Diferente de muitos cientistas, Fabiano Severo Rodembusch não ganhou kit de ciência quando criança nem teve aulas de laboratório de química no ensino médio. Inclusive, essa foi uma das disciplinas em que ele quase foi reprovado. A curiosidade que teve por essa área, apesar das notas, surgiu devido ao entusiasmo e dedicação passados por uma professora que tentava arduamente despertar em seus alunos o interesse sobre os fenômenos químicos.
A certeza de que queria seguir nessa carreira veio mesmo durante o curso superior, mas o errado: ele começou fazendo engenharia química na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e, logo no primeiro dia de aula, ouviu a declaração que mudou sua vida profissional. “Fomos recebidos pelo diretor do curso, que deu as boas vindas a todos e perguntou quem gostava de química. Eu e mais três colegas prontamente levantamos a mão quando, para nossa surpresa, ele nos disse em alto e bom tom: Então vocês estão no curso errado! Devem fazer química!.” Um ano depois, Rodembusch passava no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
De Camaquã para Porto Alegre
O que Rodembusch sempre soube, no entanto, é que um dia iria para a capital gaúcha fazer faculdade. Nascido em Santa Maria, ele passou toda a infância na cidade de Camaquã, no interior do Rio Grande do Sul, porque seu pai teve que se mudar para lá em busca de melhores oportunidades de trabalho. “Minha família era humilde e batalhadora, meu pai trabalhava durante o dia no comércio e cursava a faculdade de contabilidade à noite, e minha mãe cuidava dos três filhos”, recorda. “Tenho boas lembranças dessa época, da simplicidade das coisas, da velocidade em que as pessoas viviam, de meu pai indo almoçar todos os dias em casa e nos levando para a escola.”
Com um irmão gêmeo e outro cinco anos mais velho, Rodembusch sempre foi ensinado pelos pais que o estudo seria o único meio de evoluir. “Eles deixaram isso muito claro em suas atitudes e propostas de vida”, relata. “Estavam fazendo de tudo para que um dia conseguíssemos fazer faculdade em Porto Alegre. Tanto foi o esforço deles que o primeiro a sair de Camaquã foi meu irmão mais velho, indo cursar análise de sistemas na PUC-RS.”
A importância da iniciação científica
Na infância, Rodembusch não era muito fã de estudar – gostava mesmo era de jogar futebol na rua com os amigos, ou “qualquer outra coisa que nos tirasse de dentro de casa”. “Naquela época, brincávamos até não enxergar mais devido à escuridão da noite, ou por não aguentar mais os mosquitos, sem a preocupação dos pais acharem que estávamos correndo algum risco de vida.”
O fascínio pelos fenômenos químicos naturais e a curiosidade de entendê-los mudou o interesse do jovem pelos estudos, que aumentou principalmente durante a iniciação científica (IC), na qual ingressou no primeiro semestre da faculdade. “Foi a melhor coisa que poderia ter feito para os passos futuros como aluno de pós-graduação e depois como pesquisador.”
Mesmo sendo novo no curso e sabendo que, na época, as bolsas eram escassas, o interesse pela iniciação científica veio quase que de forma imediata à entrada na UFRGS. “Durante uma disciplina ministrada pelo professor Dimitrios Samios, fui convidado por ele a conhecer o seu laboratório e grupo de pesquisa, e então recebi uma proposta de bolsa de estudos.” Samios trabalhava com espalhamento de luz em materiais poliméricos, e o primeiro contato que Rodembusch teve com um laser o fascinou e despertou ainda mais sua curiosidade em seguir nessa linha de pesquisa, fazendo-o optar pelo bacharelado em química.
Uma nova linha de pesquisa no doutorado
Na graduação em química, Rodembusch conta que aprendeu a questionar e a desenvolver o pensamento crítico. Ele destaca a importância da professora Nádya Pesce da Silveira: “Além de professora, foi uma grande amiga e conselheira durante a graduação, iniciação científica e, posteriormente, mestrado e doutorado. Após se formar, ele começou o concorrido mestrado no Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ) da UFRGS, com linhas de pesquisa envolvendo físico-química de polímeros fluorescentes em solução.
Seguiu com o doutorado no mesmo programa, mas mudou completamente de área e optou pela síntese orgânica. Seu orientador, Valter Stefani, lhe deu liberdade e independência para atuar em mais de um projeto, pesquisando então a síntese e aplicação de compostos fotoativos na preparação de materiais para óptica não-linear, sondas biológicas, sensores ópticos e materiais híbridos, obtendo um envolvimento ainda maior com as áreas de síntese orgânica e fotoquímica.
Seu interesse em lecionar e ser pesquisador foi definido ao término do doutorado, quando atuou como professor substituto no Departamento de Química Orgânica do IQ/UFRGS. No pós-doutorado na Universidade Montpellier II, na França, o cientista desenvolveu pesquisa na área da química do sol-gel e materiais híbridos quirais. “Esse foi um período de grande amadurecimento científico, que me permitiu aprofundar a minha formação em uma área de interesse iniciada no doutorado”, afirma.
Nesse período, Rodembusch fez concurso para professor no Departamento de Química Orgânica do IQ/UFRGS, sendo aprovado no final de 2005 e assumindo em março de 2006. “Na época eu só tinha o Plano A, que era passar na UFRGS como professor e poder retribuir tudo que recebi como aluno dela.”
Ele explica a pesquisa da interação da luz com moléculas orgânicas, que desenvolve atualmente: cada molécula orgânica se comporta de uma maneira ao absorver luz, permitindo que, após essa absorção, diferentes fenômenos possam ser visualizados no estado excitado. O entendimento dessa dinâmica luz-matéria permite que novas moléculas possam ser desenvolvidas com aplicações específicas, tais como sensores ópticos para detecção específica de poluentes, e até mesmo na pesquisa de fontes alternativas de energia, além do desenvolvimento de compostos para serem utilizados como sensibilizadores em células solares fotoeletroquímicas, que convertem luz solar em energia.
O fascínio pela luz e as cores
“Quando me perguntam se tenho algum hobby, digo que é fazer ciência e estar envolvido com ciência”, revela o pesquisador gaúcho. “Vivo diariamente a frase que diz escolha um trabalho que você ame e não terá de trabalhar um único dia de sua vida. Nesse universo, ele também considera empolgante a ausência de rotina, e diz que aprende-se a respeitar o tempo específico de cada coisa acontecer, exercita-se a tolerância e adquire-se a humildade de admitir que muitas vezes as coisas não vão acontecer como se espera.
“Quando Iuri Alekseievitch Gagarin, o primeiro homem no espaço, falou A Terra é azul. Como é maravilhosa. Ela é incrível!, já demonstrava que antes de qualquer coisa a luz e, consequentemente, as cores sempre impressionaram o homem. E comigo não poderia ser diferente”, resume o cientista. “É isso que me encanta na fotoquímica orgânica. Sintetizar novos compostos que emitem as mais diversas cores e estudar suas potenciais aplicações é fascinante.”
Participante de maratonas e corridas de aventura, Rodembusch faz parte de um grupo que se reúne
para atender doentes em hospitais e diz que “nem só de ciência vive o homem”. Para ele, ser eleito membro afiliado da ABC para o período 2014-2018 significa a colheita de frutos que plantou décadas atrás. O título desperta ainda mais sua vontade de seguir fazendo pesquisa no Brasil e ajudando na formação de recursos humanos mais qualificados. “A partir da visibilidade que a ABC tem, pretendo mostrar que fazer ciência é algo acessível a todos que perseguem este sonho.”
Rodembusch acredita que tudo se encaixou perfeitamente na sua vida, desde o interesse por ciência no colégio, passando pela troca de curso, os erros e acertos na graduação, a decisão pelo mestrado, a continuidade no doutorado e a opção pelo pós-doutorado até se tornar professor. “Concluo que algo chamado perseverança me impulsionava a continuar. Assim, deixo um pequeno lembrete aos futuros cientistas: na vida o plantio é opcional, mas se plantou, a colheita é obrigatória.