RIO — O vírus mayaro , um primo menos conhecido do chicungunha , e considerado silvestre, dá novos sinais de que se adaptou às cidades do Brasil. O que equivale a dizer que pode estar sendo transmitido pelo Aedes aegypti . A suspeita vem de 27 casos de infecção por mayaro em moradores de Goiânia. Eles foram identificados por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG), do Projeto Quantizika, que apresentaram os dados à Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

A urbanização de mais um vírus selvagem significa risco maior de adoecimento da população e a possibilidade de agravamento de dengue e chicungunha em caso de coinfecção, explicam cientistas.

Em maio, um grupo de pesquisa da UFRJ anunciou ter identificado três casos de mayaro autóctones (contraídos localmente) em Niterói . Os casos foram descobertos em análises de amostras de sangue e urina de pessoas que adoeceram em 2016, um indicador de que o vírus está em circulação no estado do Rio.

O mayaro causa uma doença com sintomas semelhantes aos do chicungunha, mas por vezes, pode ser confundido com dengue , diz Sandra Brunini, do professora sênior do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem da UFG e pesquisadora responsável pelo novo estudo.

O grupo analisou os casos de 375 pessoas atendidas em Unidades de Pronto Atendimento de Goiânia em 2017 e 2018. Todos estavam com sintomas, como dores no corpo e febre.

As amostras foram colhidas até sete dias depois do aparecimento dos sintomas, o que permitiu fazer uma análise molecular, com o exame de PCR (um teste padrão para identificação de vírus) desenvolvido especificamente para esse estudo pela UFG.

O resultado mostrou que, das 375 pessoas atendidas, 26 tinham mayaro. Destas, 19 também tinham coinfecção por dengue tipo 2. Nenhum deles havia estado na zona rural ou viajado e todos moravam em bairros da zona urbana de Goiânia.

— Já tínhamos fortes indícios de que o mayaro circula com intensidade no Brasil central — observa Brunini, cujo grupo é integrado também por Elizângela Lacerda, da UGF e gestora junto à Finep, e Giovanni Rezza, diretor do Departamento de Doenças Infecciosas do Instituto Superior de Saúde da Itália.

O número de casos tão elevado fez com que os pesquisadores da UFG estabelecessem uma parceria técnica com a UFRJ para confirmação e validação dos resultados.

Falta de tratamento

O percentual significativo de coinfecção pelo vírus da dengue 2, que circula atualmente no país, foi o que mais surpreendeu Amílcar Tanuri, coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ e um dos autores do estudo que revelou o mayaro no estado do Rio.

A equipe de Tanuri também testou as amostras analisadas pela equipe de Goiás e confirmou os resultados.

— Sabemos que a dengue 2 torna o mosquito mais suscetível a transmitir vírus porque inibe seu sistema imunológico. Agora, se existe coinfecção por dengue num paciente, isso é um sinal de que o Aedes foi o transmissor, pois os vírus da dengue são transmitidos apenas por eles — observa Tanuri.

Falta descobrir se o mayaro agrava ou atenua a dengue, destaca ele.

Como nos casos de todas as arboviroses que atormentam o Brasil — zika, dengue, chicungunha e febre amarela —, não existe tratamento específico. Aos doentes, restam sofrimento e paliativos como dipirona, insuficiente para amenizar o sofrimento causado.

Há mais de uma década cientistas alertam que o mayaro poderia se urbanizar.

— Sempre se ouviu falar dele no meio acadêmico. Mas emergiu de uma hora para outra. Se o Aedes está por trás disso, não sabemos, mas é uma possibilidade — diz a chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus da UFRJ, Clarissa Damaso.

Ela salienta que a infecção simultânea por dengue, chicungunha ou mayaro, constitui mais um desafio para a ciência e a saúde pública.

— Ainda não sabemos se contrair dois tipos de vírus ao mesmo tempo atenua ou agrava os sintomas das doenças. Tampouco sabemos se, ao carregar tantos vírus, o Aedes passa a transmitir um com mais eficiência do que outro — diz Damaso.

A pesquisadora adverte ainda que mais de uma linhagem de chicungunha está em circulação no Brasil:

— Vemos cada vez mais tipos de sintomas associados ao chicungunha. Há muitos vírus em circulação e, à medida que mais gente adoece, sintomas novos aparecem.