Ainda que variações imprevisíveis também entrem nesta equação, muitas das escolhas feitas pela humanidade nas próximas décadas definirão o aumento da temperatura média do planeta. É essa a opinião de Sérgio Besserman, moderador da sessão que, durante simpósio sediado pela ABC em 26 de setembro, tratou das vantagens provenientes de parcerias entre seguradoras e governo. Além dele, Carlos Nobre (MCTI/ABC), Florian Hummer (Swiss Re) e Álvaro Sílvio Feijó de Souza (Defesa Civil de Campinas) atuaram como conferencistas, discutindo como essa aproximação pode influenciar a mitigação e compensação de catástrofes relacionadas ao clima. O evento foi organizado em parceria com a Associação de Genebra e contou com o apoio da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg).

Álvaro Feijó, Carlos Nobre, Sérgio Besserman e Florian Kummer

Mantendo o teor de sua avaliação, Besserman ressalta a importância de antecipar os prejuízos causados pelas mudanças climáticas. “Mesmo com atribuições diferenciadas, é a primeira vez que os países do G20, responsáveis por mais de 80% das emissões de gases do efeito estufa, têm que agir juntos”, aponta. Presidente da Câmara Técnica de Desenvolvimento Sustentável da Prefeitura do Rio de Janeiro, ele também destaca que a humanidade foi convocada a tomar decisões que irão influenciar a realidade das futuras gerações. Embora alguns estudiosos defendam que nunca será possível entender o que de fato é a consciência, o palestrante diz acreditar que ela muito influi na questão da sustentabilidade.

Florian Kummer, chefe do Centro de Resseguro de Propriedade e Subscrição de Acidentes da América Latina, foi o primeiro palestrante do painel. Apresentando-se em inglês, ele se propôs a explorar o aspecto financeiro dos desastres naturais no Brasil. De acordo com ele, os alagamentos configuram o grande desafio nacional e a urbanização – “crescimento acelerado e desorganizado das cidades”, explica – é um dos fatores agravantes dessa realidade. Outros pontos, centrais em sua visão, são a estrutura e crescimento da economia brasileira e a concentração geográfica no sudeste do país. Segundo dados do OFDA/CRED International Disaster Database, foram registrados 20 casos de enchentes no Brasil durante a década de 90. Nos anos 2000, esse número subiu para 34. Estudos realizados pela própria Swiss Re ainda concluíram que, em 2010, havia 33,3 milhões de pessoas expostas aos riscos de uma inundação no país. Em 2030, a estimativa é de 42,5 milhões. Mesmo que os custos de adaptação a essa nova realidade sejam significativos e os processos de ajuste a ela, profundos, Kummer aponta que o desafio central do governo é garantir que esse processo de transição não seja traumático para a sociedade brasileira.

Classificando as enchentes como “eventos de alta frequência e baixa severidade”, o conferencista ainda opina que as mudanças climáticas possuem notável influência sobre o desenvolvimento econômico do Brasil no século 21. Por esse motivo, enxerga como necessária não só uma mudança de paradigmas na cooperação entre os setores público e privado, mas também a implementação de um gerenciamento de risco integrado que seja sistêmico, prospectivo e baseado em análises de custo-benefício. Para ressaltar a atual baixa penetração dos seguros contra inundações no país, o palestrante diz: “Eles não são muito comuns, então eu posso inferir que também não sejam muito eficientes.” Enfático, ele ainda lembra que há uma enorme lacuna entre as perdas econômicas e seguradas em desastres dessa natureza. “A maior parte delas é arcada por indivíduos, famílias, corporações e governos.” Por fim, ele levanta que um mercado eficiente de seguros desse tipo exige também uma regulamentação de qualidade.

Já o Acadêmico Carlos Nobre, secretário nacional de Política de P&D do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), centrou sua fala na apresentação das principais medidas do governo federal para reduzir os riscos de desastres naturais no país. Dentre elas está a criação do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em funcionamento desde dezembro 2011. “O divisor de águas do Brasil foi o grande desastre de 2011, na Região Serrana do Rio de Janeiro, com mais de 900 mortes”, recorda o palestrante. Os governantes adotaram, a partir de então, uma nova postura frente à questão das enchentes em território nacional, tendo na prevenção o seu elemento central.

A mudança também alterou a estrutura básica da indústria brasileira de seguros. Lançado no ano passado, o Plano Nacional de Gestão de Risco e Resposta a Desastres Naturais destina R$18,8 bilhões a esse tipo de desastre, alocando 85% do valor à diminuição da vulnerabilidade estrutural. Ao MCTI coube elaborar um sistema de previsão e alerta, avaliados pelo secretário como elementos de máxima importância. Em poucos anos, pretende-se reduzir em 80% o número de mortes por desastres naturais no Brasil. Além de capacitar a estrutura da Defesa Civil para rapidamente responder à iminência desses fenômenos, principalmente os de alta energia, o programa também atenta à questão das secas. “Só as secas de 2012 e 2013 no semiárido do Nordeste brasileiro causaram um impacto econômico de aproximadamente R$12 bilhões”, justifica.

Contextualizando o papel do Cemaden nessa conjuntura, Nobre explicou que o centro é multidisciplinar e traduz “uma experiência razoavelmente diferente das vivenciadas em outros países”. Composto por um grupo de quase 80 pessoas, ele trata de todos os tipos de desastres naturais e seu objetivo é ter 820 municípios com áreas de risco monitoradas por sistemas de previsão de alerta até o fim de 2014. Apesar desse cenário de crescimento, o conferencista alerta: “Quando se trata das mudanças climáticas, estamos sempre correndo atrás do prejuízo.” Em sua opinião, por mais que um sistema que deveria significar uma prevenção definitiva tenha sido desenvolvido, “continuamos vulneráveis a possíveis inundações”.

O último a falar foi Álvaro Feijó de Souza. Servidor público municipal há 26 anos, ele participou da implementação da Defesa Civil de Campinas, primeira cidade brasileira a ser certificada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como modelo de boas práticas na construção de resiliência para a redução de riscos e desastres naturais. Diferenciando-se dos outros palestrantes por sua experiência mais empírica do que científica no assunto, ele relembrou um momento de dificuldade para as autoridades locais: em fevereiro de 2003, choveu em uma tarde o equivalente a 74% do que costuma chover durante todo o mês em Campinas. Foram 5500 residências e 3733 pessoas afetadas na área urbana, além de 79 p
ontes e travessias destruídas.

Em seguida, Álvaro tratou da elaboração do Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, de autoria da Secretaria Nacional de Defesa Civil e do Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres da Universidade Federal de Santa Catarina. Foram publicados 26 volumes estaduais e um nacional. “De acordo com essa pesquisa, a cidade de Campinas foi a que mais decretou situação de calamidade pública entre 1991 e 2010”, aponta. A partir desse estudo e de outros realizados posteriormente na própria cidade, a Defesa Civil de Campinas conseguiu reverter o quadro e, em junho deste ano, recebeu o título da ONU. “Uma estrutura diferenciada de Defesa Civil reconhece que os problemas não devem ser resolvidos apenas por ela, mas por um sistema forte que integra, dentre outros atores, todos os órgãos estaduais e federais, além de algumas empresas privadas”, conclui.