Leia entrevista publicada em 13/11, no site Brasil Amazônia Agora, com o Acadêmico Adalberto Luis Val:

Um de nossos pesquisadores mais respeitado no mundo da ciência, Adalberto Luis Val recebeu a Follow Up para falar de bioeconomia, a mais coerente vocação de negócios das novas matrizes econômicas. Ele foi dirigente do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia) por dois mandatos, onde se empenhou em devolver ao cidadão os investimentos do contribuinte destinados à pesquisa, desenvolvimento e alternativas de novos negócios. Há quatro décadas estuda a dinâmica da respiração e das adaptações dos peixes da Amazônia às modificações do meio ambiente, tanto aquelas de origem natural como aquelas causadas pelo homem.

Pós-doutorado na Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, promove intensa cooperação técnico-científica e pública. É autor de mais de 100 trabalhos em periódicos nacionais e estrangeiros, mais de 20 capítulos de livros e livros, entre os quais se destacam Fishes of the Amazon and their Environment pela Springer Verlag (1995) e The Physiology of Tropical Fishes pela Academic Press (2006). É associado a várias sociedades científicas nacionais e estrangeiras, no âmbito das quais organizou 13 eventos, sendo nove internacionais. Em 2000, na Inglaterra, foi incluído na Legião de Honra da Sociedade Americana de Pesca, Seção de Fisiologia, entre outras premiações das mais respeitadas instituições de ensino e pesquisa em sua área de atuação. Confira…

ALFREDO LOPES: Com 40 anos de Amazônia e dois mandatos de gestor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, quais são as grandes linhas de pesquisa guardadas nos escaninhos da instituição que poderiam ser transformadas em oportunidades de negócios dentro do padrão ambiental da Zona Franca de Manaus, a saber, uma economia de baixo carbono?

ADALBERTO LUÍS VAL: No mundo moderno o poder se resume a uma única expressão: informação robusta. Cada informação existente interagindo com uma sociedade instruída capaz de se apoderar dessas informações, gera muitos novos processos de inclusão social e geração de renda. Toda informação conta. É ultrapassada a ideia de que ciência pode ser dividida em básica e aplicada. Tudo tem razão de ser, o que não se explicita como socialmente importante serve de base para o que se explicita; o que não se aplica de imediato suporta o desenvolvimento de aplicações. Não teríamos vencido rapidamente a Zika, se não fossem os estudos moleculares aparentemente inertes; a produção de soja no Brasil não teria se desenvolvido e tornado uma das mais importantes commodities do agronegócio brasileiro, não fosse Johanna Liesbeth Kubelka Döbereiner ter empenhado sua vida no estudo da fixação de nitrogênio por leguminosas, muito antes da Embrapa. O volume de informações gerado pelo Inpa, ao longo de sua existência, é fenomenal e imensurável, como tudo na Amazônia. Poderia passar dias aqui descrevendo muitas dessas informações já publicadas em muitas revistas técnico-científicas. Boa parte dessas informações tratam diretamente da questão relacionada a uma economia de baixo carbono e foram produzidas antes mesmo que a questão das mudanças climáticas e da necessidade de uma economia de baixo carbono emergisse em nossas sociedades. Aliás, não é esse o papel da ciência? Antecipar-se ao seu tempo, colocando-se no futuro e identificando os desafios que se apresentarão para a nossa sociedade? Os peixes criados em igarapés, a produção de farinhas de frutos da floresta, os pigmentos coloridos biodegradáveis, o controle ecológico de pragas, a geração de energia a partir da biomassa, o uso da terra preta, novos produtos cosméticos e de higiene, as novas drogas da floresta como bergenina, a criação de peixes em cenários de mudanças climáticas, entre outros, são alguns exemplos de informações produzidas. Há dois percalços nesse caminho: a socialização da informação muito dificultada num país que não valoriza a educação e a comunicação de mão dupla, isto é, levando informações para a sociedade e trazendo para as bancadas dos laboratórios as demandas sociais. Afinal, a ciência é uma atividade social com fins sociais.

A.L. – Desde a Conferência Rio + 20, que debateu os encaminhamentos da Conferência da ONU Rio 92, sobre meio ambiente e desenvolvimento, você tem insistido numa interlocução maior entre pesquisa, desenvolvimento econômico e sociedade, na expectativa de devolver ao contribuinte e ao cidadão, em geral, os investimentos no Inpa. Quais os resultados práticos esperados dessa aproximação?

ALV: Como disse, a ciência é uma atividade social com fins sociais. A ciência pela ciência ocupa espaço cada vez menor no mundo atual, mas nunca deixará de existir. Nem deveria porque somos curiosos. Queremos saber o que existe em Marte, não é verdade? Assim, a interlocução com a sociedade em seus múltiplos segmentos, incluindo o econômico, é vital diante de um mundo globalizado e tensionado. Todos os países que passaram por distúrbios econômicos encontraram na Ciência a oportunidade de construir novos momentos promissores e de fato emergiram mais fortes. Informação socializada é instrumento econômico para um país forte, com paz e serenidade. Dessa forma, o resultado prático da interação ciência-sociedade é sem dúvida o enriquecimento social nos seus amplos e profundos matizes.

A.L. -Alfred Russel e William Bates, dois viajantes britânicos, focados na investigação de nossa biodiversidade, no século XIX, estiveram na Amazônia para fundamentar o evolucionismo de Charles Darwin e coletar milhares de espécies, hoje guardadas no Museu Botânico de Kew Gardens. Essas espécies, levadas aos laboratórios, anteciparam as descobertas do Projeto Genoma e a certeza que a chave da Eterna Juventude habita em nossa região. Porque o Inpa não conseguiu atrelar suas coleções de pesquisa às novas modulações econômicas do mercado?

ALV: As coleções do INPA são ferramentas de altíssima importância para qualquer intervenção ambiental e econômica na Amazônia. E elas estão sim conectadas com as demandas econômicas. Não há como avançar no desenvolvimento de qualquer processo que envolva espécies da flora e fauna amazônicas, ou de qualquer outro lugar do mundo, sem conhecer exatamente a espécie alvo. As coleções servem para isso; guardam testemunhos da flora e da fauna. Mundo afora as coleções são mantidas por investimentos significativos com baixa vulnerabilidade para acidentes. Precisamos fazer isso também aqui no Inpa, diminuir a vulnerabilidade das coleções científicas a acidentes.

A.L. -Quais são os requisitos fundamentais para a construção de uma bioeconomia robusta na Amazônia, no contexto fiscal da ZFM.?

ALV: Demanda qualificada e informação técnico-científica robusta. A duras penas temos aprendido que não é possível importar informações para a Amazônia. Isso vale para todas as áreas. As informações que precisamos para um desenvolvimento sustentável tem que ser desenvolvidas aqui, com base nas demandas da sociedade em que estamos inseridos e com produção de informações consistentes. Por isso, é preciso pesquisa de alto nível e capacitação de pessoal em todas as áreas do conhecimento e em todos os níveis desde o nível fundamental até o doutorado.

A.L. – A produção sustentável de alimentos de que o mundo precisa passa pela Amazônia? Como viabilizar nossa produção pesqueira?

ALV: O Brasil tem amplo espaço para aumentar a produção de alimentos. O uso das áreas degradadas da Amazônia por meio da incorporação de tecnologias modernas pode contribuir de forma marcante com isso. Paradoxalmente, ainda que uma imensa diversidade de peixes seja um predicado da Amazônia, a exploração comercial recai sobre algumas poucas espécies. Essas espécies, a partir de informações de que já dispomos, podem ser criadas em fazendas e aumentar de forma significativa a produção de proteínas de alto nível para o consumo humano. O pirarucu, por exemplo, pode crescer até 15 quilos no primeiro ano de vida. Isso é um crescimento recorde entre os peixes. É preciso ter em conta que a criação de peixes envolve uma cadeia produtiva complexa que precisa ser articulada. Apenas esse contexto já representa oportunidades de negócios relevantes para a sociedade.

(*) Adalberto Luís Val é pesquisador do INPA, onde estuda adaptações às mudanças ambientais, incluindo as mudanças climáticas. Fez pós-doutorado na Universidade da Columbia Britânica, no Canadá. Foi diretor do INPA de 2006 a 2014 e diretor de Cooperação Internacional da CAPES entre 2015 a 2016. Atualmente coordena o INCT ADAPTA e é vice-presidente regional Norte da Academia Brasileira de Ciências. Orientou mais de 130 estudantes de IC e de pós-graduação. Entre suas muitas publicações, orientações e prêmios, destaca-se o livro “Fishes of the Amazon and their environment”, publicado pela Springer Verlag; Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico, Classe Comendador (2202) e Classe Grã-Cruz (2013); Prêmio Excelência da American Fisheries Society na área de fisiologia (2004); Grande Ordem do Mérito Legislativo do Estado do Amazonas (2008); título de Cidadão do Amazonas (2015) e prêmio Anísio Teixeira da CAPES/MEC (2016).