Promovido em parceria pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Academia Nacional de Engenharia (ANE), o Seminário sobre Segurança de Barragens de Rejeitos  foi realizado no Rio de Janeiro (1/4) e em Belo Horizonte (2/4). O segundo dia foi no auditório da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e contou com quatro painéis. Acesse os outros painéis no final desta matéria.

Edmilson Teixeira, Bruno Milanez e André Naime

A coordenação do segundo painel do dia 2 de abril, intitulado “Ambiente em Foco”, coube ao especialista do Departamento de Genética e Evolução do Instituto Biológico da UFMG Francisco Barbosa, e a relatoria ao Acadêmico Geraldo Wilson Fernandes, professor titular de Ecologia da UFMG e coordenador da rede Com Serrado do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio).

Os palestrantes foram o analista ambiental André Luiz Naime (Ibama); Bruno Milanez, professor do Departamento de Engenharia e Mecânica do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Edmilson Teixeira, professor titular do Programa de Pós-graduação do Departamento de Engenharia Ambiental, coordenando o de Gestão de Recursos Hídricos e Desenvolvimento Regional (LabGest) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Análises de risco e licenciamento requerem aprimoramento constante

Engenheiro elétrico com doutorado em geografia e gestão ambiental pela Universidade de Waterloo, André Luiz Naime é analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Ele apresentou reflexões sobre as análises de risco e licenciamento ambiental de empreendimentos perigosos.

Naime definiu licenciamento ambiental: é um instrumento que exerce controle prévio e acompanhamento de atividades que utilizem recursos naturais, que sejam poluidoras ou que possam causar degradação do meio ambiente. Este controle visa promover o desenvolvimento econômico, mantendo a qualidade do meio ambiente e a viabilidade social. “O objetivo final é promover o desenvolvimento sustentável”, completou.

A avaliação de impacto ambiental (AIA), segundo Naime, é um estudo ambiental que analisa alternativas, avalia os impactos e elabora um diagnóstico, prevendo a implantação da gestão ambiental, acompanhamento e controle. “Servem como subsídio para o processo de tomada de decisão”, esclareceu o especialista.

Entre os objetivos das AIAs está antecipar e evitar, minimizar ou compensar os efeitos adversos significativos biofísicos, sociais e outros relevantes das propostas de desenvolvimento. Naime explica que há uma diferença de tratamento no licenciamento. Para lidar com o risco, se faz um trabalho na gestão das falhas e nos danos potenciais. “O risco é uma ocorrência incerta, o impacto é uma ocorrência certa. Risco é impacto em potencial”.

A regulação ambiental no Brasil falha em cumprir vários princípios básicos das avaliações de impacto ambiental, segundo o palestrante. Dentre elas, citou a comunicação com a população: “O licenciamento ambiental carece de canais para a participação das pessoas e o processo de comunicação é deficiente, tornando a regulamentação ambiental pouco inclusiva” Ele disse que deveria haver formas de facilitar a participação e a aprendizagem do público.

Outro ponto destacado por Naime é a imparcialidade, que deveria ser garantida, a seu ver. “Deveria haver transparência e prestação de contas. De fato, há preponderância na análise das informações trazidas pelo empreendedor, em detrimento das perspectivas fornecidas pela sociedade civil e das necessidades das populações e comunidades afetadas”, afirmou.

Naime sugere alguns pontos de reflexão sobre elementos que podem potencializar um desastre como o de Brumadinho. Primeiro, ele disse que não é competência do licenciamento ambiental elaborar estudos de risco. “Não há preparo para lidar com análises de risco, o que pode levar a que questões socioambientais relevantes sejam desconsideradas, por exemplo. “Tem que haver um diagnóstico de vulnerabilidades das áreas próximas a barragens, por exemplo”, afirmou o palestrante.

O especialista destacou também as políticas de uso e ocupação do solo. “O ordenamento do território para mitigação de risco é um ingrediente essencial em qualquer receita para construir comunidades resistentes a desastre”, apontou, ressaltando que os loteamentos deverão atender, pelo menos, a alguns requisitos, como a reserva de faixa não-edificável vinculada a dutovias, observados critérios e parâmetros que garantam a segurança da população e a proteção do meio ambiente.

Naime reconhece a limitação das análises de risco. Os estudos lidam com incerteza, subjetividade, ambiguidade. “Os engenheiros não podem ser arrogantes, têm que assumir que sempre pode haver falta de conhecimento. As práticas de gestão de risco têm que ser aprimoradas constantemente”, concluiu.

Licenciamentos: a delicada relação entre auditores e auditados

Professor do Departamento de Engenharia e Mecânica do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Bruno Milanez integra um grupo de oito pesquisadores de seis universidades, que analisou os desastres recentes de rompimento das barragens próximas às cidades de Mariana e Brumadinho, no estado de Minas Gerais.

Ele tratou primeiro dos aspectos econômicos envolvidos no licenciamento da barragem de Fundão, próxima à Mariana, de responsabilidade da Samarco, que afetou o rio Doce. Milanez explicou que no momento de uma esperada elevação de preços, há demanda de urgência de procedimentos de licenciamento e de execução. “Quando há uma redução de preços, a pressão é por redução de custos operacionais, gerando uma tendência de rompimentos superiores em escala e quantidade”.

No caso da Vale, responsável pela mina do córrego do Feijão, próximo de Brumadinho, que impactou diretamente o rio Paraopeba, é difícil analisar porque a empresa não libera dados individuais, só agregados. “Então buscamos outro modelo de análise. Vimos que quanto menor o teor de minerais,  maior a quantidade de rejeito produzido, maiores os gastos operacionais e menor a margem de lucro”. Com isso, Milanez observou que o investimento em manutenção e segurança é reduzido, o que, obviamente, aumenta o risco.

Abordando a questão institucional, Milanez relatou que a mina do córrego de Feijão, em Brumadinho, já estava em fim de vida útil desde o ano 2000. Em 2014, no entanto, a Vale apresentou um projeto de continuidade. O sistema já tinha falhas ao menos desde 2010, porque já eram feitas recomendações pelos auditores, que apontavam problemas graves e a Vale levava muito tempo para corrigir ou nem fazia nada”, relatou. O engenheiro apresentou o histórico de outras barragens, muitas consideradas não estáveis.

O fato é que, segundo Milanez, o auto monitoramento não pode continuar. “A relação entre auditor e auditada é muito desigual. Há possibilidade de chantagem, troca de auditoria ou de consultoria”, denunciou o  palestrante, acrescentando que depois de Fundão, a legislação para barragens só piorou. Ele afirmou que não adianta dizerem que não vão mais construir barragens a montante. “Isso não basta, porque também tem barragens a jusante com risco de cair. A questão é política.”

O rio Doce, antes e depois

Doutorado em recursos hídricos pela Universidade de Bradford, na Inglaterra, com pós-doutorado em hidrodinâmica sanitária e ambiental pela Universidade Loughborough e outro em gestão de recursos hídricos, desenvolvimento e participação pelo Instituto de Estudos do desenvolvimento pela Universidade de Sussex, todas na Inglaterra, Edmilson Teixeira apresentou a Rede Rio Doce Mar (RRDM). A Rede que foi criada para apoiar o poder público em ações reparatórias relacionadas causados pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrida em Mariana, em novembro de 2015.

Teixeira explicou que o objetivo da rede – que envolve 500 pessoas, dentre professores, alunos e pesquisadores de 25 universidades – abrange o estudo dos impactos em ambientes aquáticos do Baixo Doce e região costeira adjacente. As atividades da RRDM envolvem 14 estações de monitoramento, que avaliam mensalmente 18 parâmetros fisicoquimicos de qualidade de água e fazem medições semestrais de metais em sedimentos. “São feitas análises de ecotoxicidade, biomonitoramento, medições de vazão, qualidade e quantidade de sedimentos”, explicou Teixeira.

Ele descreveu a bacia do rio Doce, que possui 58% da área na categoria de suscetibilidade a erosão forte e 30% na média. “O desmatamento generalizado e o mau uso dos solos têm conduzido a região a um intenso processo de erosão, cujos sedimentos resultantes tendem a assorear os cursos d’água. O assoreamento é um dos problemas sérios que atingem a bacia, em especial na parte baixa”, explicou o especialista. Ele causa impactos nos cursos d’água, principalmente pelo quase inexistente sistema de tratamento de esgotos.

A Rede tem como temas de estudo e monitoramento a restinga e os manguezais, as praias e antepraias adjacentes da desembocadura do Rio Doce. Os temas envolvem ainda os mamíferos marinhos, tartarugas e aves marinhas, assim como toda a ictiofauna marinha, estuarina e de água doce. Enfim, deve tratar da qualidade e saúde de ambientes continentais e marinhos, incluindo o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos e regiões relacionadas.

Edmilson Teixeira esclareceu que a RRDM analisa os sistemas aquáticos locais antes e depois do rompimento da barragem em sistemas aquáticos. Mas alerta que, embora agora o foco sejam os rejeitos da mineração, a agricultura já vinha contribuindo para a deterioração das águas, lançando nelas seus dejetos.

De modo bem resumido, Teixeira relatou que a análise imediatamente pós rompimento apresentou valores muito “elevados” dos parâmetros monitorados, de forma generalizada, ultrapassando os limites das legislações. Na fase crônica, registrou-se elevação de valores de turbidez, ferro, manganês e alumínio em períodos chuvosos, mas também um enquadramento de quase todos parâmetros do programa de monitoramento de qualidade de água em períodos de estiagem.

Nos manguezais estudados, dos Rios Piraquê-Açú e Piraquê-Mirim, Barra do Riacho (rio Riacho), Barra Seca (rio Ipiranga) e Barra Nova (rio Mariricu), foram registrados impactos potenciais sobre a flora e fauna do manguezal, com deposição de rejeitos no sedimento, com liberação de metais (ferro e alumínio) no ambiente e sólidos em suspensão. “O relatório indicou que houve também redução na reprodução de crustáceos e da vegetação”, apontou o palestrante.

Nas praias, a ideia era avaliar a penetração do rejeito de minério no sedimento de praias adjacentes à desembocadura do Rio Doce nos três primeiros meses após o rompimento da barragem de Fundão. O relatório técnico indicou que o sistema marinho está respondendo de forma a transferir o ferro da coluna d’água para o sedimento. Houve um aumento do teor de ferro total que atinge, inclusive, as amostras de sedimento de maior profundidade, indicando a penetração do rejeito na água intersticial.

Avaliando a comunidade bentônica – de organismos que vivem no substrato de ambientes aquáticos – o relatório indicou diminuição significativa nos índices ecológicos, mostrando uma diminuição na riqueza e na abundância. Os esportes aquáticos e a hotelaria também vem sofrendo com a situação.

Teixeira aponta que estes resultados mostraram um processo que tem efeito persistente, impacta na estrutura e funcionamento dos ecossistemas e tem, evidentemente, fortes implicações sociais. “A irrigação com a água da bacia impacta na qualidade dos produtos, que ficam menos vendáveis, pois não há orientação. Há, portanto, um impacto socioeconômico direto. E também sobre a qualidade dos peixes. O que mais me perguntam é se pode ou não pode comer peixe da região, porque a Anvisa proibiu o consumo”, alertou.

Por isso, Teixeira reafirma que o que os cientistas têm que fazer é pesquisar e informar bem as pessoas. “Temos que passar só conhecimentos consolidados, confiáveis, baseados nas redes de monitoramento. Sem elas, não há dados.”

Saiba mais sobre o evento em BH (2/4):

E sobre o evento no RJ (1/4):