Promovido em parceria pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Academia Nacional de Engenharia (ANE), o Seminário sobre Segurança de Barragens de Rejeitos  foi realizado no Rio de Janeiro (1/4) e em Belo Horizonte (2/4). O segundo dia foi no auditório da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e contou com quatro painéis. Acesse os outros painéis no final desta matéria.

Claudia Mayorga, Heitor Moreira, Francisco Barbosa e Andréa Zhouri

Coordenado pelo Acadêmico Mauro Teixeira, doutorado em imunofarmacologia pela Universidade de Londres e professor titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o terceiro painel do dia 2 de abril intitulou-se “Desastre e perspectiva humana”. A relatora foi a professora do Departamento de Psicologia do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFMG, onde coordena o Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão Conexões de Saberes, Claudia Mayorga. Ela é doutora em psicologia social pela Universidade Complutense de Madri, na Espanha, com foco em estudo sobre gênero, política e feminismo.

O painel contou com apresentações da cientista social e professora titular da UFMG, fundadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta) Andréa Zhouri; do professor titular da UFMG e coordenador do curso de especialização em gerenciamento municipal de recursos hídricos Francisco Antônio Rodrigues Barbosa; e Heitor Soares Moreira, diretor de Operações e Eventos Críticos do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM).

“Reassentamento não é só casa. Reassentamento é voltar a si.”

Doutora em sociologia pela Universidade de Essex, na Grã-Bretanha, Andréa Zhouri pesquisa licenciamento ambiental em Minas Gerais há 20 anos. Sua perspectiva é a ecologia política: ela estuda relações entre sociedade e ambiente pelo viés das relações de poder.

Ela afirma que desastres são socialmente construídos. Zhouri destaca “que desastres são anunciados e recorrentes, reproduzem padrões políticos e institucionais já conhecidos que tem a ver com um modelo de governança geral e ambiental no país”.

O caso das barragens em Mariana e Brumadinho não foge à regra. Na visão da socióloga, são situações de uso de tecnologia ultrapassada, porém mais barata, e de falhas na fiscalização e monitoramento. “Isso é o que está na superfície. Os problemas de fundo envolvem o contexto em que se dão as escolhas técnicas e a fiscalização: economia de commodities, que mantém o Brasil numa posição de dependência do Brasil e exige que o Estado flexibilize normas”, pontua Zhouri.

As mudanças na lei, em 2016, pioraram muito o quadro, na avaliação da palestrante. Foram incorporadas novas modalidades de licenciamento simplificado, dando prioridade a projetos estratégicos que são identificados pelo Executivo. A socióloga esclarece que o licenciamento ambiental é uma instância política, que vem progressivamente perdendo qualidade técnica. Ela diz que as análises ambientais e as consultorias são produtos controlados pelas empresas, e que há cada vez mais flexibilidade de rigores e exigências, mais tráfico de influência e tráfico de informação. As mineradoras, segundo ela, controlam o Executivo e o Legislativo. “Nas eleições de 2014, 70% dos deputados da Assembleia Legislativa de Minas Gerais eram financiados pelas mineradoras”, relatou.

O licenciamento, para a pesquisadora, peca pela falta de controle social. Zhouri relata que, quando há tentativas de participação da população rural em audiências públicas, por exemplo, ocorrem situações de intimidação.

O reconhecimento do dolo, do dano, de quem sofre com o impacto, é um processo altamente político, travestido de aparência técnica. “A técnica é usada como prática política para invisibilização dos atingidos”, acentua Zhouri. Ela diz que a lista da Fundação Renova [entidade responsável pela mobilização para a reparação dos danos em Mariana] para categorizar os atingidos é construída apenas em torno de perda material. “Não atinge, de fato, a dimensão das perdas.  Considera danos morais, por exemplo, apenas perda de parentes. Torna visíveis certos grupos de pessoas para tornar invisíveis outros grupos, dos quais a empresa não pretende dar conta”, aponta a socióloga.

Andrea Zhouri cita Foucault, tratando das  tecnologias de governo dos últimos séculos: são dispositivos matemáticos e estatísticos que se valem da padronização do tecido social por meio de categorias. “Visam o controle do outro. Mapas, cadastros, números, são ficções que, a propósito de apreender realidades, forjam realidades”, afirma a pesquisadora.

Ela se refere à frase do seu Expedito, morador de Bento Rodrigues, depois do desastre: “Reassentamento não é só a casa. É voltar a si.” Andrea Zhouri diz que é disso que se trata a luta dos atingidos: o resgate da sua autonomia, voltarem a ser sujeitos do seu próprio destino.

Manganês, alumínio, chumbo, mercúrio…

Mestre em tecnologia e inovações ambientais pela Universidade Federal de Lavras (Ufla), Heitor Soares Moreira, do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) explicou que barragens de rejeitos de mineração são estruturas vinculadas à produção mineral, necessárias à disposição das substâncias sem valor econômico imediato e geradas durante o processo de beneficiamento do minério. E informou que elas não são todas iguais, a começar pelo método construtivo, que são três: a montante, linha de centro e a jusante.

As disposições de rejeitos de mineração em barragens, assim como o seu reaproveitamento,  devem ser regularizadas via licenciamento ambiental, por ser considerada uma atividade potencialmente poluidora.

Ele mostrou que a mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, não tinha plano para barragem de rejeitos. “Estava prevista apenas uma cava para colocar os rejeitos não reaproveitáveis e depois haveria um plano para recuperação ambiental. Agora o foco está em minimizar os impactos sobre o rio Paraopeba”, observou Heitor.

As determinações emergenciais após o desastre envolveram medidas de prevenção do agravamento do desastre, incluído dutos e outras barragens próximas; soluções de abastecimento de água para as comunidades afetadas; solução para os resíduos domiciliares produzidos pelo município de Brumadinho.

O monitoramento da qualidade da água e de sedimentos, assim como o monitoramento do material extravasado das barragens e especificação de todos os elementos nele contidos foi uma grande preocupação. “Foram encontrados manganês, alumínio, chumbo, mercúrio. Os maiores valores ocorreram nos primeiros dias após o desastre, quando foram sentidos os efeitos imediatos da frente de rejeitos, e após as chuvas que ocorreram nos primeiros 30 dias após o rompimento”, relatou o especialista.

A busca e salvamento de fauna terrestre, bem como realização de medidas para mitigar os impactos na fauna e flora aquática também estavam entre as prioridades.

O plano de monitoramento emergencial abrange  45 pontos da bacia. “Uma grande preocupação é com os afluentes, que também levam contaminação e poluição para o rio Paraopeba”, conta Heitor.

Agora é tentar mitigar os efeitos da catástrofe. E haja ciência para ajudar a reduzir danos que, certamente, poderiam ter sido evitados com esta mesma ciência. Faltou a vontade política.

Paisagem mineral: a mineração no mundo sustentável

Doutorado em ecologia e recursos naturais pela Universidade Federal de São Carlos (UFScar) e pós-doutorado em ecofisiologia de algas pelo Instituto de Ecologia de Água Doce, na Inglaterra, Francisco Barbosa esclareceu que as atividades da mineração apenas começam nas cavas, mas se estendem por uma grande rede de interações com a paisagem do entorno, que inclui cidades, estradas, escolas, comércio, enfim, todos os elementos que compõem a chamada paisagem mineral.

Embora a mineração tradicional perturbe e danifique áreas, polua o ar, solo e água, sua modernização investe em mecanismos regulatórios para minimizar danos ambientais e políticas para prevenir/reduzir poluição, assim como a restauração de áreas mineradas.

Barbosa ressaltou que a mineração desejável “é aquela que traga reais benefícios para as pessoas e aos locais onde moram, que reduza, substancialmente, o risco às suas vidas e que contribua, de fato, para alcançarmos o desenvolvimento sustentável.”

Parte dos custos de implementação das ações necessárias para esta modernização deverá ser proveniente do projeto de lavra, extração, comercialização e distribuição do recurso mineral extraído. “Ou seja, será pago pela empresa mineradora”, observou o palestrante. “Deve haver uma responsabilidade compartilhada entre todos os atores envolvidos, garantindo que as demandas futuras fiquem explicitadas”, acrescentou Barbosa. E quem seriam estes atores? Barbosa enumera: mineradoras e suas subsidiárias, siderúrgicas e outras consumidoras-chave de minérios, agências de classificação de risco,  bancos públicos ou privados, escritórios de advocacia, analistas, consultores e jornalistas econômicos, investidores.

Outra fonte de recursos será por meio da geração de valor com os resíduos, quando inevitáveis. Isto porque a meta deve incluir a geração zero de resíduos, que será o fim das barragens de rejeitos. O licenciamento, nessa nova proposta, deverá ser socioambiental, incluindo a flora, a fauna e as pessoas.

Na mineração moderna, segundo Barbosa, é fundamental a comunicação transparente com as comunidades que compartilham o território. “Sabemos que os empreendimentos minerais de grande porte exercem forte influência na região onde são instalados”, reconheceu o especialista. De fato, diversas atividades locais, como a ampliação da oferta de vagas em escolas e a diversificação do comércio local, vão sendo moldadas pela atividade predominante: a extração do minério. Assim, Barbosa explicita que a avaliação do local de instalação do depósito deve contemplar todas as demais atividades e recursos naturais existentes na região de interesse.

Ainda na fase de preparação, a mineração moderna deve considerar o estado de conservação ambiental da área escolhida para a nova mina e elaborar um planejamento detalhado do programa de recuperação ambiental posterior ao fechamento da atividade minerária.

Enfim, a mineração moderna deve ampliar o conceito da sustentabilidade dos minerais, abrangendo produção, consumo e reciclagem. “Assim estará conectando os domínios social, ecológico, tecnológico, econômico e de governança, em escalas locais e globais”, concluiu Barbosa.

Saiba mais sobre o evento em BH (2/4):

E sobre o evento no RJ (1/4):