Os três principais compartimentos da biosfera, ar (atmosfera), água (hidrosfera) e solo (litosfera) interagem e determinam a qualidade da vida, em todos os seus níveis e matizes. Há dois aspectos de pronto que devem ser considerados quando tratamos desses três compartimentos: a) não são isolados uns dos outros, isto é, a qualidade de um influencia e mesmo determina a qualidade do outro; b) não são geograficamente circunscritos, isto é, a modificação da qualidade do ar e da água em um dado ponto é propagada por grandes extensões. Em função dessas duas características, há que se pensar e desenhar estratégias coesas para uma qualidade integral dos três compartimentos. Estando a qualidade de vida do homem, na cidade e no campo, diretamente associada à qualidade do ar, da água e do solo, é preciso, portanto, enfatizar que há um forte e importante vetor econômico associado. Compartimentos deteriorados significam custos elevados com saúde, com mortalidade, com degradação biológica e, muito importante, com privação de elementos básicos para a vida, como água limpa e alimentos de qualidade. Dessa forma, estabelecer tecnologias para uma interação harmônica entre o homem e esses compartimentos da biosfera é de vital importância. A ONU reconheceu essa condição e estabeleceu 17 objetivos de desenvolvimento sustentável que perpassam, direta ou indiretamente, pelos três compartimentos. Em boa medida, as diretrizes para ciência, tecnologia e inovação voltadas para a qualidade integral do ar, água e solo, descritas a seguir, dependem de um elemento essencial: educação. É preciso que a sociedade, em todos os níveis, esteja preparada para se apropriar das informações socializáveis originadas nas bancadas dos laboratórios. Neste caso, a educação precisa estar fortemente conectada com a cultura e as características ambientais de cada lugar do vasto território brasileiro, desde os níveis fundamentais. Em 2013, a International Agency for Research on Cancer (IARC) da Organização Mundial de Saúde (OMS) concluiu que a poluição do ar é carcinogênica para seres humanos e que a contribuição dos particulados atmosféricos (é maior do que qualquer outro poluente, além de apresentar uma relação direta com o aumento da incidência de câncer. A poluição do ar também tem efeitos deletérios nos ecossistemas e contribui para o aumento do efeito estufa. O grande crescimento das atividades industriais e a utilização de combustíveis fosseis no transporte urbano e de mercadorias são fatores que contribuíram de forma significativa para a deterioração da qualidade do ar. Ar de boa qualidade é fundamental (CAA-Clean, Air Act, USA). A atmosfera de hoje é diferente daquela que existiu antes da Revolução Industrial (1760). Onde os níveis de poluição são mais intensos, como nos grandes centros urbanos, o efeito sobre a vida é devastador. A OMS estima que mais de 7 milhões de mortes por ano estejam associadas à exposição à poluição do ar no mundo. Os impactos sobre a saúde incluem uma grande variedade de efeitos que são influenciados por idade, sexo e presença de doenças preexistentes no indivíduo exposto: doenças cardiorrespiratórias, doenças neurodegenerativas, diminuição da fertilidade e câncer. Além do homem, os demais seres vivos são igualmente afetados pela continua deterioração da qualidade do ar. Dessa forma, é preciso definir uma agenda “Ar de qualidade”, que inclua diagnóstico e monitoramento da qualidade do ar no território brasileiro, mas que vá além das informações básicas e proponha ações para a redução da emissão de poluentes (e não só de gases de efeito estufa-GEE). Evidentemente que essas ações envolvem toda a cadeia social, posto que em muitos casos envolverá mudança de cultura. É preciso que o Brasil tenha um efetivo “Clean Air Act” concebido de acordo com as nossas características industriais, de transporte, da agricultura. A questão das mudanças climáticas tem de ser considerada nesse contexto, já que o aquecimento global pode intensificar o efeito de agentes poluentes diversos. Isso per se representa um desafio para os planejadores urbanos e para a elaboração de políticas que enfrentem o crescimento das cidades, inclusive as de pequeno porte que apresentarão expansões mais significativas. É preciso ter claro que transporte ativo não é apenas um meio de reduzir a poluição do ar e as mudanças climáticas em médio e longo prazos, mas também uma forma de melhorar a saúde de milhões de pessoas em curto prazo. Acrescente-se que melhorará também a qualidade de vida da biota urbana e peri-urbana, com um maior equilíbrio natural dos agentes transmissores de doenças. O desenvolvimento de tecnologias de última geração para o monitoramento da qualidade do ambiente aéreo (biótico e abiótico), para a identificação das fontes poluidoras e para a redução das emissões em geral é, por isso, de fundamental importância. O Brasil possui acesso a uma vasta área hídrica continental e oceânica. Há três recortes principais para o subcompartimento água continental: a) disponibilidade; b) qualidade; e c) uso (e reuso). Ainda que o Brasil possua uma vasta malha hídrica continental, que inclui uma das maiores reservas de água do planeta, a Amazônia, há significativos espaços territoriais sem a devida disponibilidade de água, quer seja por conta de características geográficas, quer seja por ausência de distribuição adequada. Uma agenda “água para todos” é possível e deve ser desenhada. Para que tal objetivo seja alcançado, métricas que possibilitem uma avaliação precisa, confiável e acessível da disponibilidade hídrica regional mostram-se essenciais. Neste contexto, os mananciais de água subterrânea podem contribuir, desde que devidamente avaliados. Intervenções artificiais para transposição de sistemas hídricos devem ser consideradas apenas depois de profunda análise científica. A progressiva degradação da qualidade da água, em muitos casos conectada com a degradação do solo e do ar, requer atenção em vários níveis: científico, tecnológico, econômico e social. Mas dentre todos os fatores, a falta de saneamento é certamente aquela de maior impacto. Portanto, soluções tecnológicas que contribuam para a implantação de um programa abrangente de saneamento básico terão efeito direto na disponibilidade de água de qualidade e devem, portanto, ser priorizadas. Modelos para a avaliação das águas continentais precisam ser expandidos para todo o território e a legislação sobre qualidade precisa ater-se às características nacionais e locais. As águas com altos níveis de carbono orgânico dissolvido, ácidas e pobre em íons requerem regras específicas de manejo, por exemplo. Um outro ponto relevante refere-se à poluição aquática por medicamentos. Antibióticos, anticoncepcionais, pesticidas, herbicidas e outras drogas usadas na agricultura têm efeito devastador sobre a fauna aquática. Da mesma forma, é preciso que a ciência e a tecnologia contribuam com a redução da quantidade de chorume que atinge rios e lagos. Ainda, sob este aspecto, a mineração, em particular a mineração de petróleo em ambientes continentais e a agricultura representam um perigo ambiental significativo, ainda não adequadamente avaliado. O Brasil, principalmente os grandes centros urbanos brasileiros, requer o desenvolvimento de um programa consistente acerca do uso e reuso da água. Evidentemente, informações robustas são necessárias para o desenho de políticas adequadas para esse contexto. Por fim, a manutenção de reservas hídricas adequadas depende primariamente da proteção de nascentes e de florestas ripárias. Para isso, é preciso não só um enforcement para uso das informações existentes, mas também desenvolvimento de estratégias robustas para recuperação de áreas degradadas. As águas oceânicas, em contraste numa outra ordem de magnitude, constituem um capítulo a parte e requerem uma agenda específica, que vai desde a capacitação de pessoal de alto nível até o contínuo monitoramento das águas costeiras no que se refere a interação com os desequilíbrios continentais, que têm efeitos significativos sobre a vida marinha. O terceiro compartimento, o solo, guarda igualmente íntima relação com os outros dois compartimentos, influenciando as suas qualidades e sendo influenciado por ambos. Como o homem ocupa majoritariamente este compartimento, uma boa parte dos efeitos antrópicos que atinge os dois outros compartimentos tem origem no solo. Os conceitos modernos sugerem que os cuidados com o solo precisam ser mais amplos, precisam ir além dos cuidados voltados para produtividade convencional e incluir as amplas funções do solo para ecossistemas agrícolas e para ecossistemas naturais. Regulação de fluxo hídrico, emissão de gases de efeito estufa, atenuação de efeito de poluentes e regulação da qualidade do ar e da água são funções primárias que vêm sendo perdidas em solos degradados. Ampliar o estudo das funções dos solos brasileiros e mapear aptidões e usos é de central diante dos imensos desafios não só para a produção de alimentos, mas para a recuperação de áreas degradadas, em particular na Amazônia, e para a qualidade de vida do homem. O potencial uso do solo depende da combinação de atributos biológicos, químicos e físicos e, também, da interação com os dois compartimentos retromencionados. Proteger o solo é fundamental para a vida. Proteger o solo deve, portanto, significar proteger sua capacidade de manter várias funções simultaneamente: produção de alimentos; fibras e combustíveis; armazenamento de nutrientes e carbono; filtração, purificação e estoque de água; oxidação e redução de poluentes orgânico e inorgânicos; armazenamento e degradação de lixo; e manutenção da estabilidade e resiliência ecossistêmica. Muito há que avançar no conhecimento dessas funções dos solos brasileiros. Além desses aspectos, há que se considerar questões relacionadas a erosão, compactação, salinização, acidificação e poluição com produtos químicos de difícil degradação que acabam por inutilizar amplos espaços. Como esses aspectos interagem de formas diferentes nos diferentes ecossistemas brasileiros é preciso considerar as resultantes para as diferentes regiões do Brasil, sem generalizações, o que requer continuado processo de produção de informação e sua socialização. Finalmente, há de se considerar que as tecnologias digitais (big data, robótica, internet das coisas, manufatura 3-D) para a informação, a comunicação e a manufatura são, de forma crescente, vetores de inovação e de competitividade. Dessa forma, programas voltados para a qualidade do ar, do solo e da água podem se beneficiar de um gerenciamento otimizado por meio do uso ampliado dessas tecnologias. Diversas variáveis ambientais podem ser medidas e monitoradas, em tempo real, por meio de sensores distribuídos em amplos territórios. Os dados coletados podem, por sua vez, ser tratados, analisados e utilizados para à tomada de decisão. Modelos e simulações de caráter preditivo podem ainda ser incorporados visando promover uma gestão inteligente e de longo-prazo.

Coordenadores
Adalberto Luís Val
Virgínia Ciminelli

Participantes
Carlos Tucci
Daniel Vidal Pérez
Evaldo Vilela
Fábio Scarano
José Roberto Boisson 
Luiz Roberto Guimarães Guilherme
Paulo Artaxo
Paulo Saldiva
Silvio Crestana
Wolfgang Junk