias e Luiz Marinello, pode ser acessado na página oficial da Fiocruz.

Debate

O presidente da ABC abriu o debate e a moderadora e coordenadora do evento, Mercedes Bustamante, encaminhu perguntas do público que estava assistindo pelo YouTube. 

Respondendo a um internauta, Amber Scholz discorreu sobre a impossibilidade vigente de envolver dados humanos de sequenciamento genético em uma criptografia, visto que a tecnologia existente hoje não é suficiente. Além disso, a ausência de leis para a proteção de tais dados também é um fator de peso, deixando a possibilidade para o futuro.

Rudolf Amann, por sua vez, comentou sobre o avanço insatisfatório de alguns países em relação ao Protocolo de Nagoya, apontando burocracia excessiva e altos valores econômicos como possíveis causas do impasse. Como alternativa, sugeriu a criação de um fundo de investimento voltado aos projetos e às sociedades de menor poder aquisitivo, para expandir o estudo colaborativo da ciência no mundo todo.

Maria Mercedes Zambrano levantou uma alternativa para a maior participação global no estudo da ciência. Em vez de fazer uso do fundo econômico, a palestrante explicou que seria viável uma troca como, por exemplo, treinamento para obtenção de conhecimento científico, possibilitando a construção de um corpo de estudos bem estruturado nos países menos  desenvolvidos.

Finalizando o evento, Davidovich defendeu o estudo aprofundado da biodiversidade, concomitantemente ao desenvolvimento sustentável, como fator imprescindível para o avanço da sociedade. 

Assista aqui à transmissão em português.

Assista aqui à transmissão com tradução simultânea em inglês.