Leia matéria do MCTI de 24 de janeiro:

No interior da Antártica, em uma região conhecida como deserto polar, a mais de 2 mil km ao sul da Estação Antártica Comandante Ferraz, distância similar ao percurso em linha reta de Brasília (DF) a Porto Alegre (RS), está instalado o novo módulo de coleta de dados ambientais, chamado de Criosfera 2. O equipamento brasileiro repleto de sensores registra diferentes informações ambientais, incluindo dióxido de carbono (CO2), ininterruptamente, 24 horas por dia ao longo de 365 dias do ano. Os dados são utilizados pela comunidade científica brasileira e global para aprimorar os modelos climáticos e compreender o papel da Antártica no clima, principalmente em relação ao Atlântico Sul e a América do Sul.

“A Antártica é tão importante quanto a Amazônia para o clima do planeta”, afirma o glaciologista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jefferson Simões, sobre a importância da ciência antártica para o sistema climático. O pesquisador que liderou a maior expedição científica brasileira ao interior do continente gelado destaca que a Antártica influencia a circulação atmosférica e oceânica até os trópicos, e por consequência, o clima no Brasil. O inverso também ocorre. “Gosto de enfatizar esse aspecto, pois alguns falam que a Antártica está longe. Não, a Antártica é logo ali e nos afeta”, afirma o cientista destacando que o Brasil é o sétimo país mais próximo do continente antártico.

O Criosfera 2 será ligado a uma rede de dados ambientais entre os Andes tropicais e a Antártica, importante para investigar as origens e a intensificação de eventos extremos como tempestades severas, estiagens, ondas de calor e frio, no atual cenário de mudanças climáticas.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) investiu R$3,5 milhões na operação que durou 36 dias, se iniciou em 04 de dezembro e encerrou em 09 de janeiro. O grupo formado por 12 pesquisadores estava subdividido em três acampamentos instalados sobre o manto de gelo: na geleira da Ilha de Pine, onde foram coletadas amostras de neve e gelo, em uma profundidade de cem metros; próximo das montanhas Ellsworth, cadeias montanhosas mais altas daquele continente; e junto ao módulo Criosfera 1, localizado mais perto do Polo Sul Geográfico, responsável por mediar, entre outros dados, a radiação ultravioleta e poluentes atmosféricos.

“O aporte orçamentário para a instalação e manutenção dos módulos científicos Criosfera 2 e 1 propicia a continuidade e o fortalecimento das pesquisas já executadas no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera”, explica a coordenadora de Mar e Antártica do MCTI, Andrea Cruz. “A sociedade se beneficia com a divulgação desses dados para subsidiar políticas públicas que melhorarão a qualidade de vida de todos”, complementa Cruz, referenciando que as pesquisas são conduzidas em rede, com participação de cientistas brasileiros de diferentes regiões do Brasil e da comunidade internacional. A coordenadora relata que os dados providos a partir das pesquisas na Antártica provêm à comunidade científica ferramentas para o novo plano estratégico brasileiro sobre a ciência antártica, que é elaborado pelo Comitê Nacional de Pesquisas Antárticas (CONAPA).

Desafios do deserto polar

Simões descreve que toda a missão foi realizada no interior do continente antártico e envolveu uma árdua rotina de trabalho. As temperaturas no interior do continente durante o verão austral ficaram em torno de -24°C. No entanto, a sensação térmica chegou a -40C em momentos de nevasca. Essa é a temperatura média no inverno naquela região.

“É um ambiente muito mais agressivo que a periferia da Antártica, onde as temperaturas estavam mais amenas, em torno de -3°C”, compara o cientista. 

O deserto polar também apresenta risco à saúde dos pesquisadores. As temperaturas negativas podem levar à hipotermia e a baixa umidade do ar à desidratação. Não houve nenhum caso ao longo da expedição. No entanto, assim como outros integrantes do grupo, Simões ficou com as pontas dos dedos queimadas pelo frio intenso, em especial causada pela manipulação dos testemunhos de gelo, em geral a -30°C. A baixa temperatura é agravada pelos equipamentos necessários para a escavação. A pele pode aderir ao metal e ser arrancada.

Os pesquisadores acamparam durante um mês no deserto gelado. Hipotermia e desidratação são alguns dos riscos do ambiente extremo (Fotos: Centro Polar e Climático, UFRGS)

Reconstrução da história do clima e projeções futuras 

A saga dos pesquisadores para chegar aos locais de acampamento e manterem-se por mais de um mês dentro de barracas sobre o gelo em condições  tão inóspitas, é justificada pelas características peculiares que a região oferece para a realização de pesquisas. De acordo com Simões, o ambiente é considerado o “lugar mais limpo do mundo”, propiciando o ambiente ideal para coleta de dados ambientais, que são fatores que afetam o clima do planeta. “As concentrações de GEE na Antártica, por exemplo, são uma média do globo. Se estamos mudando a concentração de dióxido de carbono global, isso vai aparecer na Antártica. São as medidas de referência”, detalha. A partir disso é possível compreender melhor e modelar projeções com cenários futuros sobre mudanças climáticas.

O módulo Criosfera 2, laboratório automatizado para coleta de dados ambientais, foi instalado em um sítio propício para a investigação das mudanças climáticas na Antártica e conexões do tempo meteorológico e clima no Sul do Brasil.  O módulo foi fixado sobre uma calota de gelo – Skytrain Ice Rise que tem 600 m de espessura de gelo, ao sul do mar de Weddell, com vista para a montanha mais alta da Antártica, o maciço Vinson, 4.897 metros de altitude. “É a partir dessa região que as massas de ar frio provenientes do platô polar abastecem o mar de Weddell, no oceano Austral, no inverno, e são responsáveis pela intensificação dos eventos extremos e ondas de frios no Sul do Brasil”, explica Simões. O local escolhido para instalação também fomentar estudos em áreas do conhecimento como glaciologia – que estuda o manto de gelo-, geologia, geofísica e até astronomia.

O novo módulo Criosfera 2 já está operando (Foto: Centro Polar e Climático, UFRGS)

O que os pesquisadores já descobriram é que é sobre o mar do entorno do continente antártico que se formam as frentes frias que chegam ao Brasil. Nesse mar  ocorre o fenômeno ambiental de maior variação em área ao longo de um ano: a extensão do mar congelado. No inverno ele atinge 20 milhões de km2, e descongela no verão, reduzindo para até 2 milhões de km2. A extensão ou redução desse mar congelado determina a intensidade e a frequência das massas de ar frio que podem adentrar a Patagônia ou o Atlântico Sul e avançar sobre o continente sul-americano, chegando até o sul do Acre.

Os testemunhos de gelo coletados a mais de cem metros de profundidade são utilizados para investigar a história do clima do planeta. Por meio das  amostras de neve precipitadas ao longo dos centenas de anos é possível compreender como era o clima do planeta antes da Revolução Industrial. “Foi por meio desses testemunhos de gelo que a comunidade científica internacional comprovou a variação dos gases de efeito estufa ao longo do tempo”, informa Simões. Os GEE começaram a ser medidos na atmosfera só em 1958, dados mais antigos só são obtidos pelos testemunhos de gelo.

Outra linha de investigação dos pesquisadores brasileiros na Antártica está buscando detectar se subprodutos das queimadas, em especial provenientes da Amazônia e da África, estão chegando até a Antártica. A identificação do ‘carbono negro’, no jargão científico, detectado a partir de micropartículas de combustão incompleta de vegetação e combustíveis é alvo de estudos. Simões estima que ainda serão necessários cerca de dois anos para obter resultados concretos.

Os pesquisadores também efetuam medições das dimensões das calotas de gelo que, com ajuda de satélites, a sobre a resposta das geleiras às mudanças climáticas. De acordo com Simões, há o risco real de o derretimento entre 1% e 5% das extremidades de gelo que recobre o continente antártico nos próximos oitenta anos. Se isso se confirmar, o nível do mar poderá aumentar em 60 cm na costa brasileira, região que abriga a maior parte da população brasileira. “Precisamos entender o comportamento desse gelo e o que pode ocorrer nas próximas décadas”, afirma o pesquisador.

Participaram da missão pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) e do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). O Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) é coordenado pela Secretaria Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM). A expedição contou com financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com recursos do Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia (FNDCT) por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS).

Assista ao documentário sobre os 40 anos de pesquisa brasileira na Antártica