O fracasso na votação do Código Florestal explicita o conflito ancestral entre duas vocações brasileiras – o campo e a floresta. Ficou de novo patente que o ideal de conciliar desenvolvimento agrícola com preservação ambiental é mais fácil de enunciar do que de traduzir em normas legais.

Na caricatura do debate parlamentar, são ruralistas engalfinhados com ambientalistas. Sob a superfície, há um país que detém o maior acervo de capital natural do planeta e não se põe de acordo sobre quando e onde explorá-lo. Os proprietários rurais querem livrar-se já das amarras da legislação. A lei lhes impõe a manutenção da vegetação nativa nas reservas legais (20% a 80% da propriedade, a depender da região ecológica) e nas áreas de preservação permanente (APPs, setores frágeis como beiras de rio e encostas).

Apesar de rigorosa, a lei de preservação até aqui não era cumprida à risca. Na última década, intensificou-se o cerco ao desmatamento ilegal, sobretudo na Amazônia. O clímax da ofensiva estava agendado para 11 de junho, prazo final para comprovar a adequação ambiental das propriedades ou reconhecer o passivo (obrigação de recompor a cobertura florestal). Esse prazo foi adiado mais de uma vez no governo anterior, prolongando a insegurança jurídica. Esgotou-se, agora, a paciência do setor agropecuário.

No Congresso, a bancada ruralista encontrou porta-voz dedicado no deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), relator do código, que produziu uma peça desequilibrada. Contemplava os anseios do agronegócio e abolia pontos nevrálgicos da legislação, mas ignorava objeções de entidades como a Academia Brasileira de Ciências.

Polarização similar existe no próprio governo federal, que ainda assim logrou unir-se para negociar uma posição intermediária. Aceitou inclusão de APPs no cálculo da reserva legal, isenção dessa reserva para pequenas propriedades (até 400 hectares, conforme a região), consolidação de cultivos tradicionais em APPs e recomposição de 15 m (e não 30 m) de vegetação na beira de rios pequenos. São concessões notáveis, algumas já defendidas pela Folha. Os ruralistas deveriam consolidá-las e dar uma chance à conciliação.