O trio formado pelos neurocientistas brasileiros Jorge Moll – membro afiliado da ABC entre 2009 e 2013 -, o Acadêmico Sérgio Teixeira Ferreira e o francês Fabrice Chrétien comandou a sessão científica sobre “Cérebro, envelhecimento e capacidade cognitiva”, realizada no primeiro dia da Reunião Magna da ABC 2017, em 8 de maio. Sob a mediação da médica e membro titular da ABC Patricia Bozza, os especialistas se debruçaram sobre os mistérios que rondam nosso cérebro, desde os mecanismos orgânicos responsáveis pelo comando de nossas emoções, passando pelos agentes causadores do Mal de Alzheimer até os efeitos de uma infecção geral sobre os músculos e o cérebro.

Especializado em neurociência cognitiva, Jorge Moll falou do seu mais recente objeto de interesse científico: as emoções morais e sociais e suas manifestações no cérebro. Coordenador da Unidade de Neurociência Cognitiva e Comportamental mantida pela Rede DOr e cofundador/presidente do Instituto DOr de Pesquisa e Ensino (Idor), no Rio de Janeiro, Moll contou que tem se dedicado a observar, com a ajuda de um scanner de ressonância magnética, o comportamento de partes do cérebro em indivíduos estimulados por sentimentos de emoção, tais como indignação, compaixão, culpa, medo e nojo.

Entre as primeiras lições apreendidas por ele e sua equipe está a de que as emoções ligadas ao medo e ao nojo ativam as amigdalas cerebrais. Já a culpa e a compaixão mexem com o córtex frontal e algumas regiões do córtex temporal, além do hipotálamo, enquanto a generosidade ativa o lóbulo temporal. “Ao colocarmos indivíduos normais sendo estimulados por meio da apresentação de cenas que remetem a conceitos morais e emocionais, temos um quadro de regiões críticas no cérebro relacionadas ao comportamento social: o lóbulo central, a região do córtex, as amigdalas e o hipotálamo”, resumiu Moll, acrescentando que as observações em humanos corresponde ao que estudos em animais já mostravam.

Segundo o neurocientista, tais estudos corroboram o entendimento de que não só as ações sociais como lesões corporais influenciam a inserção e interação dos indivíduos em sociedade. “Observamos que há uma redução da atividade metabólica na região do córtex frontal e septal em pacientes com lesões frontotemporais ou aqueles que sofrem de demência. Eles passam a ter problemas de relacionamento social e as reações morais, como culpa e vergonha, aparecem reduzidas”, explicou Moll.

Para o neurocientista, ao se mapear as emoções no cérebro busca-se encontrar novas terapias que ajudem pacientes com transtornos mentais e psíquicos a terem uma melhora na qualidade de vida, podendo gerar uma alternativa, inclusive, ao uso de medicamentos. “Em tese, os humanos poderiam modular suas próprias respostas morais. Estamos testando o uso de ambientes imersivos, como a realidade virtual proporcionada pela tecnologia dos vídeogames, para implementar essas intervenções diretas no cérebro”, disse o pesquisador.

Moll relatou que indivíduos que recebem um feedback real conseguem modificar suas conexões neuropsiquiátricas. Por isso, acredita que o uso de combinações tecnológicas, como a realidade aumentada, pode ser uma solução não farmacológica para reduzir os riscos de depressão em indivíduos mais suscetíveis. “É um grande avanço, especialmente quando consideramos que vivemos hoje uma das maiores epidemias de depressão que a humanidade já viu”, alertou o cientista.

Veja a apresentação do pesquisador

Desafios do Alzheimer e da depressão

A busca por melhorias para a qualidade de vida da população também é o que estimula o químico especializado em biofísica e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Sérgio Teixeira Ferreira. Dedicando-se aos estudos de doenças neurodegenerativas, em particular o Alzheimer, Ferreira procura formas de controlar alguns dos problemas associados ao mal, entre eles, a depressão. Segundo ele, estudos mostram que a depressão também pode levar ao Alzheimer.

“Hoje, só nos Estados Unidos, há 5,5 milhões de pacientes com Alzheimer. No Brasil, são 1,2 milhão. É uma doença associada ao envelhecimento. E, na maioria dos casos, acomete pessoas a partir dos 65 anos de idade. Em 50 anos, teremos milhões de brasileiros com essa doença, que tem um custo anual médio à sociedade de cerca de US$ 600 bilhões”, disse o pesquisador.

Além do comprometimento da memória, o Alzheimer leva à limitação da capacidade de comunicação do paciente e a um aumento da depressão. Para o neurocientista, entender a associação clínica entre depressão e Alzheimer pode dar pistas para se encontrar um tratamento adequado que evite as duas doenças.

“Conseguimos compreender que o Alzheimer é uma doença que provoca falha nas sinapses, isto é, na comunicação entre os neurônios, por meio de uma inflamação cerebral. Algumas toxinas quando adicionadas aos neurônios, como os oligômeros A beta peptídeos, atrapalham as sinapses, ocasionando perda de memória. Os oligômeros aumentam os níveis de citocina TNF-alfa, o que apaga a memória de animais e pacientes”, explicou Sérgio.

Segundo o pesquisador, testes em camundongos permitiram compreender a existência de uma espécie de diabetes cerebral, que levaria a perda de memória nesses indivíduos. “A ativação por insulina poderia contornar esse quadro”, acrescentou ele.

Sobre a relação entre depressão e Alzheimer, Sérgio Ferreira explicou que ao se bloquear a citocina TNF alfa consegue-se controlar a depressão, visto que os oligômeros geram uma inflamação celular na microglia (célula do sistema nervoso central). “Por meio do uso de drogas, podemos balancear as formas danosas e neuroprotetoras que agem sobre as microglias. Um balanceamento que poderia ser feito por meio de medicamentos anti-inflamatórios, mas também com alterações no estilo de vida, como a adoção de uma dieta equilibrada e exercícios físicos”, disse o neurocientista. Confira a apresentação de Sérgio Ferreira

A sepse e as funções cerebrais

A mesma célula do sistema nervoso central que tem guiado os estudos de Sérgio Ferreira e equipe é chave para as investigações do médico neuropatologista francês, Fabrice Chrétien. Segundo o pesquisador, “a microglia é um elemento chave para se observar questões patológicas no cérebro”.

À frente da unidade de histopatologia do Instituto Pasteur, na França, Chrétien lidera um grupo de trabalho que atua em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e estuda os impactos da infecção generalizada, a septicemia ou somente sepse, nas funções cerebrais. Segundo o cientista, a sepse induz sequelas nas células microgliais. “Citocinas oriundas do sangue chegam ao cérebro e provocam disfunções nas mitocôndrias das células, fazendo com que o cérebro fique comprometido”, diz Chrétien. De acordo com o especialista, estudos com camundongos mostram que os mais velhos têm sepse mais grave.

“Isso mostra uma janela de estudo para as inflamações cerebrais em pessoas idosas, com aquelas que sofrem de demência”, avalia o neurocientista. Segundo Chrétien, da mesma forma que a infecção generalizada atua no sistema neurológico do indivíduo comprometendo-o, ela afeta de igual maneira os músculos. “Mesmo após a recuperação do paciente, as sequelas se mantêm severas, nas células do cérebro e dos músculos”, concluiu. Confira a apresentação do pesquisador