Stevens Rehen
Stevens Rehen

Noventa e cinco por cento dos cientistas brasileiros já deixaram de realizar uma pesquisa ou tiveram que mudar suas especificações por causa de problemas na importação. Essa foi uma das várias constatações de que a burocracia prejudica de maneira considerável os experimentos científicos no país, obtidas por um levantamento feito com apoio da ABC e coordenado pelo neurocientista Stevens Rehen, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ICB-UFRJ).

A pesquisa “Custo Brasil: burocracia e importação para a ciência” consultou 165 cientistas de 35 instituições e 13 estados brasileiros, de forma a avaliar as dificuldades encontradas em adquirir insumos do exterior para os experimentos. O resultado do trabalho foi apresentado pela primeira vez no 2º Encontro Regional de Membros Afiliados do Rio de Janeiro, em maio, na sede da ABC. E, comparado com o levantamento feito em 2010, pouca coisa mudou.
De acordo com Stevens Rehen, que também é pesquisador do Instituto Dor de Pesquisa e Ensino, os gargalos da ciência encontram-se na dificuldade de importação, barreiras regulatórias, propriedade intelectual e formação de recursos humanos. Em relação à burocracia, o Brasil está bem atrás de outros países. “Quando eu estava nos Estados Unidos, o que mais me impressionou foi que eu fiz uma lista do que precisava comprar e chegou tudo no dia seguinte”, relatou o ex-membro afiliado da ABC.
Publicação da revista Nature de 2004
já mostrava o custo das importações no Brasil
Noventa e nove por cento dos pesquisadores entrevistados afirmaram ter necessidade de importar equipamentos ou insumos. 56% importam anualmente, 32% semestralmente, 7% mensalmente e 5% quinzenalmente. Ao serem questionados se perceberam alguma melhora na qualidade do processo de importação, 91% responderam que não.
Números preocupantes
Um fato relevante é que a porcentagem de cientistas que tentaram importar animais ou células para sua pesquisa depois de 2011 diminuiu em relação ao levantamento feito em 2010 – esse total foi de 43%, ante 55% no resultado de quatro anos atrás. “Não sabemos se é porque as pessoas desistiram”, afirmou Rehen. O índice de pesquisadores que perderam material retido na alfândega também foi reduzido entre 2010 e 2014, de 76% para 46%. Mais uma vez, não se sabe se é porque muitos pararam de tentar ou porque houve uma melhora.
Entre os entrevistados, 88% não perceberam melhora no processo mesmo após a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – RDC nº 1, de 22 janeiro de 2008 , que dispõe sobre a importação de materiais para a pesquisa científica. Hoje, a maioria importa através da própria universidade ou instituição científica e apenas 10% utiliza o sistema Ciência Importa Fácil do CNPq, que credencia pesquisadores como Pessoa Física e visa a agilizar o processo. Da mesma forma, apenas 11% usou o CNPq Expresso, que prevê uma redução significativa do tempo de espera para liberação dos insumos e equipamentos. “É preciso haver uma divulgação maior”, concluiu Rehen.
O tempo de espera pela importação é justamente um dos maiores problemas. Trinta e quatro por cento responderam que costumam esperar de 3 a 6 meses, 23% aguardam de 1 a 3 meses, 20% afirmaram que a liberação demora de 6 a 12 meses e 9% chegaram a esperar entre 12 e 24 meses. A maioria dos pesquisadores disse, ainda, que a espera na alfândega gerou custos adicionais para seus respectivos laboratórios. A Anvisa e a Receita Federal foram tidas como as principais responsáveis pela demora.
Rehen afirmou que a expectativa é de que o Projeto de Lei proposto pelo deputado federal Romário (PSB-RJ), com relatoria de Mara Gabrilli (PSDB-SP), que prevê a redução da burocracia na importação de materiais para pesquisa e está atualmente em fase de votação na Câmara Federal, seja aprovado. “Quem sabe ele possa trazer um pouco de esperança para os cientistas.”
O lado do CNPq
A coordenadora de Credenciamento à Importação e Incentivo Fiscal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Nívia Melo Wanzeller, se surpreendeu com a apresentação de Rehen: “Essa pesquisa me deixou triste, porque a gente cuida disso e pergunta para as pessoas se elas têm problema com a Anvisa ou com a Receita e elas respondem que não. Acho que os pesquisadores têm receio de dizer que não está bom e as coisas piorarem. Nós, que estamos do lado de lá, achamos que está funcionando”.
Wanzeller explicou que o CNPq credencia instituições e cientistas para fazer a importação de bens com isenção de impostos. Mas é preciso conseguir um deferimento do órgão para ter esses benefícios. Hoje, há 5.935 pesquisadores e 434 entidades credenciadas. No entanto, entres esses, apenas 200 instituições e 148 pesquisadores realizam importações.
Ela informou, ainda, que uma das principais causas para os atrasos significativos na liberação de cargas é o desconhecimento, pelos importadores, dos procedimentos e documentos necessários. Por isso, foi criado o sistema interativo Tutorial Importações para Pesquisa (TIP_CNPq), que orienta os pesquisadores.
Etapas da logística de importação. Fonte: CNPq
Wanzeller também mostrou os benefícios do CNPq Expresso, que atua junto à Infraero, Anvisa e outras instituições para agilizar o processo. “A diferença é que as cargas vêm identificadas, assim elas já são separadas, o que deixa tudo mais célere.” Segundo a palestrante, enquanto nos trâmites normais o tempo médio de espera é de 22 dias, pelo CNPq Expresso a demora é de nove dias.
Experiências pessoais
Os participantes do evento relataram experiências próprias. Uma das coordenadoras do evento, a Acadêmica Yraima Cordeiro, da UFRJ, contou que chegou a passar um dia preenchendo documentos da Anvisa em um processo de exportação de materiais. O Acadêmico Alexander Kellner, do Museu Nacional, acrescentou que correr atrás de importação não é papel do cientista: “É um absurdo pagarem nosso salário para resolvermos burocracias; tem muita gente dentro das universidades que poderia fazer isso”. Wanzeller concordou, afirmando que é importante que as instituições tenham um setor de importação consolidado.
A
pesquisadora do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos contou que fez uma importação pelo Ciência Importa Fácil no ano passado e que o material ainda não chegou. O Acadêmico Emiliano Medei, da UFRJ, relatou que está com uma importação parada há quatro meses devido a uma intervenção federal. Também afiliado e pesquisador da UFRJ, o coordenador do encontro Kildare Miranda acrescentou que o fato de o Brasil não fazer parte de vários tratados internacionais complica a situação: “Importamos uma câmera e podem achar que é terrorismo”.
“Não tenho mais prazer em fazer pesquisa”, declarou o Acadêmico Renato Cotta, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe-UFRJ). “Acabamos fazendo só planilha, perdendo nosso tempo.” Ele sugeriu a criação de um grupo de estudos da ABC, comandado pelos próprios membros afiliados que participaram do evento, para trabalhar o tema da burocracia.