Diante do cenário catastrófico em que se encontra a ciência brasileira, cientistas e pesquisadores de todas as áreas do conhecimento e todas as regiões do País se unem para buscar articulações com o governo em uma tentativa de sensibilizar parlamentares e líderes do Executivo para o papel estratégico desse setor no desenvolvimento econômico e social de uma nação. Com esse espírito de resistência foi lançada nessa quarta-feira, 8 de maio, a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br). O lançamento foi parte da mobilização #cienciaocupabrasilia, que reuniu mais de 60 entidades científicas no Congresso Nacional para cobrar dos parlamentares a recuperação do orçamento para CT&I e a valorização das universidades públicas.

Cerca de 20 deputados participaram da atividade para manifestar total apoio à Iniciativa e às reivindicações dos cientistas. “Este é um momento de luta da ciência brasileira contra o desgoverno na área de Educação. Temos muitos deputados no Parlamento que estão atentos a isso”, disse o deputado Rodrigo Agostinho (PSB/SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente. “Ao tratar de ciência, estamos tratando de soberania do País”, acrescentou a deputada Maria do Rosário (PT/RS).

A ICTP.br é coordenada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) junto à Academia Brasileira de Ciências (ABC), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência Tecnologia e Inovação (Consecti) e Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Municipais de Ciência, Tecnologia. Trata-se de um movimento organizado da comunidade brasileira de ciência e tecnologia para atuação permanente junto aos parlamentares no Congresso Nacional e, também, em Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, em prol do desenvolvimento científico e tecnológico do País.

“A intenção é reunir todos os setores da comunidade científica para termos uma presença permanente dentro do Congresso, para levarmos aos deputados e senadores os pontos prioritários para promover políticas que promovam o desenvolvimento desse setor. Queremos, assim, facilitar um diálogo para que os parlamentares se empenhem e se envolvam com estas questões. Por isso, essa iniciativa só faz sentido se as entidades que formam essa comunidade estiverem integradas todo o tempo”, ressaltou o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira.

“Temos grande potencialidades que estão sendo desperdiçadas por inércia de governos. E chegamos agora na morte da ciência do Brasil com essa depauperação de recursos. É preciso que todas as universidades, todas as instituições públicas de pesquisa e todas as entidades científicas se unam para defender a ciência e o futuro desse país. Quem sabe esse clima de indignação e resistência seja o que precisávamos para mudar essa situação”, disse o presidente da ABC, Luiz Davidovich.

A criação da Iniciativa tem tido a coordenação executiva do ex-ministro da CT&I, Celso Pansera, que na ocasião do lançamento ressaltou que o objetivo é que seja um ponto de apoio das entidades científicas dentro do Congresso. “Queremos que esta iniciativa abra possibilidades de diálogo da ciência e da educação com o Parlamento.”

Futuro sombrio

O desmonte da CT&I, com os cortes de 42% no orçamento do setor, anunciados no final de março, somados ao recente anúncio do Ministério da Educação (MEC) de corte das verbas das universidades federais em no mínimo 30%, deixa um rastro de dúvidas e receios com relação ao futuro da ciência no Brasil. Os participantes do evento ressaltaram a urgência de ações para reverter esse quadro desolador, o que acreditam ser possível somente com ação conjunta da comunidade científica.

Representando a Andifes, Soraya Smaili, reitora da Unifesp, destacou que 95% da pesquisa desenvolvida no País é feita por instituições públicas, e essas pesquisas dependem exclusivamente da Lei Orçamentária Anual (LOA). “O momento é crítico, e necessita a união de todas as instituições que fomentam e acreditam na ciência de nosso País. É importante esclarecer que, com isso, não estamos nos contrapondo ao financiamento da educação básica – que no Brasil, é responsabilidade dos estados e municípios. Defendemos que a Educação deve ser vista integralmente, e o ensino superior faz parte desse sistema educacional. Estamos aqui para contribuir com o Parlamento, propondo medidas que possam colaborar com o desenvolvimento pleno de nosso país”, declarou.

“Não se pode quebrar o sistema de ciência e tecnologia do País. Esse patrimônio foi construído com muito suor e lágrimas, e sacrifícios da Nação, desde 1950, com o CNPq e a Capes. É preciso dizer ‘basta’. Afinal, trata-se do futuro do País”, reforçou o presidente do Confies, Fernando Peregrino.

“Não conseguimos criar no Brasil uma agenda de defesa da ciência e tecnologia para os jovens pesquisadores desse país. Não bastassem seis anos sem reajuste das nossas bolsas, recebemos na última semana a notícia de mais cortes. A partir de setembro, não sabemos como será”, disse Manuelle Matias, vice-presidente da ANPG, durante o evento. “Sempre estaremos nessa luta pela C&T, ao lado da SBPC e todas as demais entidades”, completou.

Eduardo Antonio Modena, reitor do Instituto Federal de São Paulo (IF-SP), criticou o contingenciamento de recursos para as universidades, argumentando que o bloqueio das verbas impede qualquer planejamento para o segundo semestre de 2019. “Essa iniciativa nos dá ferramentas para criar nesse Parlamento a resistência em conjunto com as ruas”, afirmou.

Os deputados presentes na cerimônia reiteraram que o momento, de fato, é alarmante. “As universidades estão sob ataque. Bolsas estão sendo restringidas nesse momento. Esta é uma luta da inteligência brasileira. Um país que ataca sua inteligência, a construção do conhecimento, a formação de seus acadêmicos, é um país sem lucidez. Mas a universidade vencerá”, disse a deputada Margarida Salomão (PT-RS).

“Essa mobilização interessa muito ao Brasil”, observou o deputado Vitor Lippi (PSDB-SP), elogiando o lançamento do ICTP.br. “Temos que estar juntos, articulados e atentos para que não andemos para trás. Precisamos de pesquisa e inovação para ter mais empregos, desenvolvimento sustentável e mais competitividade.” Já o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) ressaltou que não existe um país no mundo que tenha deixado de investir em ciência e tecnologia como estratégia para sair de uma crise.

O deputado Alencar Santana Braga (PT-SP) acrescentou que é um risco o pensamento dominante no momento em alguns setores do governo de que a ciência é perigosa. “Além de lutar por recursos, temos que lutar contra esse tipo de pensamento. Temos que somar esforços para fazer com que a sociedade perceba a importância do espaço do conhecimento. Vivemos em um momento em que precisamos reafirmar o que é lógico”, disse.

Fernanda Melchiona (PSOL-RS) ponderou que, no entanto, existe muita gente no País que não está disposta a aceitar essa “agenda anticientífica”. “Ideias são à prova de balas”, concluiu a deputada.

Encontro com Rodrigo Maia

Ao final da cerimônia, as entidades que coordenam o ICTP.br tiveram um encontro com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Na ocasião, os cientistas pediram apoio da Casa para alguns dos projetos de Lei prioritários neste momento, em trâmite no Congresso, como o PLS 315, que transforma o FNDCT em fundo financeiro, o projeto de lei 5876/16, que destina 25% do Fundo Social do Pré-sal à CT&I, e a derrubada dos vetos à Lei dos Fundos Patrimoniais.

Maia abriu espaço para discussões técnicas futuras sobre esses projetos e nomeou o deputado Orlando Silva, que promoveu o encontro, para coordenar essa interlocução. “O ambiente não está bom. Não é um momento de luzes. Mas tenho esperança de que esta iniciativa consiga projetar uma estratégia nacional que tenha a ciência como pilar, como faz qualquer país desenvolvido”, defendeu Silva.