Vidro obtido a partir de receita indicada por programa de inteligência artificial | Foto: LaMaV, Gisele Guimarães dos Santos

Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) mostraram que é possível trilhar um caminho menos trabalhoso e mais rápido para criar um vidro com propriedades específicas. Usando técnicas de inteligência artificial, o grupo partiu das características que desejava encontrar em um material útil para fabricação de lentes para câmeras de computadores e celulares e, em poucos dias, identificou formulações que poderiam originar o tal vidro. É o percurso inverso ao seguido pelos especialistas nos últimos 400 anos. No método tradicional, mestres vidreiros, químicos e pesquisadores da área de ciências de materiais, com base em tentativa e erro e em experiência acumulada, misturam compostos em proporções variadas, que depois são fundidos e resfriados. Só então é possível saber se a combinação resulta em um vidro e conhecer suas propriedades.

“Usando a nova estratégia, conseguimos produzir em laboratório dois vidros com as características que queríamos já na primeira rodada de experimentos”, conta o engenheiro de materiais Edgar Dutra Zanotto, coordenador do Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV) da UFSCar e do Centro de Pesquisa, Educação e Inovação em Vidros (CeRTEV), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela Fapesp. A estratégia adotada e os resultados obtidos estão descritos em um artigo publicado em dezembro na revista Ceramics International.

A equipe de Zanotto foi uma das pioneiras no mundo a usar inteligência artificial para auxiliar a criação vidros. Anos atrás, o engenheiro de materiais Daniel Cassar desenvolveu um programa de computador que se baseava no funcionamento das redes neurais para tentar descobrir, a partir de uma composição química teórica de um vidro, quais seriam algumas de suas características. Apresentado em 2018 na revista Acta Materialia, o modelo matemático predizia com boa confiabilidade uma propriedade física (temperatura de transição vítrea) de qualquer vidro óxido produzido a partir de uma mistura de três a 45 elementos químicos. O programa, no entanto, não permitia fazer o inverso: definida uma característica específica, dizer quais componentes deveriam ser combinados e quais as proporções para alcançá-la. “Tivemos de aprimorar o software usando algoritmos genéticos”, lembra Cassar, que realiza estágio de pós-doutorado no LaMaV. Algoritmo genético é uma técnica de computação capaz de resolver problemas de otimização inspirada por mecanismos da biologia, como hereditariedade, mutação e seleção natural.

Os pesquisadores testaram o novo programa definindo de saída duas propriedades que o novo vidro deveria apresentar: baixa temperatura de transição vítrea, inferior a 500 graus Celsius, e alto índice de refração, superior a 1,7. Essas características são necessárias para produzir lentes pequenas e finas em grandes quantidades, obtidas por prensagem em moldes metálicos. Cassar alimentou o programa com dados de temperatura de transição vítrea de 45.302 combinações produzidas com até 39 elementos químicos e do índice de refração de 41.225 formulações de até 38 elementos. Depois, usou um algoritmo genético para identificar as composições mais relevantes. A estratégia indicou 15 formulações, entre as quais Zanotto selecionou as duas com maior probabilidade de funcionar.

No LaMaV, a química Gisele Guimarães dos Santos, também bolsista de pós-doutorado, transformou as formulações teóricas em objetos concretos. O vidro feito com seis compostos tem cor amarelo-palha, tornou-se rígido a 450 graus e apresentou índice de refração igual a 1,7. Já a mistura de 11 compostos vitrificou a 400 graus e com índice de refração mais alto (1,75), com coloração caramelo. “Está aberto um caminho mais eficiente para obter materiais vítreos que atendam às exigências da indústria”, conclui Zanotto.

Leia a matéria na íntegra na revista Pesquisa Fapesp.