Leia a seguir o artigo da Acadêmica Vanderlan Bolzani, publicado pelo Jornal da Ciência em 20 de fevereiro:

Dois fatos positivos marcam este início de 2019 em meio ao clima geral de apreensão que afeta educadores e cientistas quanto ao desenvolvimento de suas atividades nos próximos anos. O primeiro fato positivo é a iniciativa da SBPC de instituir o prêmio Carolina Bori Ciência e Mulher que, a partir do ano que vem, irá contemplar pesquisadoras e jovens estudantes que se destacam no campo científico. O segundo é a manifestação do novo ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações – MCTIC, o engenheiro aeronáutico Marcos Cesar Pontes, ao destacar a importância de o país motivar seus jovens a seguirem carreiras científicas. A declaração afortunada ocorreu durante o lançamento do Programa Ciência na Escola, parceria entre o MCTIC e o MEC, que visa incentivar alunos do ensino fundamental e médio a terem mais interesse pela ciência.

Trata-se de um programa muito relevante, pois não é preciso ser especialista em política ou economia para perceber que estamos perdendo a corrida contra o tempo. Embora as sociedades possam abrigar visões divergentes sobre a melhor forma de alocar seus recursos, o caso brasileiro revela-se como uma situação excepcional pela sua magnitude territorial, diferenças econômicas regionais e os avanços científicos e tecnológicos conseguidos em todo o país, mas concentrados na região Sudeste.

Isso porque, ao olhar para o mundo, os fatos são de uma clareza cristalina que não deixa dúvidas sobre as regras do jogo. O grande divisor de águas, há muito tempo, entre as nações que conseguem se desenvolver e aquelas que ficam a reboque das decisões globais, é o domínio do conhecimento. Ele supõe a somatória de uma estrutura educacional sólida e investimentos em ciência, tecnologia e inovação, com destaque para as inovações radicais, que tanto nos distanciam dos países centrais.

O que acentua o caráter excepcional de nossa situação é a comparação com o quadro internacional atual. O sucesso na empreitada do desenvolvimento não está pré-determinado no DNA das nações, ou em sua localização nos hemisférios. China e Coreia são exemplos de como é possível, em algumas décadas, dar um salto qualitativo investindo seletivamente no que vai gerar conhecimentos e domínio tecnológico, hoje pilares das chamadas sociedades do conhecimento.

Para muitos países, no entanto, simplesmente não há a opção de buscar o desenvolvimento por esse caminho. Ou por falta de recursos financeiros, ou por não contarem com uma base educacional e de pesquisa científica e tecnológica, ou, ainda, por não terem um lastro produtivo industrial e agrícola que sirva de apoio para a evolução.

Já no caso do Brasil, apesar da herança histórica do subdesenvolvimento, temos bons exemplos com base numa parte do caminho já percorrido, como mostram avanços científicos e tecnológicos obtidos nas últimas décadas. Há um parque industrial cujo desempenho está aquém das sociedades desenvolvidas e até das necessidades da sociedade brasileira, mas com avanços tecnológicos substanciais em algumas áreas, e com enorme potencial para se aperfeiçoar. Um bom modelo para o retorno dos investimentos em tecnologia e inovação é o exibido pelas pesquisas e conhecimento gerado do nosso processo de produção agroindustrial. Hoje, grande e diversificada, responde por parcela considerável dos alimentos consumidos pelo globo e boa parte de nossa balança comercial. Sem falarmos, é claro, no potencial da rica biodiversidade, ainda completamente inexplorado.

Esse perfil situa-se hoje em um mundo que vive um momento de inflexão, marcado pelo acirramento das disputas políticas, econômicas e ideológicas, e pela volta do nacionalismo estreito, que questiona as benesses da globalização e não deixa claro que interesses devem ser defendidos.

Ao mesmo tempo, em um momento em que o país pode decidir se quer ser protagonista ou espectador da grande mudança em curso que é a bioeconomia, isto é, a substituição das atuais formas de produção, principalmente as baseadas em fontes de energia de origem fóssil, por outras que não sejam prejudiciais à natureza. Dia sim, outro também, alguma publicação internacional registra o início de uma fábrica que obtém plástico de fontes renováveis, outra que aperfeiçoa o processo para ter alimentos de algas, ou, ainda, outra que, com o auxílio da engenharia genética, reduziu pela metade o tempo para o salmão chegar ao consumidor. Esse movimento começa a crescer e, por enquanto, é feito de casos pontuais. Mas ninguém tem dúvidas de que ele marcará a diferença entre os países que temos similaridades econômica e social em um futuro próximo. Aqui, também, por várias razões, as condições são muito favoráveis ao país, mas essa discussão está praticamente ausente da pauta nacional e das discussões da sociedade.

Sem dúvida, o grande desafio para educadores e cientistas hoje é encontrar uma fórmula para que essa discussão seja tema de grande importância e se coloque entre as prioridades da agenda nacional.

Sobre a autora:

Vanderlan Bolzani é vice-presidente da SBPC e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), membro titular da Academia Brasileira de Ciências e professora titular do Instituto de Química da Unesp/Araraquara