araras_edit.jpgEm carta ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente (CGen/MMA), pesquisadores alertam que alguns aspectos da regulamentação podem levar ao colapso as pesquisas brasileiras em Taxonomia, Sistemática Biológica e áreas correlatas. A manifestação conta com o apoio de mais de 1 mil cientistas e da Diretoria da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Confira a íntegra aqui.
Entendemos que a nova Lei da Biodiversidade (Lei Nº 13.123/2015, Decreto No 8772/2016) traz avanços para a proteção do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado da biodiversidade brasileira. Entretanto, expressamos aqui nossas graves preocupações com aspectos da regulamentação que podem levar ao colapso as pesquisas brasileiras em Taxonomia, Sistemática Biológica e áreas correlatas (doravante referidas como T&S). Esses estudos são cruciais para o conhecimento e conservação da biodiversidade, pois envolvem a descrição, identificação, mapeamento, classificação e estudo das interrelações evolutivas dos seres vivos. Para atingir esses objetivos, estudos de T&S precisam amostrar grandes quantidades de espécies frequentemente distribuídas por vários países ou continentes. Por isso, pesquisas em T&S exigem a remessa e o recebimento rotineiros de material entre instituições sediadas em diferentes países. Pesquisas em T&S não envolvem bioprospecção, desenvolvimento tecnológico ou qualquer outra atividade que resulte em possível exploração comercial. O material biológico empregado nesses estudos consiste em espécimes mortos (ou partes corporais) submetidos a processos de desidratação ou preservação em reagentes químicos que inviabilizam a extração de compostos orgânicos que possam ser comercializados.
O inevitável exame e intercâmbio internacional de grandes volumes de material biológico das pesquisas em T&S é totalmente incompatível com algumas exigências do Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen) e do novo Termo de Transferência de Material (TTM). Os pontos mais críticos e suas possíveis soluções são discutidos em detalhe nas páginas seguintes. Vários desses problemas já haviam sido expostos pela comunidade científica no passado, o que resultara no entendimento do próprio CGen de que pesquisas em T&S estariam dispensadas de análise e aprovação prévia do órgão (Resolução CGen Nº 21/2006). É fundamental que o CGen retome tal entendimento também no âmbito da nova Lei da Biodiversidade, garantindo assim a viabilidade das pesquisas em T&S. Ressaltamos que as modificações aqui propostas visam apenas a eliminação de procedimentos impraticáveis, redundantes ou desnecessariamente burocráticos.
O Brasil é o país detentor da maior biodiversidade do planeta e desempenha papel de destaque em pesquisas de T&S, com uma das maiores e mais ativas comunidades científicas do mundo nessa área. Nossas instituições conquistaram ao longo dos últimos 30 anos uma reputação internacional invejável e equivalente àquela outorgada a instituições de países desenvolvidos1. Essa credibilidade está sendo rapidamente erodida pelos entraves impostos pela nova legislação. Muitas instituições internacionais estão deixando de atender às solicitações de pesquisadores do Brasil, pois já não acreditam na capacidade do país de continuar produzindo pesquisas de ponta em T&S e de assegurar o translado e devolução devidos de material biológico. Assim, a mesma legislação criada com o propósito de proteger nossa biota está paradoxalmente sufocando as pesquisas mais fundamentais sobre o tema. Se tais distorções não forem urgentemente sanadas, a Lei da Biodiversidade será eternizada como sendo um retrocesso para o conhecimento e conservação da biodiversidade brasileira.
Permanecemos à disposição de Vossa Excelência para quaisquer esclarecimentos e informamos que o documento ora encaminhado também está sendo enviado aos Exmos. Srs. José Sarney Filho, Ministro de Estado do Meio Ambiente, e Gilberto Kassab, Ministro de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, bem como seus respectivos representantes junto ao CGen.
Atenciosamente,
1231 pesquisadores de instituições e sociedades científicas brasileiras abaixo assinados.