Perseverança, criatividade, curiosidade, inconformismo e, principalmente, paixão. É como Flávia Alcantara Gomes identifica um jovem com talento para a ciência. Ela sempre se lembra do que o avô dizia: “Você passará mais tempo com seu trabalho do que com qualquer outra coisa na sua vida, então que seja algo que você realmente goste”.

Nascida e criada na Tijuca, a carioca estudou a maior parte de sua vida no Colégio Marista São José. Neta, filha e sobrinha de professores universitários, Flávia diz que desde cedo o dilema de conciliar a vida profissional com a pessoal já se apresentava: boneca ou microscópio? Ela acha que queria mais ser mãe do que cientista, embora se lembre de ter ficado emocionada na primeira vez que experimentou um microscópio no Colégio, onde tinha verdadeira paixão por Ciências e Química.

Flávia conta que cresceu nos corredores de universidades e em laboratórios de pesquisa. Os almoços de domingo eram regados a intensas discussões sobre política científica e universitária. “Por vezes, presenciei reuniões acadêmicas serem transferidas de uma Instituição para a minha casa”, relembra. A não ser antes dos 12 anos, “quando todas as crianças querem ser veterinárias”, segundo Flávia, ela não lembra de ter se imaginado exercendo outra profissão que não a de pesquisadora. Certamente, o ambiente familiar universitário a fez admirar a figura do pesquisador/professor, especialmente através de seu pai, Roberto Alcantara Gomes. “As atividades de meu pai como pesquisador e incentivador da pós-graduação me fizeram ver o potencial transformador da educação e da ciência na sociedade. Desde cedo, termos como pós-graduação, tese de doutorado, colaboração internacional me eram familiares”, rememora a cientista.

Percurso acadêmico

Flávia conta que fez iniciação científica antes de ingressar na universidade, por conta de uma das maiores greves do funcionalismo público, em 1990. “Minha entrada na graduação foi atrasada por seis meses. Como a minha ansiedade por iniciar a pratica de laboratório era imensa, procurei um estágio voluntário num laboratório de pesquisa na UERJ”. E não parou mais. Posteriormente, iniciei estágio de pesquisa e não parei mais. Graduou-se em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e obteve os títulos de Mestre (1994) e Doutor (1999) pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Sua dissertação de mestrado foi desenvolvida no IBCCF e no Instituto Weizmann de Pesquisa, em Israel, onde estudou os mecanismos moleculares de resistência a drogas desenvolvidos pelo protozoário Leishmania. Sob a orientação do Acadêmico Vivaldo Moura Neto, desenvolveu a tese de doutorado sobre as interações celulares durante o desenvolvimento do sistema nervoso, tema ao qual se dedica até hoje. Pelo mestre, guarda grande admiração. “A paixão, o entusiasmo e o olhar visionário dele foram um grande exemplo e um incentivo para seguir a carreira acadêmica”, ressalta Flávia.

Iniciou sua carreira docente na UFRJ em 1996, onde atualmente é professora associada do Instituto de Ciências Biomédicas. Realizou um período de estágio sabático na Universitè Paris VI (2001), na França, e no Scripps Research Institute, nos Estados Unidos (2004).

Atividades profissionais

Flávia investiga como se estabelece a comunicação entre as células que formam o cérebro, neurônios e células da glia (células não neuronais) e como erros nessa comunicação podem levar a doenças neurológicas e neurodegenerativas. “Duas principais linhas de investigação são conduzidas no meu laboratório: uma busca entender como as células gliais são geradas e a outra procura identificar moléculas que são produzidas pela glia que são importantes para a sobrevivência, diferenciação e funcionamento dos neurônios. Esses projetos podem contribuir para a geração de novas abordagens terapêuticas para o sistema nervoso”, relata, entusiasmada, a pesquisadora.

Para Flávia, a Biologia Celular é a ciência base, o substrato para o entendimento de toda a organização dos tecidos, órgãos e sistemas. “A Neurociência é uma área extremamente multidisciplinar, que permite entender desde o desenvolvimento de uma célula até a integração de um indivíduo na sociedade e suas relações”, observa.

Atualmente, Flávia é coordenadora do Instituto Virtual da Glia, uma rede temática sul-americana que tem como objetivo promover a pesquisa, ensino e divulgação científica na área da Biologia das células gliais e patologias associadas, tendo como alvo tanto a comunidade científica quanto a sociedade leiga. Atua também como coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Morfológicas (PCM) da UFRJ, é membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de Biologia Celular (SBBC) e tem organizado atividades e programas de incentivo ao Ensino Básico e à formação de recursos humanos na graduação e pós-graduação de outras regiões do Brasil. “É essencial atuarmos no sentido da diminuição das assimetrias regionais”, afirma a pesquisadora.

Questões de gênero

Flávia teve na mãe, Lupercia Alcantara Gomes, exemplo de maternidade e de mulher trabalhadora. A neurocientista diz que nunca se sentiu discriminada no meio científico por ser mulher. “Quando olho para a Ciência, não vejo homens ou mulheres e sim pesquisadores”, reafirma. No entanto, confessa que dois fatos lhe causam estranheza e motivam a reflexão: a ABC ter eleito 23 novos membros esse ano, dos quais 20 são homens e apenas três são mulheres e que, embora 60% dos professores do seu Instituto sejam mulheres, 100% dos Professores Titulares são homens.

Casada há 18 anos, Flávia tem dois filhos. “Meu marido me conheceu sabendo que eu seria uma cientista, então ele não só entende minhas obrigações e omissão em diversos momentos como me apóia muito. Além disso, tenho um grande apoio da minha infra-estrutura familiar.”

O título de Membro Afiliado

Ela acredita no enorme potencial que a ciência tem para transformar a sociedade. “A ABC tem a responsabilidade de fazer chegar à sociedade os avanços que a pesquisa básica e clínica alcançam. Mais ainda, as Academias em geral devem ajudar a nortear a política de investimento nacional para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. Ser membro da ABC será um bom instrumento para que eu possa contribuir para isso. É uma grande honra para mim, ter a oportunidade de me juntar a este grupo.”