O Acadêmico Antônio Gomes Souza Filho, professor do Departamento de Fìsica da Universidade Federal do Ceará, enviou o artigo abaixo para a NABC, em 1/4/2020:

O enfrentamento da crise iniciada pela Covid-19 exige muito conhecimento científico para lidar com um fenômeno tão complexo e planetário. A ciência já ajudou a humanidade em muitas crises, mas nessa atual ela é fundamental. E felizmente temos várias lições para serem usadas. E infelizmente podemos não usá-las!

A primeira lição vem das ciências biomédicas (desde a biologia molecular, passando pela clínica, até a epidemiologia) que identificou rapidamente o vírus e detalhou a sua maquinaria molecular, elucidou as formas de contaminação, entendeu a dinâmica de propagação e sugeriu as medidas para sua contenção, está aprimorando o tratamento e monitora, diuturnamente, como o vírus está mudando seu genoma à medida em que  se espalha na aldeia global.

Os relatos indicam que, com a epidemia instalada, perde-se mais vidas pela falta de estrutura (leitos de UTI e equipamentos para atender o grande número de pacientes) do que propriamente pela letalidade da doença. Essa é uma das premissas que justifica o distanciamento social (uso esse termo por que é o comum, mas prefiro distanciamento físico por que as novas tecnologias têm nos mantido socialmente interativos) como a estratégia mais adequada (da atual e de outroras) para o enfrentamento da pandemia.

Uma segunda lição vem das ciências econômicas que mostram que vidas versuseconomia é um falso dilema. Um estudo publicado em 27/3 por estudiosos das instituições Massachusetts Institute of Technology (MIT) e Federal Reserve Bank (Banco Central), ambas nos Estados Unidos, expõe uma conclusão bastante interessante: as medidas de saúde pública (quarentena) não depreciam a economia, as pandemias sim.

Analisando os dados de várias cidades americanas por ocasião da Gripe Espanhola no início do século passado, eles analisaram os indicadores da economia e mostraram que as cidades que adotaram as medidas mais rigorosas (isolamento social) apresentaram, DURANTE A PANDEMIA, um desempenho econômico similar às que não pararam. Mais importante foi o conclusão de que APÓS A PANDEMIA, as cidades que adotaram o isolamento recuperaram mais rapidamente a sua economia.

É verdade que experimentos sociais nunca são repetidos no tempo e tampouco no espaço para permitir que as conclusões retiradas de um cenário se apliquem integralmente ao outro, mas mesmo assim é mais seguro ter essa referência do que seguir apenas achismos.

Resumindo, a ciência nos aponta que temos as opções de termos menos mortes e menos impacto econômico (isolamento social até controlar a disseminação) ou mais mortes e mais impacto econômico (sem isolamento social). Não deveríamos ter dúvidas sobre qual estratégia seguir!

E como ficam os salários das pessoas? Essa solução exige muita cooperação de todos, exige rever a seguridade do trabalho e o compromisso de todas as organizações sociais em diminuir (as perdas são certas) os efeitos, cada um contribuindo com sua parte para que o Estado, esse mesmo que é tão massacrado, que leva calote de tributos de empresas e pessoas físicas, e que de repente virou nos apelos de todos o guardião da saúde, o protetor dos salários e do sistema financeiro, possa agir.

As experiências anteriores também nos indicam o momento de retornar às atividades, que é quando tivermos sinais claros (com base nos dados) que a curva de infectados foi achatada.

E a terceira lição, que vem das ciências cognitivas, é sobre o comportamento de muitas pessoas (incluindo alguns “notáveis”) frente à crise e aos fatos. Trata-se do efeito Dunning-Kruger, fenômeno pelo qual as pessoas que quase nada sabem sobre um assunto acreditam saber mais que outros que se dedicam, às vezes décadas, como estudioso e profissional da área. O efeito Dunning-Kruger revela-se como uma superioridade ilusória que se alinha com a falta de habilidades de não reconhecer suas próprias limitações e erros.

Todos somos passíveis de errar, ninguém é imune a falhar, isso também acontece com a ciência, mas o que não podemos fazer é continuar ignorando os fatos e mantendo a visão (coberta com uma máscara) distorcida dos mesmos. Isso se chama ignorância. Charles Darwin (infelizmente) tinha razão quando escreveu (está no seu livro “The Descent of Man”): “a ignorância gera frequentemente mais confiança do que o conhecimento”.

Os achismos e as declarações ignorantes de lideranças políticas e empresariais brasileiras incitando as pessoas a romperem a quarentena têm perturbado boa parte da população, que devido às suas fragilidades econômicas e de conhecimento, ficam aterrorizadas entre perder o emprego e adoecer. Nesses três meses que a Covid-19 se instalou no mundo, já temos conhecimento bastante o suficiente para não fazermos declarações estúpidas nesse momento. E são tantas mundo afora (tais como “a pandemia é uma invenção”, “as mortes atribuídas a Covid-19 são de fato por outras causas”, “a doença só mata idoso”) a ponto das plataformas digitais (Youtube, Facebook, Instagram e Twitter) censurarem alguns conteúdos divulgados. Além da desonestidade em negar um fato verdadeiro e de amplitude global, é repugnante o desprezo com a dor das milhares de pessoas que perderam (e das que vão perder) outros milhares de entes queridos.

Temos muitas incertezas ainda sobre as consequências da crise que está apenas no início. Temos certeza de que teremos cicatrizes nos modelos atuais e nas pessoas. É certo que teremos muitas mortes (42.000 no dia 31 de março de 2020) e uma grave crise econômica.

O conhecimento científico que temos desse tipo de situação deveria servir (ser usado!) para eliminarmos a disputa por dividendos nessa guerra, onde todos já somos perdedores. O fardo das nossas perdas será menos pesado e nossas cicatrizes menos profundas se dividirmos de forma honesta e colaborativa as responsabilidades e as estratégias, tanto para a nossa sobrevivência, quanto para o nosso luto.