O tradicional modelo de gestão de recursos naturais está ultrapassado. Foi o que afirmou a a geofísica Marcia McNutt, editora da revista Science, durante a sessão “Ciência para os recursos naturais” do Fórum Mundial de Ciência, na terça-feira, 26. De acordo com a norteamericana, o formato atual se baseia na gestão única de apenas um recurso. “Quando há vazamento de óleo no mar, a mentalidade é essa: ou se salva os peixes, ou os pássaros. E isso é século XX demais”, comentou.
McNutt lembrou de grandes desastres, como o vazamento do navio petroleiro Exxon Valdez na costa do Alasca, em 1989. A tragédia ambiental causou a morte de mais de 250 mil pássaros marinhos, 3 mil lontras, 300 focas, 300 águias e um número incalculável de peixes como salmão e arenque. O vazamento de óleo no Golfo do México, em 2010, que se manteve ininterrupto por 87 dias, também foi recordado.
“Essa gestão de um recurso único está pobremente adaptada para confrontar os desafios modernos do complexo sistema que acopla o ser humano e a natureza em tempos de escassez”, afirmou McNutt. “Se nao podemos tomar conta da natureza, ela nao pode tomar conta de nós.” A cientista propôs uma nova abordagem de gestão de recursos naturais, cujo objetivo é promover conhecimento útil para decisões nesse âmbito, especialmente em tempos de crise, relacionadas, por exemplo, a vazamentos de óleo ou mudanças climáticas.
Esse novo modelo trabalha com alguns conceitos, tais como: capacidade de reserva (para que o sistema continue a funcionar mesmo sem a entrada de novos recursos); elasticidade (montante pelo qual a capacidade de reserva pode aumentar e diminuir por fatores externos); consequências em cascata (uma sequência de eventos que são causa e efeito); e resiliência (a habilidade do sistema de de fazer uma grande ação e retornar ao seu nível normal de funcionamento sem intervenções caras).
O futuro da gestão de recursos naturais deve levar em conta o aumento na demanda por energia, água, alimentos e matéria-prima no mundo, além de uma vulnerabilidade maior a desastres naturais, mudanças climáticas, doenças e a um colapso do ecossistema. Por isso, defende McNutt, são necessárias medidas mais efetivas que abranjam uma ciência de qualidade, as necessidades dos gestores e a participação política.
Educação e conhecimento
O diretor do Instituto Internacional para Análise de Sistemas Aplicados da Áustria (IIASA, na sigla em inglês), Pavel Kabat (na foto à direita), defendeu a importância de treinamento e capacitação de recursos humanos para uma gestão de recursos naturais aprimorada, que leve em conta a interdisciplinaridade. Para tanto, ele ressaltou que é necessário definir um horizonte para a ciência: ” Para um barco que não sabe para onde está navegando, nenhum vento é favorável”.
O diretor do Institituto Técnológico Vale, Luiz Eugênio Mello (na foto à esquerda), que é também membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), acrescentou que a educação é a chave para um uso adequado dos recursos naturais, e que o conhecimento nesse campo deve ser desenvolvido independentemente dos interesses da academia e indústria. “Mas é preciso um meio termo, não podemos nos guiar nem pelo consumismo, nem pelo conservadorismo.”
Na sessão “Educação científica e em engenharia”, também foi defendida a priorização do conhecimento para se alcançar um futuro sustentável, baseado na conservação ambiental, equidade social e crescimento econômico. O vice-presidente da Royal Society de Edimburgo, Escócia, Tarik Durrani, enfatizou a importância de uma abordagem multidisciplinar na educação, que estimule a criatividade e o pensamento crítico.
Educação científica hands-on
Pierre Léna, presidente da fundação francesa La Main à la Pâte, que inspirou o projeto da ABC “Mão na Massa” e estimula a experimentação no aprendizado de ciência, defendeu o papel da educação científica, que precisa abranger todos os estudantes, como forma de encorajar o interesse deles por ciência e tecnologia. “Ela deve acontecer cedo, entre os seis e 12 anos, ensinando ciência real e interessante. Isso é uma revolução pedagógica.”
Léna diz que esse investimento inclui recursos para a sala de aula e uma preparação qualificada dos professores, o que custa dinheiro. “É preciso convencer os ministros e autoridades em educação que uma mudança no currículo não basta”, alegou o francês. “Também é essencial abrir a escola, que deve ser um espaço coletivo, para os pais e a comunidade.”
A educação científica baseada na investigação, informa Léna, promove a universalidade da curiosidade, ciência, diversidade de culturas e linguagens. “Investigação é um termo usado tanto na educação quanto no cotidiano para se referir à busca pela informação e conhecimento através de perguntas. É enriquecedor.”