A criação do Conselho Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico, nascido em 1951 com o nome de Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e tendo mudado de nome, em 1974, mas não de sigla, é um marco na história da institucionalização da ciência brasileira. Seu primeiro presidente foi o Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, que era também presidente da  Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Desde então, diversos Acadêmicos já ocuparam esse posto. Foram eles Crodowaldo Pavan (1986 – 1990), Gerhard Jacob (1990 – 1991), Marcos Luís dos Mares Guia (1991 – 1993), Lindolpho de Carvalho Dias (1993 – 1995), José Galizia Tundisi (1995 – 1999), Evando Mirra de Paula e Silva (1999 – 2001), Esper Abrão Cavalheiro (2001 – 2003), Erney Felício Plessmann Camargo (2003 – 2007), Marco Antonio Zago (2007 – 2010), Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho (2010 – 2011), Glaucius Oliva (2011 – 2015) e Hernan Chaimovich (2015-2016).

Em 17 de abril de 2020, o Acadêmico Evaldo Ferreira Vilela foi nomeado para assumir a presidência do órgão. Ele substitui o pesquisador João Luiz Filgueiras de Azevedo, exonerado na  mesma data.

O Prof. Evaldo concedeu entrevista à ABC, comentando suas perspectivas à frente do principal órgão de fomento da ciência brasileira, que vem tendo seu orçamento reduzido ano a ano desde 2014, quando teve seu auge, estando hoje numa situação bastante precária. O orçamento proposto para o CNPq em 2020, de R$ 1,3 bilhão, garante apenas o pagamento de bolsas para o próximo ano, depois de muita luta da comunidade científica brasileira.  Os recursos disponíveis para financiamento de projetos de pesquisa e outras atividades de fomento, razões fundamentais para a existência do Conselho, no entanto. foram reduzidos a R$ 17,6 milhões, o que significa praticamente não ter recurso nenhum

Como o senhor vê esse convite para presidir o CNPq, nesse momento complicado e com baixo orçamento?

É uma grande honra presidir o CNPq. Para um cientista é uma maneira de, um dia, poder contribuir mais decididamente para o engrandecimento do Conselho. Aceitar esse convite, para mim, significa contribuir, dentro das minhas possibilidades, para o fortalecimento daquela que é a maior instituição de fomento à ciência do Brasil. Isto é muito e o que mais me motiva é o momento atual com enormes desafios, mas também com muitas oportunidades para a ciência ajudar o desenvolvimento socioeconômico do país, com consequente melhoria da qualidade de vida das pessoas. Nesta pandemia, a sociedade está ampliando a sua percepção da  importância da ciência. Todo mundo vê hoje que sem o conhecimento cientifico, não teremos chances de levar adiante o enfrentamento da situação. Essa é uma janela de oportunidade única para avançarmos, convencendo a sociedade sobre a importância de todas as áreas do conhecimento humano e integrá-las, em busca de soluções para os novos tempos.

E como a ciência brasileira pode se destacar, com cortes sucessivos nos recursos?

Embora o investimento em ciência no Brasil tenha sido sempre pouco, a competência e o talento dos nossos pesquisadores têm conseguido resultados extremamente relevantes na geração de novos conhecimentos e aplicação deles, como nas demandas recentes: o genoma do coronavírus foi elucidado por cientistas brasileiros, assim como a relação do vírus da zika com a doença. Temos uma ciência vigorosa, que só não é maior porque sempre faltou recurso – e o que tivemos, nunca obedeceu a um fluxo adequado para o desenvolvimento das pesquisas. A manutenção constante do financiamento é fundamental para não parar a execução dos trabalhos. Uma pesquisa que tem seu o fluxo normal interrompido por falta de condições é, quase sempre, perdida. Trabalhar para ter recursos financeiros estáveis é uma das nossas motivações, dado esse momento favorável ao reconhecimento de que precisamos dos cientistas para a solução dos nossos problemas. Para isto, o CNPq precisa juntar forças com o MCTIC [Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações] e com todos os parceiros, como as Fundações de Amparo à Pesquisa dos estados, reunidas no Confap [Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa].

Qual a estratégia que o senhor pretende usar para lidar com o baixíssimo orçamento dedicado pelo Governo ao CNPq?

A estratégia será coerente com os tempos atuais, digitais e com ameaças de pandemias, onde os desafios são mais complexos e não nos permitem mais trabalhar senão com a integração do conhecimento. Disciplinas isoladas tem menores chances de contribuir com resultados significativos, o que nos leva a, estrategicamente, promover as redes multidisciplinares, onde todas as áreas atuam coordenadamente em uma missão especifica, unindo esforços, desde a engenharia à medicina, incluindo a contribuição das ciências sociais, das humanidades etc. Nossa estratégia é estimular esses arranjos multidisciplinares centrados na solução de problemas reais da sociedade, trabalhando a geração de conhecimento (pesquisa básica) e a aplicação da ciência. Nós temos muitos problemas e não é uma área apenas que irá resolver os desafios no tempo que precisamos, fazendo jus ao investimento público. Que seja na forma de artigo publicado, que é muito importante para a academia, mas que não pare aí, que tenha um encaminhamento em uma cadeia que irá contribuir para entregar soluções. Isso não é uma tarefa fácil, mas é possível e necessária.

E o senhor vê áreas prioritárias para concentrar o investimento?

Esta é a etapa que nós temos que trabalhar, sem preconceitos. Há espaço para todo mundo que quer fazer ciência, da chamada ciência básica à aplicada. A questão é definir muito bem o foco, onde queremos chegar, que desafio iremos enfrentar em beneficio do conhecimento humano, ou da solução de problema real que precisa ser solucionado para o bem da sociedade. Temos tudo para trabalhar prioridades bem definidas, com parceiros certos, como o Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa dos estados, as chamas FAPs, que estão junto aos pesquisadores, junto às instituições, junto à sociedade e, por isto, tem um valor enorme e precisam ser mais utilizadas pelo CNPq e pelo Ministério. Assim também com as universidades, especialmente as públicas, com quem o CNPq sempre teve uma relação umbilical, e que deve ser aperfeiçoada em torno de priorizações, como na área da divulgação e da comunicação científica para nossa população, tornando a ciência, cada vez mais, um importante valor para o desenvolvimento da sociedade.

Então o senhor está confiante para exercer o cargo?

Com o que tenho aprendido na própria Academia Brasileira de Ciências, convivendo com pessoas brilhantes e experientes, e com a bagagem acumulada ao longo de tantos anos na universidade, como professor, pesquisador e gestor, sinto-me motivado e seguro para exercer este cargo, trabalhando sob a liderança do ministro Marcos Pontes. Trabalhar o ambiente interno e externo, sempre com foco no benefício para a sociedade, para as pessoas, seja nas questões da saúde, do alimento e alimentação, da mobilidade, das relações interpessoais, enfim… a ciência pode fazer muito por todos nós e pelo planeta.


Sobre as contribuições do Acadêmico 

Evaldo Vilela é Acadêmico desde 2012 e um membro atuante. Coordenou, junto com o Acadêmico Elibio Rech, o capítulo brasileiro o livro da Rede InterAmericana de Academias de Ciências (Ianas) sobre Segurança Alimentar e Nutricional, lançado em maio de 2018, disponível gratuitamente nas versões eletrônicas em inglês e espanhol.

Em seguida, Vilela representou a ABC no Seminário “Diálogo com Grupos de Engajamento do G20”, no Palácio Itamaraty, em Brasília (DF). O seminário teve como objetivo promover o diálogo entre o governo brasileiro e representantes da sociedade civil que participam nos sete grupos de engajamento do G20, que é um grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia. No mesmo ano, representou a ABC no Science20, grupo constituído pelas Academias de Ciências dos países que formam o G20. Na ocasião, tratou-se das questões do solo aplicadas à análise da segurança alimentar e nutricional e discutiu-se formas de viabilizar uma produção sustentável de alimentos – principalmente alimentos mais saudáveis – para um mundo que está em constante crescimento populacional.

​Ele é coordenador da área de Ciências Agrárias do convênio Brasil-China, junto com o Acadêmico Elibio Rech, e coordenou o workshop Estratégias de Inovação em Produção de Alimentos, realizado no fim de 2018, em Brasília (DF). O evento foi realizado em parceria com a Academia Chinesa de Ciências (CAS, na sigla em inglês), com o apoio da Embrapa e da Finep. Esta foi a primeira atividade promovida no âmbito do acordo estabelecido entre ABC e a CAS em 2018, que visa promover a cooperação bilateral em oito áreas científicas e tecnológicas, definidas como prioritárias e de interesse comum aos dois países.

​Coordenou, também junto com Rech, a área de Ciências Agrárias do Projeto de Ciência para o Brasil (PCBR), lançado em 2018 e disponível no site da ABC. Vilela, junto com os Profs. Geraldo Magela Callegaro e Geraldo Wilson Fernandes, reuniu o extenso material produzido pelo grupo e organizou a nova publicação. O resultado do grupo de Ciências Agrárias foi muito rico e deu origem a uma nova publicação, lançada em Brasília, no fim 2019: o livro Biomas e Agricultura                                                                                                                                            

Sobre o percurso do novo presidente do CNPq

Evaldo Ferreira Vilela é graduado em agronomia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), com mestrado em entomologia pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorado em ecologia química pela University of Southampton, no Reino Unido. Fez estágios de pós-doutorado nas Universidades de Tsukuba (Japão), Nurenberg-Erlangen (Alemanha) e California-Berkeley (EUA). Foi professor titular e atualmente é professor voluntário/colaborador da UFV, na qual foi reitor entre os anos 2000 e 2004. Presidiu a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap).

Atuou como membro de Comitês Assessores do CNPq, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), da Fapemig e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep); foi membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), do Comitê do Pronex, da Comissão Nacional dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT); do Comitê de Avaliação Externa da Embrapa Cenargen. Dirigiu a Fundação de Apoio a UFV (Funarbe). Presidiu a Sociedade Entomológica do Brasil, a Sociedade Brasileira de Defesa Agropecuária e coordenou o Projeto Inovação Tecnológica para a Defesa Agropecuária, encomendado pelo CTAgro/MCT/CNPq. Foi secretário adjunto de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado de Minas Gerais (2007-2013) e gerente do Projeto Estruturador Rede de Inovação Tecnológica do Governo de Minas Gerais.

Mais recentemente, tem se dedicado a inovação tecnológica, tendo criado o Sistema Mineiro de Inovação (Simi) e atuado no Comitê Gestor do SEED (Startups and Entrepreneurship Ecosystem Development); é membro do Fundo de Capital Semente Criatec do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e membro do Conselho Administrativo do Parque Tecnológico de Belo Horizonte do Sebrae (MG).