Leia artigo do Acadêmico Hernan Chaimovich, professor emérito do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), publicado na revista Questão de Ciência, em 19/11:

Hoje tive uma vivência especial. Vou relatá-la em algum detalhe pois, em vez de vivê-la quase automaticamente, sem pensar, estive consciente, a cada passo, de uma experiência que poderia considerar mágica.

Contas devem ser pagas, é a vida real. Uma série de ações são possíveis quando chega a conta de um cartão de crédito.

Uma delas é jogar a conta no lixo, e fingir que nada chegou. Mas essa ação, ainda que admissível, tem riscos e, se se avalia a relação risco/benefício, é claro que não se trata de um ato conveniente.

Outra ação possível é se deslocar até uma agência bancária para fazer uma fila e pagar a conta no caixa. Se o banco não fica perto de casa, tem-se de optar por um meio de transporte. Vamos lembrar que, apesar do que pensa o presidente(?) Bolsonaro, estamos vivendo uma pandemia de COVID-19. Como sou de um grupo de risco cinco cruzes, a chance de me contaminar pela ida ao banco, num meio de transporte coletivo, é enorme. Então, porque eu pelo menos posso, vou de carro. Isso se o carro, depois de tantos dias parados, for partir. Supondo isso, teria de ir ao banco, mas enfrentar a fila de pessoas sem distanciamento. Nem pensar. Outra possiblidade perdida.

Olhando de novo a conta vejo que tem um claro código de barras. Lembro então que no meu telefone celular, no app do banco onde tenho conta, podem-se ler códigos de barra, no item pagamentos. Coloco a conta numa superfície plana, aponto o celular e pluft, aparece uma chamada para colocar a minha senha de alguns dígitos que, por sorte, ainda lembro. Coloco a senha e pimba, aparece o recibo, o copio para meu e-mail, e pronto.

Não joguei a conta fora, não liguei o computador, não fui ao banco e ainda paguei e o recibo está como anexo no meu e-mail. Conclusão possível: é magia ou intervenção direta dos deuses. Mas espera aí, o que é a tal da magia, e onde estão os deuses?

Numa tradução não certificada do conteúdo da Enciclopédia Britânica (sim, sou velho mesmo, às vezes prefiro essa enciclopédia ao Google), a magia se caracteriza como um “desempenho ritual ou atividade que acredita influenciar eventos humanos ou naturais por meio do acesso a uma força mística externa, além da esfera humana comum”.

Para melhor esclarecer, adiciono outras características da magia.

“Esta força constitui o núcleo de muitos sistemas religiosos e desempenha um papel social central em muitas culturas. Ao mesmo tempo, a magia foi considerada inteiramente distinta da religião por consistir em manipulação externa, ao invés de súplica. Muitos pensadores religiosos, antropólogos contemporâneos e historiadores da religião, entretanto, tendem a contestar isso, uma vez que tanto a magia quanto a religião estão preocupadas com os efeitos, sobre existência humana, de forças místicas externas. Assim, magia e religião são genericamente semelhantes e conectadas, com a diferença específica de que a magia é geralmente um assunto mais impessoal e mecânico, com ênfase na técnica”.

“O vocabulário esotérico de encantamentos pode representar o simbólico, uma vez que a natureza misteriosa do poder espiritual é, em um sentido prático, a restrição do acesso humano a ele. Nomes pessoais são comumente usados ​​em feitiços por mágicos para fazer bem ou mal. Indivíduos com esse poder são considerados, em algumas sociedades, como tão fortes que devem ser cultuados. Os espíritos são comumente considerados como tendo nomes mágicos especiais, conhecidos apenas por uns poucos escolhidos. Junto com os feitiços, podem ser incluídos os objetos materiais ou medicamentos usados ​​em muitas sociedades”.

Mas se isso é magia, nenhuma das minhas ações tem qualquer componente contemplado nessa definição. Usar o celular não precisou de rito, força mística ou apelo a seres superiores. Foi só apertar um par de teclas virtuais. Que é isso então que me permitiu pagar a conta?

A resposta é simples e se resume numa única palavra: ciência. Apesar do espaço deste artigo ser limitado, alguns elementos da imensa quantidade de ciência que foi necessária para chegar ao processo que me permitiu pagar a conta pelo celular devem ser apontados.

(…)

Leia o artigo aberto, na íntegra, na revista Questão de Ciência.