A 33ª edição da série de Webinários da ABC da Academia Brasileira de Ciências (ABC) ocorreu no dia 23/3, com o tema “Educação infantil: avaliações de políticas públicas e sugestões para o novo Fundeb”. Os webinaristas discutiram a importância de investimentos e da priorização de políticas públicas voltadas para a saúde na primeira infância e para a educação básica, abordando, inclusive, o Novo Fundeb. Foram convidados o ganhador do Prêmio Nobel James Heckman, o economista Rodrigo Pinto e o Acadêmico Aloísio Araújo, que coordenou o evento. A abertura do webinário e a apresentação dos convidados foi feita pelo presidente da ABC, Luiz Davidovich

O Novo Fundeb e a importância da pesquisa em educação básica

Criado em 2007 e válido até 2020, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) foi instituído com o intuito de diminuir as desigualdades entre as redes de ensino dos estados e municípios brasileiros, por meio da redistribuição de recursos destinados à educação básica.

O Acadêmico Aloísio Araújo, economista, pesquisador emérito do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e professor titular da Fundação Getúlio Vargas (FGV), abordou as mudanças do Novo Fundeb, aprovado em agosto de 2020 e vigente a partir de 2021, e a necessidade de priorização da educação básica no país.

De acordo com o Acadêmico, o Novo Fundeb vai disponibilizar ainda mais recursos para as redes de ensino, através do pagamento de professores, do investimento em escolas e, principalmente, na educação infantil. A atualização do programa permite o aperfeiçoamento de algumas questões, como a complementação do valor anual mínimo por aluno definido nacionalmente (VAAF), que, anteriormente, era 10% destinado para a redução das desigualdades entre os estados, mas a união aumentou a contribuição para 23%. Outro ponto importante é o complemento de 10,5% para reduzir as desigualdades existentes entre os municípios brasileiros, sobretudo os mais afastados das capitais, nos quais a discrepância é ainda mais acentuada do que entre os estados. 

Araújo destacou que os fundos estão sendo muito bem dirigidos e bem encaminhados. No entanto, existe uma questão que deve ser aprimorada: a pesquisa na área da educação básica, com o objetivo de avaliar os efeitos de intervenções na primeira infância. “É preciso planejar experimentos para criar um intenso debate científico multidisciplinar, para a melhor eficácia na utilização dos recursos criados pelo novo Fundeb. É preciso monitorar a qualidade da educação infantil; avaliar métodos de alfabetização; detectar deficiências de aprendizado; identificar situações de abusos sexuais e violência urbana. Enfim, é importante criar um ambiente de avaliação contínua de políticas públicas”, esclareceu. 

Políticas públicas para a primeira infância: combate à desigualdade social

Desde 2015, o Índice de Gini, responsável por mensurar o nível de desigualdade de um país, vem aumentando no Brasil, logo, vem ocorrendo a intensificação das diferenças sociais. Além disso, o Brasil possui uma elasticidade de renda muito grande, indicando que grande parte da renda dos filhos é determinada pela renda dos pais. O país encontra-se em terceiro lugar nesta lista, com um valor de 5,8%, ficando atrás apenas do Peru e da China, enquanto países como a Dinamarca e a Noruega possuem 1,5% e 1,7% respectivamente. Esse número significa que uma redução de 10% na faixa de renda dos pais possui uma repercussão de 5,8% na faixa de renda dos filhos.

As informações foram apresentadas pelo economista Rodrigo Pinto, PhD pela Universidade de Chicago e professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), que traçou o atual panorama do nível de desigualdade no país e das consequências da interferência de políticas públicas de qualidade na primeira infância. “Os dados demonstram que o Brasil é o tipo de país que tem uma sociedade extremamente estratificada. Se você nasceu em uma família pobre, a probabilidade é de que você continue pobre – o que não é desejável para um país”, explicou.  

O webinarista também exibiu estudos realizados com base na população dos Estados Unidos, mas que podem ser usados na análise da conjuntura brasileira. Segundo ele, investimentos em nutrição e saúde desde a fecundação até os 2 anos podem produzir efeitos cognitivos definitivos, especialmente porque é durante o período de gestação que ocorre a formação do cérebro. Já o investimento do início da vida até os 6 anos tem efeito persistente em habilidades não-cognitivas, que desempenham papel importante durante toda a vida – como o aumento da escolaridade e, consequentemente, da renda, além de uma maior estabilidade familiar e de melhorias na qualidade de vida.

Pinto ressaltou que com políticas públicas bem desenvolvidas de investimento na primeira infânciao retorno é ainda maior Nessas situações “obtém-se tanto eficiência econômica quanto redução da desigualdade; o maior retorno sócio-econômico ocorre justamente quando se investe na fração mais pobre da população”. 

Competências socioemocionais e cognitivas 

Programas de transferência de renda são as iniciativas mais utilizadas por grande parte dos países com o intuito de quebrar o ciclo de pobreza. No entanto, de acordo com o ganhador do Prêmio Nobel James Heckman, professor de economia e diretor do Centro de Economia para o Desenvolvimento Humano da Universidade de Chicago, políticas públicas baseadas nesse mecanismo não são eficazes na redução das desigualdades sociais ou na ampliação da mobilidade social. 

Para Heckman, que é membro da Academia de Ciências dos EUA e da Associação Americana de Economia, uma maneira efetiva de aliviar a pobreza é por meio de políticas focalizadas na construção de competências cognitivas, sociais e emocionais nos indivíduos. “Pesquisas recentes exibem os benefícios dessas habilidades no desenvolvimento da capacidade de uma pessoa em muitos aspectos da vida econômica e social, inclusive para promover ou retardar a escolaridade. Evidências têm mostrado a importância das competências socioemocionais, como a motivação, a capacidade de socialização, a auto-estima, a saúde mental, entre outras. Esses fatores são, normalmente, subestimados, mas são fortes determinantes de quem terá sucesso na escola e na vida em si”, afirmou Heckman. 

De acordo com estudos, a maior parte dos problemas sociais – como a criminalidade, a saúde, as desigualdades, a educação – são tratados de forma fragmentada, através de políticas individualizadas, voltadas para a atenuação do problema e não para sua origem. “Essas soluções são parcialmente efetivas, pois esses problemas devem ser abordados com estratégias unificadas. As soluções fragmentadas muitas vezes não são as mais eficazes, pois os problemas e as suas causas estão inter-relacionados”, esclareceu Heckman. 

As discussões atuais acerca da solução desses problemas se concentram quase que exclusivamente nas escolas como resposta. Contudo, Heckman defendeu que é necessário pensar e analisar o contexto familiar dessas crianças, pois a família exerce papel fundamental dos primeiros anos de vida. “As escolas são importantes, mas outras instituições da sociedade também; a família e os ambientes sociais são os principais produtores de habilidades nas crianças”, informou. Portanto, ele frisa a importância de dar suporte às famílias para que se engajem e nutram seus filhos adequadamente, assim como ajudar a criar ambientes que encorajem a aprendizagem. 

Heckman concluiu reaafirmando a necessidade de se quebrar a barreira entre a escola e a família, promovendo a interação entre todos os ambientes sociais das crianças, não apenas na primeira infância, mas durante toda a vida. Segundo ele, esses são os ingredientes universais para o sucesso de programas e políticas públicas voltadas para o tema. “Programas direcionados para a primeira infância reduzem substancialmente as lacunas de desempenho e produzem melhores resultados. As intervenções bem sucedidas promovem a interação entre pais e filhos, que são fundamentais para o desenvolvimento da criança”, finalizou. 

Assista ao webinário na íntegra em inglês.

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