Leia o artigo da Acadêmica Alicia Kowaltowski e de Frederico José Gueiros Filho para o Jornal da USP, publicado em 12/01:

O Brasil vem sofrendo verdadeira mutilação de seu orçamento para ciência e tecnologia desde 2016, colocando em risco a sobrevivência de um sistema que, mesmo a duras penas, tornou-se respeitado internacionalmente. Isso não é alarmismo ou hipérbole: o dispêndio federal em C&T em 2020 deve ser equivalente a 35% do valor investido em 2015, quando a trajetória de queda livre começou. É notório que em 2020 o orçamento do CNPq para fomento à pesquisa foi de apenas 82 milhões, um valor irrisório e que resultou na paralização de projetos país afora. As perspectivas para o ano que vem são ainda piores – a proposta orçamentária do governo federal para o MCTI representa corte de 30% em relação ao já catastrófico orçamento de 2020.

Fragilizado tanto pela diminuição sucessiva de recursos como pela ameaça de fusão com a Capes, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) anunciou no final de 2019 que mudaria seu mecanismo de concessão de bolsas de pós-graduação. Em vez de distribuir cotas de bolsas aos programas de pós-graduação, que até então selecionavam por mérito os pós-graduandos que as receberiam, passaria a usar (nas próprias palavras do CNPq) “um modelo de alocação majoritária por meio de chamadas públicas, com foco direcionado para modalidades e temáticas em áreas prioritárias e estratégicas para o MCTIC [Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações], vinculando as bolsas a projetos de pesquisa”.

Tal mudança poderia ser saudável – há anos que as cotas concedidas aos programas estavam “congeladas”, impedindo o acesso de novos programas a bolsas e correções necessárias em um sistema em constante evolução. A ideia de se privilegiar a qualidade de projetos de pesquisa também poderia ser positiva, se embasada por um processo de avaliação sério e dotado de credibilidade. No entanto, por ocorrer justo no momento de aguda crise orçamentária e liderada por um governo que, mesmo antes da pandemia, já se mostrara não apenas negacionista mas franco antagonista da comunidade científica nacional, a mudança nos procedimentos do CNPq gerou apreensão e desconfiança. Vale lembrar que em abril havia sido publicada chamada para projetos de iniciação científica do CNPq inicialmente excluindo ciências básicas e humanidades.

Em julho foi lançado a chamada CNPq 25/2020 detalhando o novo procedimento. A mudança radical de regras, somada ao desafio de formular um projeto institucional de pesquisa, algo nunca antes avaliado e que nem mesmo o CNPq parecia ter clareza de como se fazer, fez a apreensão da comunidade transbordar. Para crédito do CNPq, houve tentativa genuína de diálogo, tanto para esclarecer as muitas dúvidas sobre o novo procedimento, como para incorporar sugestões dos programas de pós-graduação para aprimorar o que ainda fosse possível no edital. Durante as diversas lives e reuniões virtuais que se seguiram, o CNPq também fez questão de garantir aos estressados programas que o novo processo não representaria uma mudança radical no número de bolsas concedidas a cada Programa, pois o item 5.4 do edital previa percentuais mínimos de retorno das bolsas devolvidas para os projetos aprovados (60-80%, dependendo do tamanho do Programa).

Portanto, foi com grande surpresa e justificada indignação que a comunidade recebeu os resultados da chamada 25/2020. Embora uma análise mais detalhada de seu impacto ainda precise ser feita, uma avaliação preliminar já mostra tratar-se de uma tragédia. Cerca de 70% dos programas de pós-graduação que concorreram ao edital tiveram seus projetos negados, e portanto não receberão bolsas do CNPq em 2021! Essa taxa estratosférica de reprovação basicamente tornou irrelevante a previsão de percentuais mínimos de retorno de bolsas. Onde ficou a transição gradual prometida pelo CNPq? Mesmo nos programas com pedidos aprovados, há cortes significativos das bolsas atribuídas. Por exemplo, o programa de pós-graduação em que os autores desse artigo atuam, que sempre foi considerado de excelência e uma liderança nacional na área de Bioquímica e Biologia Molecular, teve apenas uma de três bolsas de doutoramento aprovada para renovação em 2021.

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