A revista Cell, uma das mais conceituadas do mundo nas ciências biológicas, está completando 40 anos e, para comemorar, convidou 40 jovens pesquisadores (com menos de 40 anos) para dar depoimentos sobre suas experiências, sonhos, desafios, conquistas e decepções como cientistas. Um deles é o brasileiro Dario Simões Zamboni, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP – Departamento de Biologia Celular Molecular e Bioagentes Patogênicos, que estuda como o sistema imunológico humano diferencia entre microrganismos patogênicos (ruins, como os que causam doenças) e não patogênicos (benéficos, como os lactobacilos que vivem no nosso intestino).
O depoimento de Zamboni pode ser lido aqui e os dos outros 39 jovens pesquisadores, aqui.
Em uma das perguntas levantadas pela revista, ele fala sobre os desafios de fazer pesquisa no Brasil, desde que voltou de seu pós-doutorado na Universidade Yale, concluído em 2006. Um deles é aquele que muitos pesquisadores da área biomédica no Brasil apontam como o maior entrave ao desenvolvimento de suas pesquisas: a dificuldade burocrática, a demora e o alto custo para a importação de reagentes.
“Quando terminei meu pós-doc nos EUA, decidi não procurar empregos nos EUA e retornar ao Brasil para tentar fazer uma diferença aqui. No Brasil, encontrei vários desafios para fazer ciência de alto nível. Por exemplo, ainda é muito difícil importar reagentes para pesquisa. O sistema de financiamento no Brasil também é desafiador, porque muitas agências de fomento valorizam o número de trabalhos publicados por um cientista, em vez de favorecer a qualidade da ciência que é produzida. Além disso, a ordem de autoria nos trabalhos publicados muitas vezes não é valorizada. Eu e alguns colegas estamos lutando para corrigir esses problemas no sistema brasileiro. Estou muito otimista quanto ao futuro, e tenho certeza de que quando terminar minha jornada, terei deixado um sistema muito melhor para a próxima geração de cientistas brasileiros”, escreveu Zamboni à Cell (tradução minha).
Recentemente, troquei alguns emails com ele sobre o problema da burocracia no Brasil, e ele me enviou um relato de uma apresentação que fez para um congresso – e que, segundo ele, “alegrou muita gente (principalmente os jovens), mas incomodou muita gente também”. Dizia isso: “Existem dois tipos de pesquisa: A que chamamos de fenomenológica, que reporta os fenômenos, e a que chamamos de mecanística, que explica os fenômenos.
Ambas são muito importantes, a primeira etapa é a descrição dos fenômenos (fenomenológica) e a segunda é a que explica os fenômenos (mecanística). Quando fazemos pesquisa, o ideal é publicarmos um artigo científico contendo as duas partes no mesmo artigo (fica mais completo e dá mais impacto e visibilidade à pesquisa realizada). No entanto, as dificuldades relacionadas à importação fazem com que muitos pesquisadores abandonem a segunda parte (que geralmente dá mais trabalho e precisa de mais reagentes novos e não previstos inicialmente; ou seja, precisa de importação, etc.) e publiquem somente artigos fenomenológicos. Consequentemente a pesquisa fica com menor impacto e os pesquisadores não contribuem de maneira eficiente para o desenvolvimento daquela área de pesquisa. Esse é um dos motivos pelos quais a importação deveria ser facilitada. Vai fazer com que a comunidade científica brasileira possa competir e publicar artigos de melhor qualidade.”
Será que as autoridades um dia darão ouvido ao jovem pesquisador? Fica a dica.