O resultado final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que se encerrou no Rio de Janeiro no dia 22 de junho, é um documento sem foco, que não atende à urgência dos problemas enfrentados pelo mundo, segundo análise do Acadêmico Celso Lafer.
Ainda assim, segundo o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a conferência poderá contribuir com uma atmosfera que estimule no futuro, em um contexto político mais favorável, a tomada de medidas concretas para a sustentabilidade global. “O documento final é difuso, não tem foco e se baseia em um mínimo denominador comum. Na melhor das hipóteses, coloca em andamento processos que serão mais ou menos bem-sucedidos no futuro”, disse Lafer.
A falta de foco do documento, segundo Lafer, é o preço que se pagou para que fosse possível chegar a um consenso durante a conferência. O documento não foi mais modificado pelos chefes de Estado que participaram da cúpula. “Compreendo o que levou a esse documento. O país sede não desejava que a conferência se encerrasse sem um consenso, por isso os negociadores brasileiros chegaram a esse mínimo denominador comum”, afirmou.
Na prática, o documento não é capaz de lidar com as urgências do presente e ficou muito aquém das expectativas. “O governo vai dizer que conseguiu um consenso que abre processos e preserva as conquistas feitas até agora. É possível de fato que o documento tenha o mérito de manter em evidência as questões que serão retomadas em um contexto político mais favorável no futuro. Mas, se olharmos as urgências que estão em jogo, vamos ver que o documento está aquém das expectativas e das necessidades da humanidade”, disse Lafer.
Na avaliação do presidente da Fapesp, as principais explicações para as limitações da Rio+20 são o contexto internacional negativo e a demora do governo brasileiro em priorizar a temática da conferência. “Além da crise econômica e política mundial, temos essa nova multipolaridade no cenário da política internacional que até agora não foi capaz de levar a uma ordem global mais estável. A reformulação do sistema financeiro não está resolvida, as negociações comerciais de Doha estão estagnadas, há tensões consideráveis no Oriente Médio. Por outro lado, temos um país que dedicou à Rio+20 uma prioridade muito menor do que a que foi dada à Rio-92. O governo só passou a se dedicar recentemente à conferência”, afirmou.
Diretamente envolvido com a organização da Rio-92, como então ministro das Relações Exteriores, Lafer afirma que a conferência se beneficiou de um contexto internacional e um contexto interno favoráveis à sua realização. “No plano internacional, o contexto era o do fim da Guerra Fria. Foi a primeira conferência que não se organizou em termos dos temas Norte-Sul e Ocidente-Oriente, mas sim em termos do desafio da cooperação de uma razão abrangente da humanidade. O clima era favorável”, disse.
No plano interno, o sentimento público de valorização do tema ambiental, que havia sido incluído na Constituição Federal de 1988, uniu-se à prioridade absoluta dada à Rio-92 pelo governo de Fernando Collor de Mello, que buscava elevar o patamar da presença internacional do Brasil. “O governo organizou muito bem a preparação da conferência, mostrou interesse no meio ambiente, indicando José Lutzenberger para a secretaria do Meio Ambiente, instruiu o Itamaraty e organizou um comitê interministerial para tratar do assunto. Quando assumi o ministério, ficou claro que o tema teria prioridade total. Na Rio-92, cabia ao Brasil catalisar os consensos e ter uma visão proativa. Criamos oito grupos negociadores, com grandes quadros da diplomacia”, disse Lafer.
A organização, segundo Lafer, permitiu resultados concretos para a Rio-92, como a criação da Convenção do Clima e da Convenção da Biodiversidade. “Além do pilar ambiental, chegamos a bom termo também quanto à abrangência do conceito de desenvolvimento sustentável, com a Agenda 21. A Declaração do Rio, documento final da conferência, tem muitos méritos, entre eles explicitar que o meio ambiente tem que ser internalizado no processo decisório”, afirmou Lafer.
A conferência conseguiu, segundo ele, imensa mobilização da opinião pública, envolvendo ativistas, organizações não governamentais e cientistas, colocando os temas do meio ambiente de forma duradoura na pauta internacional. “Talvez o ponto em que a Rio+20 mais se aproximou da Rio-92 seja essa participação da sociedade nos eventos paralelos, incluindo a dimensão da ciência”, disse Lafer, referindo-se ao “Forum on Science, Technology and Innovation for Sustainable Development”, realizado entre os dias 11 e 15 de junho no Rio de Janeiro.
As negociações que envolvem o problema socioambiental, segundo Lafer, são intrinsecamente complexas, tanto do ponto de vista técnico e científico como na perspectiva diplomática. “Alguns dos maiores avanços nesse tipo de negociação ao longo da história tiveram contribuição decisiva da ciência”, disse.
O tema do meio ambiente, segundo ele, passa por um conhecimento especializado. A Convenção do Clima, por exemplo, assinada na Rio-92, não seria possível sem o lastro do trabalho realizado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que detectou fenômenos como o efeito estufa. “Talvez o ponto de partida dessa relação entre conhecimento e negociações diplomáticas tenha sido a percepção científica sobre o que estava acontecendo com a camada de ozônio, no fim da década de 1980. Essa percepção levou à Convenção de Basileia, que entrou em vigor em 1992”, disse Lafer.
A Conferência de Estocolmo, em 1972 – a primeira cúpula a tratar de temas ambientais -, também foi influenciada no plano das ideias por um relatório sobre os limites do crescimento econômico patrocinado pelo Clube de Roma. “O mérito daquela conferência foi realçar a fragilidade dos ecossistemas dentro dos quais estamos todos inseridos”, disse.
Já a Rio-92, segundo Lafer, beneficiou-se do Relatório Brundtland. O documento publicado em 1987 estabeleceu o conceito abrangente de desenvolvimento sustentável. Seu desdobramento levou à percepção global de que a questão se apoia não só sobre um pilar ambiental, mas também sobre os pilares econômico e social.
No entanto, devido à complexidade das negociações diplomáticas na área ambiental, não é nada trivial fazer com que o conhecimento científico se consolide como fundamento dos acordos internacionais. “Em épocas de crise, os países se confrontam com contingências e urgências políticas de curto prazo. O desenvolvimento sustentável, por outro lado, incorpora uma noção de sustentabilidade para as gerações futuras, por isso é sempre um problema em longo prazo. O tempo da pesquisa também é um tempo mais longo, assim como o tempo diplomático, que requer consensos. Por isso é compreensível que as negociações tenham essas grandes dificuldades”, disse Lafer.
Antropoceno
O presidente do Conselho Internacional de Ciência (ICSU, na sigla em inglês), Yuan-Tseh Lee, defendeu que é preciso estabelecer um novo contrato entre a ciência e a sociedade para que seja possível avançar rumo à sustentabilidade global.
O discurso realizado por Lee no dia 20 de
junho, primeiro dia da cúpula de alto nível da Rio+20, sintetizou o resultado dos debates realizados pela comunidade científica internacional no “Forum on Science, Technology and Innovation for Sustainable Development”, organizado pelo ICSU – que é considerado o representante oficial da comunidade científica pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo Lee, a entrada no Antropoceno – era na qual as atividades da sociedade humana dominam o planeta – representa um desafio sem precedentes, envolvendo mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição generalizada. “Em nome das sociedades de ciência e tecnologia, conclamamos os líderes mundiais a agir imediatamente. Do contrário, haverá um aumento do risco de mudanças irreversíveis na biosfera, que solapará a sustentabilidade da vida sobre a Terra”, disse.
As pesquisas, segundo Lee, mostram que a resposta aos desafios do Antropoceno exige uma transformação sistêmica que deve ter apoio no conhecimento e da inovação. “Uma pesquisa mais integrada irá gerar o conhecimento que a sociedade precisa para aperfeiçoar a interface entre ciência e política nos processos decisórios. Faço um apelo por um novo contrato entre ciência e sociedade. Não há tempo a perder, temos que agir conjuntamente”, disse.
Ciência + sociedade
Em visita à Fapesp, também no dia 20, o conselheiro-chefe para Assuntos Científicos do Gabinete de Ciência e Tecnologia do Reino Unido, Sir John Beddington, afirmou que a comunidade científica chegou à Rio+20 com uma mensagem clara e bem consolidada. “Com exceção das incertezas pontuais que sempre caracterizam os temas científicos, quase não há dissensos na comunidade internacional de cientistas sobre questões-chave como segurança alimentar, segurança hídrica, biodiversidade, serviços ecossistêmicos ou a própria mudança climática. Esse consenso universal foi bem apresentado na Rio+20”, disse.
No entanto, segundo Beddington, para que possa influenciar a agenda mundial após a conferência, a comunidade científica precisará trabalhar em conjunto com outros setores da sociedade e contar com a vontade política dos tomadores de decisão. “Acho que o consenso científico influenciará muito na agenda mundial, mas não agirá sozinha e sim em conjunto com a sociedade civil e os governos. Essa é a verdadeira importância do evento. Uma conferência internacional com tantos países e delegados de diversos segmentos participando é uma razão para ter esperanças”, disse.
A tarefa, entretanto, é extremamente difícil, envolvendo questões profundamente complicadas e ao mesmo tempo urgentes, como grande crescimento da população e da urbanização, escassez de recursos e crise energética e ambiental.
“Será preciso contar com muita vontade política. Não podemos garantir que a conferência tenha um sucesso concreto, mas nosso papel é aconselhar. O governo britânico certamente vê nessas questões-chave uma enorme importância para o futuro do mundo”, afirmou Beddington.