Filho de militar do Exército, Carlos Gustavo Nunes da Silva nasceu em Bauru, no interior do Estado de São Paulo, mas nunca chegou a passar três anos inteiros numa mesma cidade. A mãe, geógrafa e professora, aproveitava os deslocamentos no país para aplicar seu conhecimento na prática: cada nova região ou cidade para a qual a família se mudava era um mundo de novidades a ser explorado. Nas viagens de carro, a cada novo cenário paravam para observar os tipos de vegetação, conversar sobre a influência do clima sobre aquela região, reparar na composição do solo exposta nos barrancos ao longo da estrada… “Enfim, cada lugar diferente tinha ingredientes suficientes para render uma aula de biogeografia, geologia e outras logias para os cinco alunos: meu pai, minhas duas irmãs, meu irmão e eu, o mais velho dos quatro filhos.”

Gustavo lembra que ficava extasiado com todas aquelas informações, pareciam música aos seus ouvidos. Por conta disso e outras coisas do tipo que aconteciam em casa, sonhava em ser cientista. Aos sete anos de idade, brincava com abelhas jataís no muro do jardim de casa e fazia experimentos com elas: fechava a entrada de seus ninhos e observava quanto demoravam para reabrirem sua “portinha” e como faziam isso: eram horas e horas de observação! “Cheguei a criar até Artemia salina, um crustáceo muito utilizado em ciências biológicas como organismo modelo para estudos, na época vendido como seamonkeys“, relembra o cientista.

As maiores alegrias de sua infância, portanto, eram os momentos em que o pai era transferido – ao contrário de outras crianças que sofriam por se distanciar dos amigos, Gustavo e seus irmãos aprenderam a se adaptar a novos lugares e culturas. Manaus foi um deles, e causou uma impressão das mais fortes. “Foi lá que tive as experiências mais intensas com a natureza: caminhadas na floresta, acampamentos, banhos de igarapé, rios gigantescos, botos, animais de toda a sorte, enfim, muita aventura para uma alma no começo da adolescência e sedenta em descobrir coisas novas”, relata. Depois de morar em Manaus, a família seguiu suas “andanças de cigano”. Mas Gustavo jurou a si mesmo que voltaria para aquela cidade.

Depois de passar dias contemplando a coleção de insetos do tio, que era agrônomo, escolheu fazer agronomia e estudar “aquelas criaturas fascinantes”. E assim, ingressou na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), onde teve um encontro mágico, em suas próprias palavras, com o professor e Acadêmico Warwick Estevam Kerr. Dele recebeu o exemplo indelével e definitivo de fazer ciência. “Conheci as abelhas sem ferrão, nativas do Brasil, e fiquei impressionado com sua biologia, diversidade e genética”, conta Gustavo.

Daí as coisas seguiram um curso bem previsível: no terceiro período da graduação embarcou na iniciação científica e tornou-se bolsista do CNPq, renovando ou montando projetos de pesquisa até se formar. Estudou os mecanismos que levam as abelhas fêmeas a se diferenciarem em operárias ou rainhas. “Uma das perguntas a que procuro responder é: como, do ponto de vista molecular, ocorre a escolha do caminho para essa diferenciação? É um quebra cabeça e tanto! Até hoje algumas coisas estão sem resposta nesse assunto.”

Como desejava tanto, voltou para a Amazônia para fazer o mestrado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), onde cursou entomologia e direcionou seus estudos com abelhas e genética sob a orientação da professora Gislene Carvalho, “filha científica” do professor Kerr e que foi sua orientadora também no doutorado. “No mestrado, conseguimos ver indícios de como a determinação de sexo ocorre em abelhas do gênero Melipona, ou seja de como é a determinação se um embrião de abelha é programado para ser macho ou fêmea (operária ou rainha)”, conta Gustavo.

Nesse meio tempo, conheceu outro cientista que contribuiu muito em sua formação, o professor Spartaco Alstolfi, que o introduziu no mundo da engenharia genética. O trabalho rendeu uma troca de informações sem precedentes com um grupo de genética e evolução da Alemanha, que se dedica ao estudo de outra espécie de abelhas. Surgiu daí a ideia de continuar a pesquisa nessa linha e consolidar uma parceria com esse grupo estrangeiro. “Foi quando entrei no doutorado na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e, logo depois, estava embarcando para fazer parte dos trabalhos em Dusseldorf, na Alemanha.” Essa, segundo Carlos Gustavo, foi uma experiência e tanto. “Conseguimos isolar um gene envolvido na determinação de sexo, fato que rendeu uma enorme repercussão para nosso grupo de pesquisa.”

A partir daí começou a dar aulas de genética, biologia molecular e engenharia genética. “Satisfazer minha curiosidade, fazer descobertas, ensinar e despertar pessoas para o conhecimento, a criatividade e inovação no dia a dia é o que mais me encanta em fazer ciência”, ressalta o Acadêmico. Ele diz que se pudesse começar de novo, não pensaria duas vezes: faria tudo igual. “Conheci muito do país – principalmente da Amazônia – e do mundo em coletas, congressos, intercâmbios, etc., assim como conheci muita gente boa, amigos de profissão com uma vontade imensa de melhorar a vida por meio de suas ideias e ações”, afirma Carlos Gustavo.

Hoje, Gustavo é professor de graduação e pós-graduação em Biotecnologia e Ciências Biológicas da UFAM, integra diversos projetos de pesquisa e orienta estudantes, além de ser autor e co-autor de diversos artigos científicos, publicados em periódicos nacionais e internacionais. Quanto ao título de Membro Afiliado da ABC, ele conta que ao saber da indicação lembrou-se do seu orientador, que era Membro da Academia. “Desde a graduação eu tinha a noção da importância desse título, pois o professor Kerr era Acadêmico e era notório o prestígio e orgulho que tinha disso. Lembro até do catálogo de Membros com a foto do professor!” Ele diz que espera que esse período de vínculo com a Academia seja produtivo na pesquisa, tanto pessoalmente como para o país. “E que o número de parceiros para fazer ciência se multiplique e que possamos, juntos, nos empolgar com novas descobertas, divulgá-las e aplicá-las para um mundo melhor.”