Leia matéria de Giovana Girardi para O Estado de S.Paulo, publicada em 18/11:

Sexismo disfarçado de bom conselho”, “microagressões diárias”, “ofensas ditas em tom de brincadeira, como se fossem apenas uma piada”. Esses são relatos de um grupo de mulheres cientistas – no auge de suas carreiras –, que se veem alvo de machismo e preconceito mesmo trabalhando em um ambiente onde prevalece o alto nível de educação. Um quadro que parece piorar quanto mais elevado é o nível na carreira.

Na semana passada, chamou a atenção o fato de três pesquisadoras terem sido contempladas nas áreas de ciência em uma mesma edição do Nobel. Em 120 anos do prêmio, em um universo de mais de 600 laureados em ciência, menos de 4% eram mulheres, como mostrou reportagem do Estadão.

‘Às vezes a gente se habitua, nem se dá conta de que foi alvo de preconceito. Com o tempo, vai engrossando o couro’, diz a pesquisadora.

Estar no topo da carreira científica, porém, não só ainda é uma raridade em todo o mundo para mulheres, como parece ser pouco capaz de blindá-las de serem alvo de machismo, em especial no País. As frases que abrem essa reportagem foram ditas por pesquisadoras brasileiras de ponta, que tiveram seu trabalho reconhecido no Prêmio para Mulheres na Ciência L’Oréal-Unesco-Academia Brasileira de Ciências (ABC), iniciativa que completa 15 anos em 2020.

Para comemorar a data, os organizadores resolveram ouvi-las na tentativa de traçar um panorama do que elas viveram ao longo desse período e refletir sobre o que pode ser melhorado a fim de incentivar a ciência feminina. No levantamento, ao qual o Estadão teve acesso com exclusividade, 90% disseram já terem vivenciado situação de preconceito ou outra forma de discriminação em razão de seu gênero. Foram ouvidas 70 das 96 laureadas até o ano passado.

Machismo estrutural

Algumas delas conversaram com a reportagem e relataram situações que mais parecem tiradas de algum romance do século passado – ou, como definem os especialistas em gênero, são exemplos do machismo estrutural.

“Os colegas de trabalho se sentem à vontade de serem invasivos com a vida das mulheres. Eu viajo muito para congressos e frequentemente escuto coisas como: ‘Mas seu marido deixa? Você trabalha demais, ele vai deixar você.’ Coisas que a gente nunca vai ouvir alguém perguntando para um homem”, conta a matemática Jaqueline Mesquita, de 35 anos, professora da Universidade de Brasília.

A matemática, em geral, tem poucas mulheres em seus quadros. A Medalha Fields, considerada o Nobel da disciplina, teve até hoje apenas uma vencedora. O Prêmio Abel, que homenageia toda a carreira de um matemático, também. Cenário que só favorece os comentários machistas. “Tem um aluno querendo fazer doutorado comigo e ouvi colegas insinuando se ele estava interessado na minha pesquisa ou em outra coisa”, diz Jaqueline.

São comentários justificados pelos homens como meras brincadeiras, piadas, mas que incomodam. Muitas das pesquisadoras dizem que acabam se acostumando ou desenvolvem formas de relevar o que escutam para conseguir tocar a vida. Na pesquisa, 74% afirmaram que tiveram de mudar seu comportamento ou maneirismos para serem levadas a sério por colegas de trabalho.

“Nunca fui de ficar triste, não poderia me apegar a isso se quisesse sobreviver. Às vezes a gente se habitua, nem se dá conta de que foi alvo de preconceito. Com o tempo, vai engrossando o couro”, afirma Andrea de Camargo, de 46 anos, professora do Instituto de Física da USP, em São Carlos, vencedora do Prêmio L’Oréal em 2007. A Física, junto com a Matemática, é das que menos tem mulheres entre os pesquisadores.

Na maior parte dos casos, afirma Andrea, o preconceito é velado, aparece nas entrelinhas. “Mas brinco que se não me respeitam como mulher, me respeitam pela minha estatura”, diz a pesquisadora de 1,85m.

“Se a gente quiser ter voz, tem de falar mais alto, tem de bater a mão na mesa. Aí sempre vem alguém falando: ‘Calma, não precisa ficar estressada’. Dizem que a gente é desequilibrada. Se um homem age assim, as pessoas ficam impressionadas. Mas se a gente fala baixo, também ninguém escuta. Tem de se moldar ao ambiente”, relata.

Andrea conta que no mesmo ano que recebeu o prêmio – um após ser contratada no instituto –, ela engravidou do primeiro filho. Tinha 34 anos. Quase ao mesmo tempo, ganhou uma bolsa na Alemanha, da Fundação Humboldt. “Não sabia como contar. Escrevi cheia de dedos: olha, só tem um probleminha. Mas a resposta foi incrível. Disseram que a notícia era maravilhosa, que a fundação dava boas-vindas à família. E automaticamente aumentaram o valor da bolsa e estenderam o tempo para conclusão. É outra visão.”

A bióloga Fernanda Werneck, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), laureada em 2016, aponta que nem sempre  o que ocorre é algo drástico. “A gente acha que é  só um fato super marcante pode ser considerado preconceito, mas aí percebe que são microagressões, aquele pequeno comentário, aquele olhar, aquele julgamento que faz muitas colegas acabarem ficando no meio do caminho, estancando onde não gostariam de ter parado”, diz.

Leia a matéria completa, na íntegra, no Estado de S. Paulo.