O diretor do Impa, Marcelo Viana (em pé, no centro), recebendo o prêmio
O carioca Marcelo Viana, 54 anos, se tornou ontem o primeiro brasileiro a receber o Grande Prêmio Científico Louis D., maior distinção da França na área da pesquisa científica. É a primeira vez que a matemática éagraciada com a prestigiosa láurea concedida pelo Instituto da França, composto por cinco diferentes academias de ciências e artes, e considerado como o “parlamento dos sábios” no país.
Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), Viana foi recompensado pelo conjunto de seus estudos sobre Sistemas Dinâmicos.
– Sistemas Dinâmicos são fenômenos que ao longo do tempo vão mudando. Você quer saber como eles vão evoluir e como se pode influenciar esta evolução. No Impa, trabalhamos mais na parte teórica. Se fosse indicar uma área de aplicação mais próxima seria a previsão do tempo – resumiu o matemático em entrevista a jornalistas brasileiros após ter recebido o prêmio.
A solenidade de premiação ocorreu na tarde de ontem no salão nobre do Instituto da França, instalado à beira do rio Sena, com direito a toda pompa e circunstância cerimonial característica da secular instituição, criada em 1795. Viana dividiu o prêmio de 450 mil euros com o matemático francês François Labourie, da Universidade de Nice, sendo 90% do valor total destinado a um projeto científico. Ele acredita que seu prêmio, aliado às atividades em torno do Biênio da Matemática no Brasil – com a organização da Olímpiada Internacional da Matemática, em 2017, e o Congresso Mundial da Matemática, em 2018 -, contribuem de forma importante para popularizar e mudar a imagem da matemática no país.
“Muito mais do que uma honra, o prêmio que ora me é concedido representa um instrumento com potencial para impactar de forma duradoura a matemática no nosso país e o modo como esta disciplina, tão bonita, tão importante e tão incompreendida, é percebida na sociedade brasileira”, escreveu Viana, em um comunicado distribuído após a premiação.
Pesquisadores têm criticado o corte de verbas do governo na ciência e também a recente fusão do Ministério de Ciência e Tecnologia com o das Comunicações. Como você avalia isso?
O efeito da fusão ainda não conhecemos, mas pessoalmente acho que é uma má ideia. Primeiro, porque não vejo muita afinidade entre a área de Ciência e Tecnologia e a atividade do Ministério das Comunicações. E talvez ainda mais importante do que isso: o Ministério de Ciência e Tecnologia foi criado há pouco mais de 30 anos, e se você olhar a evolução dos indicadores científicos e teconológicos do país, tem sido um progresso muito significativo. Boa parte do mérito disso é do Ministério de Ciência e Tecnologia, do CNPq, da Finep, da Capes e de outros órgãos do Ministério da Educação. Vamos ser simples: é um time que está ganhando, e em time que está ganhando você não mexe. É uma má ideia mexer. A menos que queiramos tomar outro 7 a 1.
E sobre os cortes de verbas?
Sou um otimista incurável. Estamos em crise, temos tido de lidar com equipes ministeriais que mudam etc, mas é justo agora que vamos lançar o Biênio da Matemática 2017-2018. É na crise que temos de acreditar, de ir em frente, e aproveitar as oportunidades que surgem. É um clichê dizer que crise é oportunidade, mas eu acredito que sim. Vou ser otimista até debaixo dágua.
A mudança de governo tem algum impacto importante na sua área?
Tenho notado nas diferentes equipes ministeriais com as quais tenho lidado como diretor do Impa uma grande vontade de contribuir. O que acontece é que qualquer tipo de iniciativa precisa de um pouco de estabilidade. Precisamos rapidamente chegar numa situação mais estável. Ciência em particular é muito sensível. Já tivemos casos de cientistas de renome desistirem do Brasil e saírem para o exterior porque é difícil passar o tempo lutando por verbas, não tendo garantias. E ciência precisa de continuidade.
O que pode ser feito para melhorar o aprendizado da matemática no ensino básico no Brasil?
O Impa está muito envolvido nisso. Vamos aproveitar o fato de que em 2017 o Brasil vai receber pela primeira vez, em julho, a Olimpíada Internacional de Matemática – que é a Copa do Mundo da matemática -, e no ano seguinte, em agosto de 2018, vamos receber o Congresso Internacional de Matemática, o mais importante da área, onde são concedidas as medalhas Fields. Este congresso é realizado a cada quatro anos, desde o final do século XIX, e nunca aconteceu no Hemisfério Sul. Vamos usar esta circunstância para lançar uma iniciativa ambiciosa de atividades para aproximar a matemática das escolas, das crianças e das famílias, que também são um ator muito importante. Para abril do próximo ano estamos preparando um festival da matemática, para o qual esperamos dezenas de milhares de participantes. Esperamos que no Rio de Janeiro, em vez de irem para a praia neste dias, os pais levem as crianças no festival. A matemática precisa ser tornada mais atraente, mais criativa, a matemática é um barato. E devemos mostrar isso para a criança desde o início. Nosso diagnóstico é de que o bicho-papão da matemática não existe nos primeiros anos. Mas o modo de como ela é ensinada na escola, e a falta de relevância dada pela famílias, faz com que a criança vá se afastando da matemática, e o bicho-papão começa a aparecer pelos 9, 10 anos.
A matemática de pesquisa no Brasil mudou nos últimos anos, e é isso que vem sendo reconhecido?
Sem dúvida. A medalha Fields do Artur Ávila é uma conquista pessoal, mas não é só isso. Ele foi o primeiro laureado que nasceu, cresceu e foi educado num país em desenvolvimento. Ele fez todos seus estudos no Brasil. Quando ele ganha a medalha é também um reconhecimento da nossa capacidade de descobrirmos e cuidarmos destes talentos. Não precisamos enviá-lo aos EUA ou para a Europa para que aprenda. Na União Matemática Internacional há uma classificação de países em cinco grupos. O Brasil começou em 1954 no grupo um, o mais baixo, e há 11 anos estamos no grupo quatro. Esperemos em breve chegar ao grupo cinco.
Como você avalia hoje o ensino da matemática no país, que você já definiu como catastrófico?
E é. Temos dados de que ao final do ensino médio nem sequer 10% dos alunos aprovados aprenderam o mínimo desejável de matemática. Dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE) mostram que o Brasil é um dos últimos nesta área. Tem um estudo feito por colegas da Unicamp sobre a necessidade que o país tem de engenheiros, de desenvolvimento tecnólogico. Fizeram uma análise do percentual de nossos jovens de 15 anos que fazem o Pisa que alcançam o nível quatro, considerado adequado para uma profissão tecnológica, e não chega nem a 4%. A situação do ensino é realmente muito grave. Não tenho solução mágica para isso. Passa por valorizar a carreira do professor, fazer uma formação decente do professor. Cerca de 5% dos licenciados em matemática são formados em universidades públicas. O restante é formado em faculdades part
iculares, cujo controle de qualidade é no mínimo duvidoso. E mesmo estes 5% que se formam em universidades públicas, tipicamente não vão para a sala de aula, fazem concurso etc. Temos um sitema com muito desperdício, pouquíssimo controle de qualidade e forma maus professores. E o professor que ainda vai para a sala de aula, tem um salário que não é compensador, uma carreira que não é motivadora. Há dois anos assisti na Coreia a palestra de um economista da universidade de Harvard que usou o Brasil como exemplo de que quantidade não basta, precisa qualidade. O país se preocupou muito em ter a criança na escola muitas horas, e menos em como e o que a criança aprendia. Temos professores que dão até 70 horas de aula por semana, porque precisam complementar a renda familiar. Ninguém pode dar 70 horas de aula de matemática por semana.
O que faz um professor de matemática ser bom?
Primeiro, precisa saber matemática. Segundo, precisa ter uma formação que o habilite a transmitir o conhecimento. Precisa estar na sala de aula feliz para ter disposição para transmitir este conhecimento da forma mais lúdica, mais agradável. Infelizmente estas condições raramente são satisfeitas. E não vamos jogar tudo só no professor. As famílias são fundamentais. Um pai ou uma mãe que diz “eu nunca gostei de matemática” está passando um sinal de que não é importante conhecer matemática.
Qual a importância da matemática?
Ganhei de presente de uma amigo um vídeo que mostra uma moça de sotaque nordestino vendendo castanha de caju. Ela diz em voz alta no mercado que cada sacola é R$ 3,00, e duas são R$ 5,00. Aí chega um cliente pergunta para ela: “Eu queria três por R$ 10,00, pode ser?”. E ela diz: “Moço, não dá não, três por R$ 10,00 não consigo fazer”. Este é um exemplo de que as carências matemáticas chegam ao nível do exercício da cidadania. O país tem de encarar isso como uma prioridade. Como a língua portuguesa também é uma prioridade.
Os eventos que serão realizados no Rio em 2017-2018 poderão ser um diferencial?
Vão chamar muito a atenção, vamos permitir alcançar um público que de outra forma não conseguiríamos. Volta e meia faço uma busca no Google para saber o que o povo pensa da matemática e fico assustado. Acredito que vamos mudar esta cultura. E queremos expandir as Olímpiadas das escolas públicas para que cobrir também os últimos anos do ensino fundamental I. Temos muitas esperanças nestas atividades do Biênio.