Luiz Carlos Federizzi, Mauricio Lopes, Roberto Rodrigues, Alysson Paolinelli e Luiz Roberto Guimarães

O Brasil vive uma crise econômica e política abrangente, mas existe um setor que parece passar longe desse problema: o agronegócio. Em uma sessão da Reunião Magna comemorativa do centenário da Academia Brasileira de Ciências (ABC), uma sessão sobre segurança alimentar sustentável mostrou motivos para que o país possa se orgulhar de sua agricultura. O evento aconteceu no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, entre 4 e 6 de maio.

Luiz Roberto Guimarães, professor titular na área de química do solo e toxicologia ambiental da Universidade Federal de Lavras (UFLA), informou que a exportação do Brasil cresceu 468% entre 2010 e 2014. “Nossas culturas ganharam 3,8% de 2015 para 2016, enquanto nosso PIB está caindo, então estamos indo bem.” Segundo o palestrante, somos beneficiados por termos água em abundância, terras disponíveis e facilidades em termos de mecanização, mas temos também o problema de necessitar usar cada vez mais fertilizantes à medida que a produção aumenta – fertilizantes estes que são, na maior parte, importados.
As culturas de soja e milho são as que mais utilizam fertilizantes, que, quando corretamente utilizados, trazem importante ganhos de produção por aumentar o rendimento sem ampliar o uso de terras. “Esses ganhos de produtividade nos permitiram evitar o desmatamento de dois terços do Cerrado”, alegou Guimarães. Foram, portanto, 110 milhões de hectares poupados. “Então somos capazes de produzir de uma maneira sustentável, mas precisamos melhorar. Temos agora que produzir alimentos com maior qualidade, manejando bem nutrientes e matéria orgânica.”
Hoje, é especialmente importante falar sobre a qualidade do alimento. Segundo Guimarães, há evidências recentes de decréscimo do valor nutricional de alimentos com o acréscimo de CO2 na atmosfera. “As mudanças climáticas vão alterar a qualidade do produto.” O Brasil vem melhorando em quantidade, mas piorou em qualidade e disponibilidade.”
Agricultura tropical tornou-se competitiva

Alysson Paolinelli, que foi ministro da Agricultura de 1974 a 1979 e um dos responsáveis pela criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), exaltou o sistema agropecuário do Brasil de modo a emocionar o público.
Ele começou afirmando que, no início do desenvolvimento da agricultura, os países tropicais não tinham como competir com aqueles de clima temperado, que tem estações bem definidas e outras características que favorecem as culturas. Como a agricultura se desenvolveu mais nesses países, destacou Paolinelli, a alimentação também era de maior qualidade. “O homem bem alimentado pensa mais, e foi o que aconteceu nos países temperados. Eles são, hoje, mais desenvolvidos porque puderam pensar mais. Pensaram em insumos modernos, fertilizantes, e acabaram dominando o mercado mundial.”
O ex-ministro afirmou que, nesse aspecto, sucederam-se, primeiro, a Planície Central Asiática, depois a Europeia e, em seguida, a Americana. “Foi assim que o mundo venceu até agora, mas hoje isso preocupa, porque não há mais área para crescer a produção nos locais temperados.”
Com a agricultura tropical, o Brasil experimentou as culturas de café, cacau e borracha conseguindo ter saldo em sua balança comercial para fazer o essencial. Após a crise de 29, os países buscaram equilíbrio econômico. Daí veio a evolução na genética, máquinas agrícolas, organização da produção. “Esses países foram inteligentes para saber que o problema não é só produzir”, comentou Paolinelli. “Malthus, que foi desmentido, começa a ser lembrado agora que a população cresce. Com o aumento da renda das famílias, aumenta a demanda por alimentos.” Estudos mostram que, a cada 20% de aumento na renda familiar, dobra o consumo de proteínas nobres.
Diante do aumento da demanda por alimentos e o esgotamento das áreas de agricultura nas regiões temperadas, surgiu a necessidade de novas soluções. “Importávamos cerca de um terço dos alimentos que consumíamos, porque a metade rural não supria a metade urbana. A família média brasileira de 1960 consumia 48% de sua renda só com a alimentação: não sobrava dinheiro para vestuário, transporte. Nesses tempos, acreditar em ciência não era privilégio, era obrigação.”
Paolinelli comemorou a mudança que ocorreu no país após essa fase. “Deixamos de importar. Hoje, somos os maiores exportadores de café, carne, açúcar, somos grandes exportadores de milho, soja, legumes. O Brasil aprendeu, na criação da agricultura tropical, a competir com a agricultura temperada.” Agora, ele defende que a agricultura tropical tem que inovar. “Foi a inovação que levou ao surgimento da Embrapa, e hoje querem tirar sua autonomia. Somos os detentores da criação de uma nova agricultura no mundo e corremos o risco de perdê-la pela má administração.”
Agricultura como forma de promover a paz

O engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura de 2003 a 2006, lembrou que a segurança alimentar não é trivial – é a única forma de haver paz no mundo. “Em todas as guerras, houve fome ou falta de abastecimento adequado.” Ele informou que, em 2010, a OCDE determinou que seria necessário aumentar em 20% a produção de alimentos no mundo nos próximos 10 anos. O Brasil, por conta de sua liderança, terá que aumentar a produção em 40%. Para isso, é preciso ter tecnologia tropical, terra disponível e recursos humanos.
Dos anos 90 até hoje, enquanto a área plantada com grãos cresceu 53%, de acordo com Rodrigues, a produção de grãos cresceu 260%, ou seja, cinco vezes. Com isso, foram preservados 78 milhões de hectares. “Isso é tecnologia. Nenhum país fez isso com essa rapidez. Ao mesmo tempo, a produção bovina cresceu 88%, a de frango, 458%, e a suína, 235%.
Mauricio Lopes, presidente da Embrapa, comemorou que, de fato, o Brasil foi capaz de sair da condição de importador de alimentos e se tornou um provedor em quatro décadas. Ele afirmou que isso se faz com pessoas qualificadas e citou como exemplo a Acadêmica Johanna Döbereiner, que desenvolveu uma tecnologia de fertilizante de soja que gera para o Brasil a economia de 5 bilhões de dólares por ano.
“Temos que antecipar futuros possíveis e buscar os que interessam”, ressaltou Lopes. “Vamos olhar para a conjuntura de dificuldade
do momento, mas não podemos perder de vista os riscos e as rupturas. Três delas já estão entre nós: o clima, a urbanização e o avanço da tecnologia que muda paradigmas em prazos curtos.” Ele acrescentou que os consumidores assumiram o papel de grandes coordenadores dos sistemas agroalimentar e agroindustrial. “Antes ouvíamos os produtores, agora temos que ouvir os consumidores.”
Pós-graduação em ciências agrárias e promoção da sustentabilidade

Coordenador de Ciências Agrárias I da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], Luiz Carlos Federizzi complementou que a balança comercial brasileira só é positiva graças ao agronegócio, e mostrou que a pós-graduação nessa área tem um panorama favorável. Começou nos anos 60, e hoje há 401 programas de pós-graduação em ciências agrárias espalhados por todos os estados do Brasil.
Federizzi defendeu que o sistema agrícola se relacione com a sustentabilidade, promovendo o uso racional das áreas, maximizando a reciclagem, promovendo o equilíbrio entre organismos e a preservação dos recursos. No caso das teses e dissertações produzidas pelos pós-graduandos de ciências agrárias, a maior parte que aborda sustentabilidade trata de controle biológico, seguido por agricultura sustentável. No entanto, a maior parte dos trabalhos não está vinculada a esses temas, mas a outros como bovinos, aves e soja. “Temos um conjunto de informação inexplorada que é impressionante.”
O palestrante defendeu que a formação não deve ser uma mera especialização, mas precisa estar voltada para o mundo. “As técnicas são transitórias, a ciência básica não. Formar um PhD não é o mesmo que formar um produtor de paper. Temos que investir na formação em vez da informação.”