A conferência de Étienne Ghys no segundo dia da Reunião Magna poderia ter sido incompreensível para a maior parte da audiência – afinal, ele é não apenas matemático, mas também francês. No entanto, em vez de falar sobre sistemas dinâmicos e geometria, seu campo de estudo, o convidado discorreu – em um português impecável – sobre a responsabilidade que ele e seus colegas de profissão têm de levar a ciência à sociedade, sendo ouvido por um auditório lotado de pessoas das mais diversas áreas.
“Não vou fazer uma palestra. Nós vamos juntos ao cinema”, brincou Ghys, que apresentou trechos de um vídeo que criou para explicar a teoria do caos a pessoas leigas e falou “do papel do matemático na divulgação da matemática fora da matemática”. Para o francês, o cientista tem obrigação de difundir sua área de pesquisa: “É uma maneira de ele próprio entender melhor o que está fazendo.”
Ghys criticou o fato de muitos de seus colegas acharem que a matemática interessante é aquela indecifrável: “Para eles, o critério de qualidade é incompreensibilidade”, provocou. “Consideram que a matemática é tão complicada que só eles entendem.” O diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS) comentou que, como todas as ciências, essa também está crescendo e ficando mais complexa – “tão ampla que tem o risco de explosão” -, acrescentou o francês, afirmando ser essencial achar os meios de conectá-la com a sociedade.
Filmes sobre a matemática
Ele explicou como veio a ideia de fazer filmes para divulgar a matemática, oito anos atrás. Estava procurando imagens para ilustrar uma palestra e achou algumas interessantes na internet, mas não conseguia baixá-las. Mandou uma mensagem pedindo autorização ao dono das imagens, Jos Leys, que rapidamente lhe deu uma resposta positiva. Curioso, Ghys perguntou quem ele era: “Ele respondeu que era um engenheiro que havia sido demitido e, finalmente, poderia tornar-se matemático”.
Convidou-o, então, para trabalharem juntos, e o engenheiro Leys o ajudou a produzir as imagens e clipes para sua palestra. Em contrapartida, pediu que Ghys ensinasse a ele matemática. “Respondi que, talvez, seria melhor se fizéssemos um filme explicativo. E foi uma experiência muito agradável.” A dupla, junto com Aurélien Alvarez, produziu um vídeo chamado “Dimensões“, e conseguiu ajuda de pessoas de todo o mundo.
Eles decidiram cortar o filme, de mais de duas horas, em partes mais ou menos independentes, de forma que o Capitulo 1 fosse muito elementar, para que crianças pudessem gostar, e o Capítulo 9, mais aprofundado. “Qualquer pessoa pode começar a assistir e terminar no meio sem a sensação de que falta algo.” O trabalho foi um sucesso, e eles resolveram fazer outro, intitulado “Caos“, no mesmo sistema de divisão por capítulos.
Uma iniciativa bem-sucedida
“Caos” foi traduzido para oito idiomas, incluindo o português, versão que recebeu a voz da cantora carioca Thalma de Freitas. Ghys comentou que o filme, de orçamento “quase zero” (porque eles precisavam de um touro virtual, algo difícil de se produzir, então compraram um por 25 dólares, a única quantia que gastaram), tem muitos defeitos. “A ideia era não gastar nenhum euro, ser apenas uma produção de amigos trabalhando juntos.”
Mas, apesar disso, Ghys ficou feliz com o resultado do filme, que já foi baixado pelo menos dois milhões de vezes. “De todos os papers que escrevi, nenhum deles se aproximou desse número de leitores”, comparou, brincando que, quando o artigo de um matemático é lido por dez pessoas, já se pode considerar que foi um sucesso. “Isso, para mim, é uma frustração.” Na conferência, o cientista apresentou os capítulos 7 (Estranhos Atratores), 8 (Estatísticas) e 9 (Caótico ou não?) de “Caos” e prendeu a atenção da plateia.
Ghys contou, com orgulho, que recebe milhares de e-mails de todo o mundo comentando a obra. “Uma criança de 12 anos do meio da China me mandou uma mensagem agradecendo pelo filme. É um prazer que eu nunca poderia imaginar sentir. Afinal, não se trata da Disney ou da Pixar.” O francês afirmou que trabalhar de graça foi uma satisfação, e a melhor parte foi o contato com o público. “Será que precisamos de dinheiro para fazer bem as coisas?”, questionou.
Ele revelou que seu próximo sonho é fazer não outro filme, mas um videogame, com o qual as pessoas possam interagir. “Mas para isso é necessário uma sabedoria que eu não tenho”, ressaltou. No entanto, para Ghys, que deixou de fazer o serviço militar para se tornar um matemático e um divulgador apaixonado da ciência, certamente não será difícil.