O Acadêmico Virgilio Almeida, professor emérito da UFMG – professor associado ao Berkman Klein Center da Universidade de Harvard e ex-secretário de Política de Informática do MCTI –  e o professor da EBAPE/FGV Francisco Gaetani, ex-secretário executivo dos Ministérios do Meio Ambiente e Planejamento. publicaram o seguinte artigo no Valor Econômico, em 16/7 :

A maioria dos empresários, homens e mulheres,  brasileiros com idade superior aos quarenta anos encontra-se diante de um duplo desafio, uma vez confrontados com o avanço da revolução digital. O primeiro é como sua empresa pode se beneficiar do bônus digital em termos de inovações, ganhos de produtividade, logística do negócio e melhoria de qualidade de seus produtos. O segundo é o impacto que as transformações digitais potencialmente terão sobre seu negócios, isto é, sobre a existência e sustentabilidade institucional da empresa no médio e longo prazo.

No primeiro caso, há todo um mercado de provisão de serviços orientado para apoiar as empresas nesta transição. A corrida – às vezes um pouco maluca – já começou. No segundo caso, o problema é mais complexo. É a própria razão de ser da empresa que está jogo. São inovações disruptivas que se insinuam e concorrentes vindo de outros ambientes de negócios.

Imaginem por exemplo a situação de organizações como o correio, serviços financeiros, locadoras de veículos,  cursos de línguas,  caminhoneiros, cartórios e outras do gênero. A questão não é “se”, mas “quando” e “como”. Algumas se reinventarão. Outras desaparecerão. E não vai demorar.  E mesmo no Brasil, com todas suas indecisões e conflitos políticos,  os efeitos do avanço digital podem chegar mais cedo que se imagina.

Há duas abordagens – não necessariamente excludentes – em relação a estas tendências. A primeira e a mais visível é redefinição do negócio. Bancos estão virando boutiques financeiras para os clientes cuja renda interessa – os demais vão para caixas eletrônicos ou atendimento via aplicativos. Imobiliárias estão gerenciando escritórios de “co-workers’’ e variações de arranjos tipo Airbnb. Neste caso há uma evolução para algum tipo de negócio contíguo ao original. A segunda abordagem é apostar na “destruição criadora”, isto é, investir no vetor de criação emergente. A revista britânica “The Economist” fez uma matéria – com direito a chamada de capa – na qual destacava o fenômeno de explosão de novas ocupações nas economias de países desenvolvidos. E estas novas formas de organização do trabalho não necessariamente se resumiam a vínculos precários – caso clássico dos processos de “uberização”. A chamada “gig economy” – cuja tradução rudimentar seria “economia de bicos”, associada à informalidade – tem se revelado mais institucionalizadora de novos empregos do que se supunha. Do bombeiro à cabelereira, todos hoje possuem uma maquininha que aceita cartões de crédito. A digitalização da economia influenciou  positivamente o mercado de trabalho nos países desenvolvidos, além de propiciar o surgimento de novas ocupações associadas a design, “delivery”, atendimentos personalizados, ciência dos dados, criptografia, jogos etc.  A pergunta natural é qual o caminho para buscar o avanço digital, quando vivemos em uma realidade marcada pela estagnação econômica e pelo desemprego?

O mundo  digital é essencialmente multissetorial e hiperconectado. Empresas, governos, universidades e sociedade civil  precisam contribuir para o avanço em direção ao mundo digital. Nenhum segmento isoladamente resolverá o atraso do país na corrida digital.  Aliás, esse é o ponto central do  recente relatório divulgado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, com o título: A Era da Interdependência Digital. Nesse relatório,  elaborado por uma comissão global designada pela ONU, a “cooperação digital” tem um papel chave, focalizando em possibilidades de cooperação, para tratar temas como  os impactos sociais, éticos, legais e econômicos das tecnologias digitais. A velocidade e a escala da mudança estão aumentando acentuadamente, o que requer  agilidade e capacidade de resposta de todos “stakeholders’’ envolvidos.  O país precisa urgentemente de novas formas de cooperação entre governo e sociedade, para garantir que as tecnologias digitais sejam construídas sobre uma base de respeito aos direitos humanos e proporcionem oportunidades significativas para todas cidadãos.  Dentre os desafios  que demandam resposta imediata está a preparação da força de trabalho para o mundo digital.

A requalificação da força de trabalho é talvez uma das maiores tarefas com que as empresas hoje se deparam. Três questões se colocam de imediato: quais as funções priorizar, quem vem na frente e como fazer isso.  Governos, escolas, o sistema “S’’  e universidades ainda não se organizaram na escala e complexidade que o problema requer.  Por exemplo, as trilhas de capacitação variam conforme o setor – as da indústria não coincidem com as do agronegócio. Requalificar profissionais com quarenta e tantos anos é diferente de ensinar jovens na faixa dos quinze aos vinte e cinco. A Amazônia com seus recursos naturais demanda um portfolio de habilidades diferentes dos requisitos da região Sul.  Os pontos de entrada para o mundo digital são vários e abrangem indivíduos, famílias, empresas, governos, ONGs, instituições internacionais e por aí vai.

Empresários sabem que dependem fundamentalmente de si próprios para encontrarem soluções para seus problemas do dia a dia. Mas o mundo da auto-suficiência está dando lugar a outro: o da cooperação, em busca de inovação e novos negócios.  O país ainda dispõe de uma ecologia de talentos e valores que favorecem esta virada, que depende menos de dinheiro e mais das pessoas do que usualmente se supõe. Um mutirão nacional nesta direção pode criar um vetor de iniciativas e expectativas na direção de recolocar o país na cena mundial. A escolha e o aproveitamento dessa janela é responsabilidade nossa.