O Acadêmico Paulo Sérgio Lacerda Beirão, professor de Bioquímica da UFMG, coordenou a sessão sobre entraves e desafios do ambiente regulatório no Brasil durante a 4a Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia (4a CNCTI), realizada em Brasília entre os dias 25 e 27 de maio de 2010. Segundo Beirão, a comunidade científica brasileira já enfrentou diversos gargalos. A formação de recursos humanos era um deles. “No entanto, no anos de 2009 conseguimos formar onze mil doutores, número que seria considerado surpreendente há poucos anos atrás”, afirmou o pesquisador. Outro gargalo era o financiamento. Nesse sentido, os recursos para ciência, tecnologia e inovação triplicaram nos últimos anos. “Embora ainda abaixo do necessário, já não se constitui em ponto de estrangulamento”, reconheceu Beirão.

Atualmente, os maiores gargalos para o desenvolvimento da CT&I são a educação básica e o ambiente regulatório, que envolve a burocracia, os marcos legais, a gestão de recursos, a aprovação de protocolos, a autorização para coleta de material biológico e outros pontos. “Quando um pesquisador estrangeiro precisa de um insumo, ele dá um telefonema e consegue o que precisa”. No Brasil não existe ainda produção da maioria dos insumos, então precisamos enfrentar uma burocracia complexa para a importação que pode demorar muitos meses até o recebimento de um material que era necessário de imediato para o avanço de uma determinada pesquisa”. “Mesmo para compras internas temos a Lei 8.666, coisa que o pesquisador no exterior não precisa enfrentar”, apontou Beirão.”A burocracia toma o tempo do pesquisador, e faz com que ele se transforme de um pesquisador altamente qualificado em um mal qualificado gestor financeiro.”

O Acadêmico observou que a situação do cientista brasileiro é muito complicada quando ele tenta desenvolver pesquisa de ponta, inovadora. “Para conseguir financiamento temos que prever tudo que será utilizado a priori. Se falta alguma coisa somos considerados maus planejadores. Ora, então não podemos estar na fronteira porque isso significa lidar com o novo, o inesperado, e precisaríamos ter recursos específicos para esse fim.”

O especialista Renato Corona Fernandes, do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Decomtec/FIESP), falou sobre a legislação referente à inovação. De início, fez questão de reconhecer que entre o final da década de 1990 e início dos anos 2000 houve um enorme esforço para organizar um conjunto de leis que estimulassem a atividade de inovação.

“Nosso objetivo é contribuir para o aperfeiçoamento de todo esse conjunto de incentivos criados, de modo a assegurar um ambiente favorável à inovação tecnológica, com a eliminação dos gargalos institucionais que ainda permanecem.”

A Lei de Inovação

Corona identificou diversos problemas na Lei de Inovação (Lei Nº 10.973/04), como a falta de mecanismos de governança que previnam conflitos entre as instituições de pesquisa e o núcleos de inovação tecnológica, indefinição nas atribuições desses núcleos quanto a normas e avaliação de tecnologias, ausência de elementos norteadores para a operacionalização dos recebimentos e pagamentos e ausência de proteção patentária, além de só permitir contratações com cláusula de exclusividade, entre outros.

Alguns avanços foram registrados pelo palestrante, como as recentes medidas de incentivo à competitividade na área de compras governamentais, que autoriza a União a conceder margem de preferência a bens e serviços nacionais em suas compras governamentais, desde que o preço do produto nacional não exceda a 25% o preço do similar importado.

Outro problema que o especialista identificou foi o fato de que, embora o Art. 19 da Lei de Inovação permita que instituições de fomento possam aportar recursos não-reembolsáveis diretamente nas empresas, os valores recebidos a título de subvenção econômica sofrem incidência de diversos impostos. “Ainda não há definição jurídica pela Receita Federal se esses caos devem ser tratados como subvenção para custeio, que pressupõe tributação, ou subvenção para investimento, que não tem tributação.”

De modo geral, segundo Corona, a ausência de um entendimento entre os órgãos públicos de controle e as auditorias gera insegurança nos gestores públicos na tomada de decisão sobre os projetos. Os problemas administrativos também são muitos, como a demora na aprovação e liberação dos recursos, que provoca defasagem com as estratégias da empresa, e a complexidade dos formulários. “O fluxo de recursos de uma empresa depende da aprovação dos gastos realizados e podem ocorrer atrasos na liberação”, colocou o jurista.

A Lei de Propriedade Industrial

Sobre a Lei de Propriedade Industrial (Lei No 9.279/96), Corona afirma que é moderna e cumpre tratados internacionais. “Um dos problemas, porém, está na demora na concessão de patentes, que gera uma insegurança jurídica muito grande, porque enquanto a patente não é concedida há apenas uma expectativa de direito.”. Também é problemática a indefinição com relação ao prazo de vigência das patentes e, no que diz respeito a produtos farmacêuticos e medicamentos, a concessão de patentes tornou-se ainda mais restritiva e demorada com a introdução do Art. 229-C na Lei 9.279, que exige a aprovação da Anvisa.

A Lei do Bem

Com relação à Lei do Bem (Lei Nº 11.196/05, Capítulo III), Corona identificou alguns pontos de insegurança jurídica na Lei do Bem. Considerou que é preciso um entendimento do que deve ser considerado regularidade fiscal, por exemplo, assim como estabelecido o momento em que a empresa deve fazer a prova da regularidade fiscal; é preciso determinar se a depreciação normal de bens adquiridos anteriormente pode ser considerada despesa operacional. “Existe dúvida também se o lançamento dos dispêndios com pesquisa e desenvolvimento (P&D) como ativo intangível e amortização do valor do investimento em períodos futuros. A questão é se a amortização pode ser considerada despesa operacional e qual a parcela a ser considerada”. Levantou ainda questões relativas à situação de funcionários e às despesas operacionais. “Também não está claro qual é o entendimento da Secretaria da Receita Federal (SRF) sobre o que deve ser considerada inovação tecnológica.”

Aprimoramentos necessários

Além de apontar problemas, Corona também apresentou propostas. Para validar os instrumentos da Lei de Inovação, por exemplo, sugeriu que se aplique o mecanismo de encomenda de pesquisas previsto no Art. 20 da própria lei, assim como o direito de preferência (Art. 27), vendas conjuntas e prioridades. “É fundamental eliminar qualquer possibilidade de incidência de tributação sobre os recursos de subvenção, assim como criar normas e disseminar entre organismos do Governo a cultura das compras governamentais como instrumento importante no desenvolvimento tecnológico das empresas nacionais e de política industrial.”

Foram avaliadas por Corona como ações cruciais para o crescimento da inovação o aprimoramento da Lei nº 8.666, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, para que também seja parte da construção de um ambiente favorável à inovação, e a definição clara das atribuições dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) das empresas e da administração central das instituições científico-tecnológicas (ICTs) de modo a evitar conflitos de governança

Para a Lei do Bem, Corona também sugeriu aprimoramentos, como o esclarecimento dos itens de dispêndios das atividades de inovação que serão aceitos para fruição de incentivos fiscais, o estabelecimento do conceito de risco tecnológico presente na Lei do Bem e o tratamento que deve ser dado a ele, a ampliação para todos os portes dos incentivos fiscais incorridos com a contratação de serviços de desenvolvimento tecnológico. “Deve-se também permitir a fruição de incentivos fiscais por grupos de empresas que desenvolvam projetos de inovação de forma cooperada e ampliar os incentivos para as empresas declarantes pelo lucro presumido”, completou o especialista.

Uma outra boa idéia do palestrante é o estabelecimento de uma medida de acompanhamento, com a ampliação dos valores dos benefícios fiscais de acordo com o mérito de desempenho, baseado na continuidade e ampliação dos investimentos em inovação. Outro item importante, em sua visão, é o aparelhamento e modernização o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para que a concessão de patentes tenha a agilidade necessária.

Concluindo, Corona afirmou que é básico garantir a aplicação correta das leis. ” É preciso capacitar organismos de controle, já que não basta apenas a adequação do arcabouço jurídico. É preciso capacitar os principais órgãos de controle (TCU, Receita, etc.) para garantir a correta aplicação e interpretação das leis favoráveis à inovação”. Para tanto, os diversos órgãos governamentais devem estar articulados, garantindo que isso ocorra rapidamente e seja amplamente divulgado para as empresas, de forma a tornar transparente a aplicação dos incentivos. “Isso pode ser feito em parceria com universidades e agências de fomento.”