Uma importante descoberta da paleontologia brasileira foi publicada no dia 26 de agosto, no periódico científico Nature communications (um dos periódicos multidisciplinares mais renomados do mundo): uma nova espécie de lagarto fóssil encontrada em território brasileiro. O Acadêmico Alexander Kellner, do Museu Nacional/UFRJ, participou do estudo.
Reconstrução em vida do novo lagarto, Gueragama sulamericana (crédito: Julius Csotonyi)
A nova espécie foi denominada de Gueragama sulamericana, que significa Guera = antigo, agama = gênero feminino e sulamericana = proveniente da América do Sul. A descoberta foi realizada no Município de Cruzeiro do Oeste, noroeste do Estado do Paraná, Brasil, com idade aproximada de 80 milhões anos (Cretáceo superior).
A descoberta de Gueragama sulamericana é de extrema significância por três motivos principais:
1- Um dos maiores grupos de lagartos viventes são os lagartos iguanídeos (representados por mais de 1.700 espécies viventes, mais as fósseis). Este se divide entre os iguanídeos Acrodonta (informalmente, acrodontes), que existem atualmente apenas nos continentes do Velho Mundo, e nos iguanídeos não-acrodontes, que habitaram predominantemente as Américas (além de Madagascar e algumas ilhas do Oceano Pacífico). Gueragama sulamericana é um lagarto acrodonte, sendo portanto o primeiro registro (fóssil ou vivente) de todo este grupo de répteis na América do Sul.
2- Os fósseis mais antigos de acrodontes têm cerca de 180-160 milhões de anos (MA) e foram encontrados na Índia, que fazia parte do antigo supercontinente de Gondwana (juntamente com as atuais massas de terra do hemisfério sul). Este grupo se dispersou pela Ásia durante o Cretáceo Superior (83-66 MA) e, muito posteriormente, (durante o Cenozóico, entre 66 MA atrás até o presente), pelo resto do Velho Mundo (resto da Ásia, África e Europa), também ocorrendo, brevemente, na América do Norte. A descoberta de Gueragama sulamericana indica que a dispersão deste grupo de répteis pelo hemisfério sul se deu muito antes do que se imaginava, e que os acrodontes alcançaram uma distribuição em escala global antes do Cenozóico.
3- A origem da fauna de lagartos e serpentes da América do Sul, importantes componentes da biodiversidade atual deste continente, continua um mistério. Porém, a descoberta de Gueragama sulamericana ajuda a compreender um pouco mais dessa origem. Gueragama sulamericana indica que pelo menos parte desta fauna primitiva de lagartos sul americanos eram mais proximamente relacionados a grupos que hoje estão em outros continentes, do que a grupos atualmente habitando o Brasil e o resto da América do Sul.
Foto da mandíbula de Gueragama sulamericana (crédito: Tiago Simões and Adriano Kury)
Os especialistas em répteis da Universidade de Alberta (em Edmonton, Canadá) Tiago Rodrigues Simões (aluno de doutorado) e o Dr. Michael Caldwell foram fundamentais para a caracterização paleobiológica e filogenética desta nova espécie. De acordo com Tiago Simões: “Gueragama sulamericana provavelmente viviam em tocas para evitar as altas temperaturas durante pelo menos parte do dia, como fazem lagartos acrodontes de habitat semelhante no norte da África e Oriente Médio atualmente”.
Segundo o geólogo Dr. Luiz Carlos Weinschütz (CENPALEO/Universidade do Contestado, Mafra, Brasil), coordenador dos trabalhos de campo, “entre 87 a 75 milhões de anos, grande parte do centro-oeste, sudeste e sul do Brasil compunham um grande deserto, conhecido hoje na comunidade geocientífica como “Deserto Caiuá”, onde esta espécie habitava o entorno de possíveis áreas úmidas, como oásis, convivendo com tapejarídeos (grupo de pterossauros) como a espécie Caiuajara drobuskii, descrita para o mesmo local”. Esporadicamente, chuvas tempestuosas assolavam o local e carreavam ossos, carcaças de animais e sedimentos para o fundo destes lagos de forma caótica, causando a desarticulação dos esqueletos e seu empilhamento desordenado, dificultando assim a identificação.
Para o paleontólogo MSc. Everton Wilner (CENPALEO/Universidade do Contestado, Mafra, Brasil), a qualidade de preservação do exemplar é excepcional, apesar da quantidade limitada de ossos encontrados. “Foram identificadas uma mandíbula esquerda com dentes medindo aproximadamente 18 milímetros em seu comprimento maior e outros pequenos fragmentos do osso maxilar e dentes. Tais elementos permitem a identificação de uma nova espécie dentro dos lagartos Acrodonta e a realização de um estudo filogenético completo”. O professor Everton ainda ressalta que, graças a esse tipo de integração que há entre universidades brasileiras e estrangeiras, é possível desenvolver com grande envergadura o entendimento sobre o passado da vida na Terra, visto que cada especialidade dentro da paleontologia é bem vinda para a construção do conhecimento, não apenas acadêmico-científico, mas também social.
O Acadêmico Alexander Kellner, que também participou do estudo, há vários anos vem colaborando com as pesquisas no Município de Cruzeiro do Oeste, PR. Para o Prof. Kellner, “esta descoberta demonstra o enorme potencial do Brasil para contribuir com o conhecimento da evolução dos vertebrados, o que pode ser exemplificado com o depósito de Cruzeiro do Oeste. Se com pouca verba já fazemos descobertas importantes, imagina se houvesse um investimento substancial na paleontologia brasileira”.
Esta pesquisa contou com a participação das seguintes instituições: Universidade do Contestado/CENPALEO; Museu Nacional/UFRJ; Universidade de Alberta, teve o apoio logístico da Prefeitura Municipal de Cruzeiro do Oeste, PR e foi autorizada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), conforme processo 48400-000807/2012-94.