Leia artigo do professor titular do Instituto de Química da Unicamp Luiz Carlos Dias, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro da Força-Tarefa da Unicamp no combate à Covid-19, publicado no Jornal da Unicamp em 3/12:

O Reino Unido, reconhecendo que a BNT162b2, a vacina da Pfizer/BioNTech, atende aos rígidos níveis de segurança, qualidade e eficácia, é o primeiro país a autorizar o uso da vacina, que começa a ser administrada em todo o país já na próxima semana. A vacina precisa de duas doses em intervalo de 21 dias.

Este é realmente um momento marcante e histórico no combate à pandemia de Covid-19. É a primeira vacina aprovada contra a Covid-19 e a primeira vacina com plataforma de RNA mensageiro (mRNA) aprovada no mundo!

Esse momento pode ser considerado uma revolução na história das imunizações, uma plataforma que pode significar o futuro, caso essas vacinas de mRNA se mostrem tão eficazes quanto as análises preliminares interinas estão indicando!

O que há de revolucionário na vacina de mRNA

A vacina funciona assim: o RNA mensageiro, um produto químico sintético produzido em laboratório, possui informações da proteína S (proteína Spike ou espícula) do vírus SARS-CoV-2, responsável por interagir com a enzima ECA-2 (enzima conversora da angiotensina 2), uma proteína presente nas nossas células, servindo como porta de entrada do vírus em nossas células. O mRNA ou a sequência do RNA sintético é introduzido em uma nanopartícula lipídica (uma capa protetora de gordura) e ao ser injetado em nosso organismo, entra nas nossas células, que vão ler e interpretar as instruções que fazem parte das moléculas de mRNA para produzir outra proteína, que é uma cópia de parte da proteína Spike do vírus.

É como se um pedacinho do SARS-CoV-2 fosse gerado pelo nosso organismo. Neste momento, o nosso sistema imunológico, que está sendo enganado pela tecnologia, identifica essa cópia de parte da proteína Spike do vírus como um corpo estranho (um patógeno), entende que é uma ameaça que precisa ser combatida e começa a produzir anticorpos para neutralizar a cópia da proteína Spike (nesse momento tem início a resposta imunológica). A produção de proteínas Spike pelo nosso organismo tem que ser suficiente para induzir uma resposta imunológica robusta, de anticorpos neutralizantes e, eventualmente, de células de memória (células TCD4 e TCD8). Aí, quando nós tivermos contato com o vírus real, selvagem, que possui na sua camada externa a proteína S (Spike ou espícula) real, nosso organismo já estará preparado para produzir anticorpos para neutralizar o vírus real. Fascinante!

Esta é uma plataforma vacinal segura e rápida para produzir vacinas em larga escala, embora seja uma tecnologia mais cara que as baseadas em vetores virais, seja com vírus atenuados ou vírus inativados. Nós poderemos, no futuro, usar a mesma tecnologia, mas com fragmentos de mRNA diferentes, com informações genéticas de outros vírus, para produzir resposta imunológica a esses outros vírus, ajudando a nos proteger de doenças potencialmente perigosas.

O mRNA não modifica nosso DNA, não altera nosso genoma, não altera o nosso código genético. Não se preocupe, pois ele não entra no núcleo, onde está o DNA humano. O mRNA é usado em quantidades muito pequenas e como é uma molécula frágil, permanece algumas horas dentro das células, é degradado e não apresenta nenhuma toxicidade, sendo eliminado naturalmente do organismo.

É fantástico que a plataforma de mRNA, de certa forma, reproduza o processo de infecção viral real. Nem mesmo o vírus SARS-CoV-2 real, que causa a Covid-19, quando entra nas nossas células, afeta o nosso DNA, o nosso material genético, pois ele não entra no núcleo. O que ele faz é ele usar a maquinaria celular para se multiplicar, fazendo cópias dele mesmo.

No caso da vacina a base de mRNA, não há informações suficientes ou instruções para a multiplicação da camada lipídica de gordura introduzida, apenas da sua proteína externa, que tem informações da proteína Spike, aqueles espinhos que aparecem em qualquer figura do SARS-CoV-2. Então ninguém vai produzir o vírus, vai produzir apenas parte da proteína externa dele. Essa fragilidade do mRNA, que pode ser degradado pelo próprio sistema imunológico e no início levantou dúvidas quanto a sua eficácia em produzir resposta imunológica robusta, traz questões logísticas importantes, pois a vacina precisa ser mantida em temperaturas entre -20 e -70 graus Celsius.

Um dos desafios é preparar plataformas vacinais a base de mRNA mais estáveis termicamente, mais estabilizadas e que possam ser armazenadas sem degradação, em temperaturas na faixa de 2 a 8 graus Celsius. Estas vacinas, inclusive, nem precisam de adjuvantes para ajudar na indução de resposta imune e aparentemente produzem poucas reações adversas. As empresas Pfizer/BionTech já apresentaram uma autorização de uso de urgência à FDA (agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos).

A candidata vacinal da Pfizer/BionTech apresenta eficácia de 95%, quando aplicada em duas doses, segundo os resultados preliminares após a primeira análise interina. Esta vacina precisa ser armazenada a -70 graus Celsius e será entregue em recipientes especiais que podem manter a temperatura por até 5 dias a -70 graus Celsius com o uso de gelo seco. Essa vacina tem estabilidade por um período de apenas 5 dias em geladeiras comuns, mas em princípio não será distribuída para a população brasileira, segundo comunicado do Ministério da Saúde, que alegou que, para ser incorporada ao PNI, a vacina deve ser “fundamentalmente” termoestável por longos períodos, em temperaturas de 2 a 8 graus Celsius.

A nossa rede de frios, com cerca de 34 mil salas, é montada e estabelecida apenas para esse intervalo de temperaturas. O futuro bate à nossa porta, precisamos nos adaptar. Aqui cabe a primeira frase na letra da música “Não vou me adaptar”, de Nando Reis e Arnaldo Antunes: Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia.

Ministério da Saúde adverte: vacina não será para todos em 2021

Segundo o Ministério da Saúde, que está elaborando um plano nacional preliminar de imunização, uma vacina aprovada contra a Covid-19 não deverá ser oferecida para toda a população brasileira em 2021, mas apenas para grupos de maior risco de exposição e complicações pela doença, começando com profissionais de saúde (~3,5 milhões), maiores de 75 anos (~8,1 milhões) e indígenas (~800 mil). Pessoas com mais de 60 anos vivendo em asilos ou instituições psiquiátricas (~300 mil) poderão ser incorporados na primeira fase, que prevê a imunização de cerca de 13 milhões de brasileiros, ou ~6% da população.

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Leia a matéria completa, aberta, no Jornal da Unicamp.