A médica Fernanda Tovar-Moll graduou-se pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez residência em neuroradiologia e obteve seu doutorado em ciências morfológicas, pela mesma universidade. Sua tese abordou o uso de técnicas avançadas de neuroimagem para pesquisar a neuroplasticidade em crianças com malformações no cérebro. Fez um estágio de pós-doutorado por três anos no Instituto Nacional de Doenças Neurológicas e Acidente Vascular Encefálico dos National Institutes of Health (NIH), nos EUA.

Fernanda Tovar-Moll preside o Instituto D’Or de Educação e Pesquisa (IDOR), um organização privada sem fins lucrativos, da qual foi co fundadora, em 2009. Suas pesquisas clínicas e translacionais atuais estão focadasa na conectividade uncional e estrutural do cérebro, plasticidade e neuromodulação em distúrbios neurológicos e do neurodesenvolvimento. Ela ainda é professora licenciada do Inatituto de CIências Biomédicas e do Centro Nacional de Biologia Estrutural e Bioimagem (Cenabio) da UFRJ. Foi eleita membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências para o período 2016-2020.

Ela proferiu uma das palestras magnas no evento “Ciência na América Latina: hoje e amanhã” que envolveu a 22ª Conferência TWAS-Lacrep (The World Academy of Sciences-Latin America and Caribbean Regional Partner) e 1ª Conferência Regional da TYAN (TWAS Young Affiliates Network) e foi realizado na ABC entre 27 e 29 de novembro de 2019.

Fernanda Moll falou sobre as possibilidades dos métodos avançados de imagem, especialmente a ressonância magnética (RM), que é a técnica mais usada para investigação em neurociência. “A RM pode nos ajudar a entender não só a anatomia do cérebro e seu funcionamento, mas também contribui pra que consegamos medir os biomarcadores da plasticidade cerebral, que é a capacidade do cérebro de se reorganizar, em resposta tanto a estímulos internos como externos. Essa plasticidade cerebral acontece o tempo todo”, explicou Moll.

Ela esclareceu que a plasticidade acontece desde a formação do cérebro, quando as alterações são muito intensas, e também depois. “Qualquer intercorrência, qualquer processo errado, gera uma reorganização também muito intensa”, relatou Moll.

De acordo com a médica e pesquisadora, esses métodos mais modernos permitem estudar tanto a função quanto a estrutura do cérebro de uma forma quantitativa. “A sensibilidade é tão alta que permite pegar alterações sutis da conectividade cerebral, relacionadas à plasticidade”, observou.

Moll exemplificou: “Imagine que nosso córtex cerebral seja composto por postes de luz e a atividade cerebral seja a fiação, que liga toda essa trama de iluminação. Essa fiação é dependente de feixes de substância branca, que tem um padrão normal e um padrão alternativo, nos momentos de reorganização”, explicou.

Um bom exemplo desse funcionamento do cérebro é a disgenesia do corpo caloso, uma alteração em que as pessoas nascem sem a conexão entre os dois hemisférios cerebrais. “Mas essas pessoas, ainda assim, conseguem ter conversa entre os dois hemisférios. Isso acontece porque o cérebro consegue redefinir conexões que são também capazes de desempenhar funções, por processos ou ‘fiações’ diferentes do que as utilizadas em pessoas normais”, explicou Fernanda.

A afiliada da ABC explicou que estes marcadores de processos plásticos do cérebro podem ser utilizados para identificar, por exemplo, alterações do desenvolvimento, como as que aconteceram com as crianças vítimas de zika congênita. “Há um padrão de organização cerebral esperado que aconteça desde quando o feto está no útero. Hoje, com as imagens avançadas, conseguimos mapear isso bem, dá pra ver se alguma coisa não está normal. Ou seja, mesmo antes da criança nascer, já temos pistas do que pode estar acontecendo em termos de processos não adequados de desenvolvimento”, apontou Moll.

Depois destes exemplos, Fernanda Moll falou sobre a plasticidade pós-natal, que não acontece de uma forma tão intensa, mas que também acontece o tempo todo. “A gente tende a pensar em plasticidade para o bem, a plasticidade adaptativa. Mas existem várias condições em que o cérebro se adapta de maneira não ideal, como na síndrome do membro fantasma”, relatou. Esta síndrome afeta 90% das pessoas que perdem um membro, de modo que têm a sensação de que aquele membro ainda existe. “É como um curto circuito no cérebro, que tinha aprendido que tinha dois braços e duas pernas e de repente para de ter o input daquele membro perdido. Esse é um exemplo de plasticidade mal adaptativa”, relatou.

A pesquisadora destacou que vários métodos de ressonância medem isso atualmente, contribuindo nas tentativas de entender as causas para poder pensar em intervenções, em reabilitações mais adequadas.

Por fim, Moll falou de plasticidade induzida. “Sabemos que em minutos estamos alterando nossa circuitaria cerebral. Mas será que conseguimos fazer isso de forma sistemática e medindo em tempo real? Estamos utilizando, então, a RM em tempo real”, relatou a Acadêmica.

Ela contou que são propostos desafios e, em seguida, são medidas as respostas do cérebro ao longo desses desafios, usando o neurofeedback, no qual a pessoa usa o próprio controle para aumentar a atividade cerebral. “Esta atividade é medida antes e depois dos experimentos e vimos que, em menos de 40 minutos, se consegue alterar a função cerebral e a estrutura do cérebro, o que hoje conseguimos medir por esses métodos avançados e quantitativos”, ressaltou Fernanda Moll.

A pesquisadora destacou que essa é uma área multidisciplinar, com perguntas vindas mais das áreas biológicas, mas com tecnologia desenvolvida pela matemática, engenharia e física. “Essa interação pode tornar esses métodos cada vez mais eficazes , para detectar alterações mais sutis”, concluiu Fernanda Moll.

 

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