cendes_1__edit.jpgA tecnologia tem ajudado, cada dia mais, a ciência médica a desvendar muitos dos mistérios que rondam nossas cabeças. Mas um método não invasivo tem contribuído, decisivamente, para esses avanços. É a ressonância magnética funcional. Quem explica é o neurologista e membro titular da ABC, Fernando Cendes. Professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Cendes falou sobre os estudos na área de neuroimagem na manhã de quinta-feira, 20 de julho, durante palestra na 69ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), que aconteceu no campus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Utilizando-se de uma linguagem bastante didática, o neurologista mostrou que o mapeamento do cérebro de humanos e animais tem sido bastante utilizado para estudos. “A neuroimagem ajuda a identificar a plasticidade cerebral, avaliar a memória e acompanhar desde o desenvolvimento normal do crescimento, até como nós envelhecemos, de forma saudável ou com doenças prevalentes em idades avançadas. Este é um campo de pesquisa e investigação clínica em humanos e animais que tem crescido cada vez mais”, enfatizou Cendes.
O pesquisador explicou que a ressonância magnética funcional explora as propriedades magnéticas dos tecidos do corpo. O próton de hidrogênio existente na água (H2O) dá o chamado “contraste” para o aparelho de ressonância magnética. “Se você tem um edema cerebral, as moléculas mudam de características e há um contraste que é captado pelo aparelho. Dessa forma, a ressonância magnética funcional consegue medir, sem ser invasiva, a oxigenação sanguínea no cérebro”, disse.
Um outro contraste natural bastante utilizado é o chamado “efeito bold“. A ressonância magnética explora a rede de vasos capilares e, assim, consegue captar a oxihemoglobina (hemoglobina carregando oxigênio) e a desoxihemoglobina (dHb), quando a hemoglobina libera O2. “O cérebro é o órgão mais vascularizado do corpo humano, tem basicamente oxigênio e glicose. Com a ressonância magnética funcional avalio as funcionalidades dos vasos capilares. Usamos um contraste intrínseco relacionado à funcionalidade cerebral, como a mudança de fluxos. Consegue-se, assim, inferir qual área está mais ativa e qual está menos ativa”, explicou o professor. “Quando se recebe um estímulo visual, por exemplo, avalia-se o sinal bold e assim se faz uma estatística da alteração da função do córtex visual”, acrescentou ele.
O estímulo visual pode ser uma lâmpada piscando, por exemplo. Ou ainda, conforme ilustrou Cendes, o médico pode pedir que o paciente mexa apenas os dedos da mão esquerda. “São paradigmas, modelos, usados para se avaliar algumas áreas do cérebro. O indivíduo fica parado, dentro da máquina, e assim se avalia o sinal bold, isto é, as funções cerebrais”, afirmou.
O neurologista explica que, por meio do aparelho de ressonância, um neurocirurgião pode saber como retirar um tumor do cérebro sem comprometer os movimentos da mão, por exemplo. É preciso, no entanto, que o paciente fique completamente parado, para que não haja novos estímulos que possam confundir a avaliação médica e, assim, o especialista possa estudar especificamente o campo de interesse.
Conectividade entre áreas remotas e redes neuronais
A ressonância magnética funcional tem permitido aos cientistas conhecerem melhor a conectividade funcional e estrutural entre áreas remotas do organismo, bem como a forma com que se comportam as redes neuronais do nosso corpo, especialmente quando estamos em repouso. Mesmo quando estamos dormindo, o cérebro continua sua função. “É bem interessante esse aspecto, porque o funcionamento normal do cérebro precisa dessa rede de repouso. Ela está ativa, mas se você começar a falar, ela pára. Para que a pessoa consiga desempenhar a tarefa de falar, de forma adequada, a rede de repouso precisar ser desativada”, disse Cendes.
Segundo o pesquisador, a compreensão das redes neuronais e de sua atividade durante o repouso do corpo pode ajudar os cientistas a estudarem o autismo, o Alzheimer e a epilepsia, só para citar algumas das principais doenças. A técnica possibilita a investigação do funcionamento cerebral sem que seja preciso que o indivíduo responda a algum estímulo.
A ressonância magnética funcional pode contribuir, até mesmo, para as pesquisas que buscam descobrir como a consciência funciona em nosso cérebro. De acordo com Cendes, o cérebro tem uma grande função em situações não conscientes. Mais especificamente, existe uma grande parte de nosso córtex cerebral que opera sem que estejamos conscientes.
“Muitas vezes a gente vê as coisas, mas não está consciente do que viu. É como um jogo”, observou o especialista. Esse efeito é chamado de “priming subliminar”. Uma grande parte do córtex cerebral é ativada de forma inconsciente, o indivíduo pode não ter percebido os outros estímulos, mas o cérebro, sim. “A atividade cerebral ocorre em vários níveis e não necessariamente eles chegam à tona ao nosso consciente. Nesse aspecto, a ressonância tem ajudado nos estudos de neuropsicologia”, acrescentou Cendes.
Um outro aspecto importante da atividade inconsciente do cérebro acontece durante o sono. De acordo com o especialista, muito do que aprendemos se dá quando dormimos. “O sono é fundamental na consolidação da memória e da aprendizagem”, enfatizou o cientista. Ele observa que as pesquisas no campo da plasticidade do cérebro em adultos têm mostrado como estímulos ambientais, como os exercícios de repetição próprios da prática de aprendizagem, podem provocar modificações duradouras no córtex cerebral.
“A prática provoca a plasticidade do cérebro. A partir do momento que você exercita algo, por meio do aprendizado, há uma melhoria da memória”, pontuou Cendes. Para ele, a ressonância magnética funcional tem sido um importante aliado da medicina e que pode melhorar, em muito, as pesquisas clínicas. “Pretende-se reduzir a distância entre os estudos de animais e humanos”, concluiu o Acadêmico.
Sobre o palestrante
Professor titular do Departamento de Neurologia da Unicamp, Cendes é graduado em medicina pela Universidade Federal de Goiás (1985), fez residência médica em neurologia na Unicamp (1989), especialização em neurofisiologia clínica na Universidade McGill – Montreal Neurological Institute and Hospital, Canadá (1989), especialização em epileptologia e estágio de pós-doutorado na Universidade McGill – Hospital e Instituto Neurológico de Montreal (1991-1996), doutorado em neurociência na Universidade McGill – Departamento de Neurologia e Neurocirurgia (1993-1997) e livre-docência na Unicamp (2004). Tem experiência na área de medicina/neurologia, com ênfase em epileptologia e neuroimagem.