A sustentabilidade como meta no terceiro Milênio permeou o debate no primeiro painel do segundo dia da Mini Reunião Anual Virtual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O Brasil tem papel central no assunto por abrigar em seu território uma das maiores biodiversidades do planeta e liderar a produção de alimentos com uma agricultura de ponta.

Porém, como definiu a ecóloga Mercedes Bustamante, [membro titular da Academia Brasileira de Ciências], professora e pesquisadora na Universidade de Brasília (UnB), um legado de mazelas persistentes desde o Século XIX, como racismo e colonialismo, se tornam obstáculos para o desenvolvimento sustentável.

Bustamante foi uma das expositoras do painel intitulado “Ciência, Educação e Desenvolvimento Sustentável para o Século XXI”. Coordenado pelo Deputado Rodrigo Agostinho, presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, o encontro virtual contou ainda com o engenheiro agrônomo Alysson Paulinelli, um dos fundadores da Embrapa; Rachel Biderman Furriela, Diretora Executiva do World Resources Institute no Brasil (WRI Brasil) e a ecóloga, pesquisadora e ex-diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Ima Célia Vieira.

A pesquisadora da UnB disse que atingir o desenvolvimento sustentável requer uma revisão dos modelos econômicos tradicionais (“business as usual”) no sentido de enfrentar as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a escassez de água. A mudança também engloba a comunicação, a cooperação – um conceito essencial na ciência da sustentabilidade – e também a educação.

Segundo Bustamante, substituir o usual em atividade econômica por uma nova abordagem implicará a criação de novos tipos de trabalho, alguns que ainda nem existem. Nesse contexto, ela defende repensar o papel da educação como um todo e da universidade em particular. “As universidades precisam atuar, não só em resolver as habilidades que são necessárias para hoje, mas pensar em preparar os estudantes para outras habilidades e ferramentas”.

Agricultura

Alysson Paulinelli defendeu o agronegócio brasileiro e afirmou que o País precisa “urgentemente” comunicar os importantes avanços tecnológicos que levaram à posição entre os líderes na produção mundial de alimentos. Ele se referia à imagem negativa que hoje atinge o Brasil por conta do avanço do desmatamento.

Na visão de Paulinelli, o agronegócio brasileiro conquistou a posição atual a partir do bom aproveitamento dos recursos naturais e uma relativa independência de importações, principalmente de produtos químicos, seja para a fertilização do solo ou compostos para controle de pragas e doenças. Segundo ele, muitos dos produtores brasileiros já estão à frente nos investimentos em biotecnologia adequada à agricultura tropical e estão prontos para atender a demanda global por alimentos mais saudáveis e de qualidade que deve aumentar no pós-pandemia. “Estamos fazendo, através da bioeconomia, a grande saída que o mundo precisa para ter alimentos mais saudáveis”, declarou.

Inclusão social

Raquel Biderman, da WRI Brasil, alertou para os interesses por trás dos ataques à ciência e do negacionismo na questão das mudanças climáticas. “Há grupos econômicos por trás da negação da ciência e isso é preocupante, a resposta só a cidadania pode dar conta”, afirmou.

Biderman também abordou a nova economia e o olhar sobre a agricultura como ferramentas para reverter a degradação ambiental, enfatizando a questão da inclusão social. “Haverá necessidade de incluir mais pessoas no campo, gerando empregos de qualidade, incluir grupos como indígenas, os assentados que nunca assentamos e pequenos médios e grandes produtores de forma equitativa”, ressaltou.

Ela também defendeu mudanças no crédito rural para que seja aplicado de forma equânime para todos os grupos, especialmente a agricultura familiar. “Na nova economia com esse olhar de sustentabilidade, a inclusão social é fundamental”.

Amazônia

A ecóloga Ima Vieira focou sua análise na Amazônia, criticando o fato de que, apesar de todo o discurso sobre a importância da região para o Brasil e para o planeta, é a que concentra os piores indicadores sociais do país. “Em pleno século XXI, regido pela economia do conhecimento, a pauta de exportações da região continua baseada em produtos primários não industrializados”, apontou.

Desigualdade social e desastres ambientais na imensidão territorial são os aspectos que marcam a Amazônia na atualidade, em uma crise intensificada pela covid-19. “São três milhões de brasileiros vivendo nas piores condições sociais e de saúde”. Mas a resposta à crise, denuncia Vieira, tem sido altas taxas de desmatamento, tolerância com a ilegalidade e falta de uma política para reverter a extrema pobreza, que são obstáculos a iniciativas em prol da sustentabilidade.

Para Ima Vieira, ainda é possível construir um modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia desde que haja governança social e territorial, um modelo de produção sustentável das florestas com a estruturação de cadeias e arranjos produtivos da biodiversidade, imprescindíveis para manter a floresta em pé. Mas para tudo isso, ressaltou Vieira, ciência é fundamental.

Assista ao debate na íntegra no canal da SBPC no YouTube.

A Mini Reunião Anual Virtual da SBPC segue até dia 17/7. Mais informações e a programação podem ser obtidas aqui