Irmão mais novo dentre os cinco filhos de seus pais, Kildare Rocha de Miranda foi criado em Camboinhas, região oceânica de Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Por se tratar de uma localidade tranquila, tipicamente praiana, ele reconhece ter usufruído, durante a infância, de muita liberdade para atividades de esporte e lazer. Contando com uma vasta rede de amizades que ia de colegas da escola a crianças do bairro onde morava, Kildare divertia-se com futebol, bicicleta, vôlei de praia, surfe, videogames e jogos em geral. Por outro lado, quando se tratava dos estudos, sentia especial inclinação pelas disciplinas de química, física e biologia.
Em casa, o menino sempre teve exemplos que o motivavam à aplicação e ao esforço nos estudos: o pai era administrador de empresas, a mãe psicóloga e três dos seus irmãos completaram a formação superior.
O início da carreira
Refletindo sobre como o interesse científico foi nele despertado, Miranda identificou duas ocasiões marcantes em sua trajetória: a convivência com um professor de biologia do ensino médio – cursado no Colégio Salesiano, em Niterói – e a descoberta do trabalho do professor José Carneiro. “Além de primo do meu pai e professor da Universidade de São Paulo (USP), ele é um cientista renomado, autor de um grande número de publicações científicas e coautor de um dos mais expressivos livros de histologia produzidos no Brasil. Paradoxalmente, foi só depois de me tornar professor que tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente”, conta.
Após essas experiências, quando chegou o momento de prestar o vestibular, Kildare já estava certo de suas ambições: queria ser cientista. “Na época, me interessei muita pela biotecnologia que, até então, era bastante recente. Mas tinha dúvidas se deveria direcionar-me ao campo da medicina ou da física”, explica. Não coincidentemente, Miranda atualmente trabalha na área da saúde, mais especificamente em biofísica celular. Graduado em ciências biológicas pela Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), ele obteve seus títulos de mestrado e doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), instituição na qual, hoje em dia, exerce o cargo de professor adjunto. E ele ainda credita: “Foi o professor José Carneiro, mediante consulta do meu pai, quem sugeriu fortemente que eu ingressasse nessa profissão sem ter receio do futuro.”
Uma vez dentro da universidade, Kildare não perdeu tempo: logo no primeiro ano, começou a iniciação científica sob orientação da professora Marlene Benchimol e, desde então, confirmou seu gosto pela pesquisa. Sua orientadora – que trabalhava em um grupo chefiado pelo Acadêmico Wanderley de Souza – o guiou nos primeiros passos dentro do laboratório e, até hoje, é considerada por ele uma grande influência e também alguém que deu expressiva contribuição para sua formação acadêmica. “Após sua mudança para outra instituição, passei a ser orientado diretamente pelo professor Wanderley de Souza, que também me orientou em meu mestrado e doutorado”, relata.
Durante o doutorado, o especialista em biofísica celular realizou estágios no exterior – um nos Estados Unidos e outro na Alemanha – onde conheceu três pesquisadores que também foram influentes em sua vida: Helmut Plattner (Universidade de Konstanz – Alemanha) e os Acadêmicos Roberto Docampo (Universidade de Illinois e da Georgia – EUA) e Anibal Vercesi (Universidade Estadual de Campinas – Brasil).
A organização estrutural de patógenos
Atualmente, o cientista e seu grupo de pesquisas desenvolvem estudos sobre a organização estrutural de patógenos e sua relação com o hospedeiro. De acordo com Miranda, vários parasitos apresentam estruturas únicas, não encontradas em células humanas. “Por esse motivo, essas estruturas são interessantes tanto do ponto de vista da descrição de um novo fenômeno biológico, como para o desenvolvimento de novos fármacos – já que, por serem exclusivas de parasitos, representam alvos potenciais para a ação de drogas mais ativas e menos tóxicas”, explica.
Um quebra-cabeça sem fim
Entusiasmado, Kildare opina que um dos aspectos mais apaixonantes da ciência é a possibilidade de se compreender um fenômeno, ainda que de forma básica, pela primeira vez. “É muito gratificante ir montando as peças de um quebra-cabeça até que se entenda determinada situação. Na minha área, onde ferramentas de microscopia avançada nos possibilitam a observação de estruturas no mundo sub-microscópico, esse processo se torna ainda mais estimulante”, conta. Segundo ele, outro aspecto também muito gratificante é o acompanhamento dos experimentos executados por estudantes. “Assistir ao poder de transformação do desenvolvimento de um projeto científico em suas vidas é algo fascinante.”
Nesse contexto, quando questionado sobre o que é fundamental para ser um cientista, o professor foi enfático: “Acredito que uma das principais características deve ser a inquietude. A busca pelo saber deve ser constante e um pesquisador nunca deve se conformar com o que é conhecido sobre um determinado fenômeno. É importante, portanto, uma constante vontade de compreendê-lo de maneira mais aprofundada.” Em sua opinião, essa inquietude – além de se fazer presente no campo da ciência teórica ou experimental – pode ser aproveitada em outras áreas de atuação do cientista, dentre as quais figuram a busca por novas políticas de gestão, pelo fomento científico, por métodos inovadores de ensino e pela inserção mais acentuada da ciência no cotidiano da população.
Portanto, a um jovem interessado no campo científico, ele diria que carreiras vinculadas à ciência são extremamente estimulantes e gratificantes. “Existem muitos percalços, especialmente em um país como o Brasil, onde o fomento à pesquisa necessita ainda de muitos ajustes”, ressalta, “mas é justamente por isso que há também muitas oportunidades de contribuição da comunidade científica, especialmente quando vindas de um jovem interessado em investir sua energia nesse sentido.”
Confirmando sua tese de que a ciência pode ser muito gratificante, Kildare teve, no ano de 2012, seus esforços de pesquisa mais uma vez reconhecidos por seus pares. O professor, que já atuou como vice-presidente da Sociedade Brasileira de Microscopia e Microanálise, foi eleito membro afiliado da ABC em mandato que irá de 2013 a 2017. Sobre o título, ele afirma: “Fazer parte da Academia é, antes de tudo, uma grande honra. A chance de poder ouvir discussões de alto nível, opinar sobre questões de relevância para o país e receber apoio de pessoas de grande influência nos campos da pesquisa e da política científica certamente representa uma grande oportunidade para os novos Acadêmicos. Acredito que a organização de simpósios temáticos, a formação de redes e o convívio com os demais membros certamente me proporciorão um aprendizado único.”