Leia artigo do do Acadêmico Virgilio Almeida, professor associado ao Berkman Klein Center da Universidade de Harvard e professor emérito da UFMG, além de ex-secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, professor da Ebape/FGV Francisco Gaetani, ex-secretário executivo dos Ministérios do Meio Ambiente e Planejamento, publicado no Valor Econômico em 9 de agosto:

Numa consulta ao Doutor Google rapidamente descobre-se que ciber é um conceito associado ao uso de alguma coisa com densidade de tecnologias avançadas, em geral digitais. Deriva de cibernética, a ciência que estuda controles automáticos. Um olhar mais detalhado nos recursos do Google, vê-se que a palavra “ciber” nas pesquisas globais vem frequentemente associada à segurança e crimes. Na última reunião do Forum Econômico Mundial em Davos, a questão dos ciber-ataques aparece como um dos cinco maiores riscos globais em 2019. Mas as ameaças cibernéticas não se restringem apenas às empresas, afetam a todos, cidadãos, governos e instituições.

Por muito tempo, a questão de ciber-segurança esteve ligada principalmente a roubos de dados e fraudes online. A rápida evolução tecnológica alterou drasticamente essa percepção. Os computadores e algoritmos dirigem carros, pilotam aviões e operam usinas de energia elétrica. Esses dispositivos digitais em rede controlam trânsito, administram medicamentos nos hospitais e despacham serviços de emergência. Numa entrevista recente, um militar americano colocou o seguinte ponto: “Todos os dias estamos basicamente sob ataque em todos os níveis – não apenas os militares, mas os cidadãos particulares, empresas, governo, academia – tudo”.

Isso indica que no mundo globalizado e hiper-conectado, o espaço para soluções apenas setoriais é muito reduzido. Todos segmentos da sociedade têm papel e responsabilidades nas questões de ciber-segurança.

Instituições como a OCDE, o Banco Mundial, o World Economic Forum e as Nações Unidas têm produzido um conjunto de relatórios sobre cibersegurança, com um denominador comum: civis e militares precisam trabalhar juntos no enfrentamento daquele que é considerado um dos maiores riscos para a economia global. O Brasil já tomou importantes iniciativas nessas questões, como a criação do Centro de Defesa Cibernética em 2010 e o Comando de Defesa Cibernética – com destaque para a formação de pessoal e investimento em pesquisa e desenvolvimento. O assunto Segurança Cibernética está hoje a cargo do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI). Mas a situação requer novas ações. No Índice Global de Ciber-segurança da ONU-ITU, o Brasil caiu da 38ª posição em 2017 para a 70ª em 2018.

Governos e cidadãos – em sociedades democráticas – debatem-se entre, de um lado, a desorientação frente ao fluxo incessante de inovações disruptivas que estão a redefinir as relações sociais e de poder no mundo em que vivemos e, de outro lado, a premente necessidade de enfrentar e regular – e não apenas consumir – as novas tecnologias.

É neste lusco-fusco das transformações em curso que militares e civis têm se esbarrado, ansiosos para identificarem convergências e temerosos de que as divergências privem uns do convívio enriquecedor do outro. Não deve e não precisa ser assim: “cada um no seu quadrado”. Na verdade há um outro quadrado – mágico? – que pode unificar o país no enfrentamento do desafio da segurança cibernética e transformá-lo em uma oportunidade de crescimento e inclusão social. Trata-se de uma parceria entre militares, governos, academia e empresas com a finalidade de se modelar formalmente o tratamento do tema no Brasil.

São universos distintos, regidos por culturas, valores e modus operandi muito diferentes. Empresas visam lucros para seus acionistas e são dotadas de um pragmatismo primal que é o que lhes permite sobreviver ou adaptar-se em tempos de bonança ou escassez. Universidades são instituições comprometidas com a produção e transmissão do conhecimento entre gerações. Governos são os encarregados pela sociedade de lidar com os problemas associados à persecução do interesse público e possuem seus dirigentes eleitos periodicamente e devem buscar cada vez mais transparência nas suas ações. As Forças Armadas exploram todas as possibilidades que possam vir a colocar em risco a segurança do país, derivadas de tecnologias instrumentalizáveis do ponto de vista bélico – softwares, em especial – ou que coloquem em risco a segurança nacional.

A essas quatro dimensões onipresentes na vida do país soma-se uma quinta, menos conhecida, mais nova, mas crescentemente influente: as instituições do terceiro setor. ONGs – como o Instituto Tecnologia e Sociedade, Instituto Igarapé ou InternetLab e fundações filantrópicas de origem empresarial – como a jovem Fundação Brava – hoje atuam de várias formas na alavancagem dos debates relacionados à problemática de cibersegurança, que vão desde segurança dos dados e comunicações, até as questões da privacidade dos cidadãos, passando pelos spinoffs econômicos da digitalização da vida.

Esta estrela de cinco pontas abrange interações bilaterais, trilaterais, quadrilaterais e pentagonais, isto é, incluem todas as possibilidades para um esforço comum, alinhado ou convergente: o interesse nacional. Militares trazem para este desafio vários elementos potencialmente positivos, como capacidade organizacional, redes logísticas, clareza da
comunicação, efetividade da cadeia hierárquica, disciplina profissional e outros atributos importantes. Civis agregam vocação empreendedora, familiaridade com ambiguidades e contraditórios, capacidades mobilizadoras, curiosidade pela complexidade, traquejo financeiro e vários outros atributos igualmente relevantes.

O caminho é o de alavancar sinergias. Separadamente, as limitações de soluções fragmentadas e o desperdício de sinergias e externalidades podem comprometer o esforço nacional em relação a segurança cibernética.