Neste 2 de janeiro de 2023, dia do sanitarista, a membra titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Nísia Trindade Lima tomou posse como ministra da Saúde em Brasília, após ter integrado a equipe de transição para a área. A Acadêmica é a primeira mulher a ocupar o cargo desde sua fundação, há 70 anos, e assume com a missão de reconstruir a pasta após quatro anos conturbados.  A gestão anterior ficou marcada por sucessivas trocas de comando e por uma profunda irresponsabilidade durante a maior crise sanitária da história recente brasileira.

Nísia Trindade fala pela primeira vez como ministra da Saúde

Nísia Trindade foi presidente da Fundação Oswaldo-Cruz (Fiocruz) de 2017 a 2022, liderando a entidade durante a pandemia do novo coronavírus. Ela foi responsável pela criação do Observatório da Covid-19, rede transdisciplinar de pesquisa e levantamento de dados epidemiológicos que monitora a circulação do vírus no país, e esteve à frente das negociações que resultaram na parceria com a Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca para a produção do imunizante contra a doença.

A Acadêmica também foi diretora da Casa de Oswaldo Cruz (1998-2005) e vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz (2011-2016). É doutora em Sociologia e mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), graduada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora de produtividade de nível superior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Fortalecimento do SUS

Em seu discurso de posse, Trindade foi enfática ao defender Sistema Único de Saúde (SUS), que está enfraquecido e desarticulado de acordo com o diagnóstico da equipe de transição. “O SUS ainda gasta quatro vezes menos por paciente que o setor privado”, lembrou Nísia, “fortalecer o SUS com os recursos necessários, recuperando o papel do Ministério na coordenação nacional da política de saúde é a grande prioridade da nossa gestão”, afirmou.

Dentre os programas que vêm sofrendo com a falta de verbas, o Farmácia Popular foi destacado como crucial para garantir o acesso universal à saúde, e deve ganhar mais estabilidade institucional. “Também foram desestruturados outros programas de sucesso, como o Mais Médicos, a Estratégia de Saúde da Família, o Plano Nacional de Imunizações, programas de saúde básica, de saúde da mulher, das populações indígenas e da população negra”, exemplificou.

Para cumprir com todos esses objetivos, Nísia se comprometeu a realizar uma gestão tripartite, ou seja, colaborativa com os demais entes federativos. “Nosso trabalho será conjunto com os conselhos de secretários estaduais e municipais de saúde, valorizando o controle social exercido por meio do Conselho Nacional de Saúde (CNS)”, destacou.

Revogação de medidas anticiência

Nísia Trindade teceu duras críticas ao governo que se encerrou em 31 de dezembro, o qual classificou como “um período de obscurantismo, de negação da ciência, da cultura e de valores emancipatórios”. Nesse sentido, a nova ministra prometeu revogar, nos próximos dias, portarias e notas técnicas “que ofendam a ciência, os direitos humanos e os direitos sexuais e reprodutivos”, como a nota que autorizava a prescrição da hidroxicloroquina para o tratamento de Covid-19.

Na mesma linha, também devem ser revogadas as portarias que retiraram recursos e desmontaram as redes de cuidado psiquiátrico, como a Rede de Atenção Psicossocial (Raps). “A agenda da saúde mental voltará a se alinhar com a reforma psiquiátrica brasileira e as produções coletivas da luta antimanicomial, garantindo políticas de cuidado integral e humanizado no SUS”, enfatizou.

Soberania nacional em saúde

A nova ministra também se comprometeu com o desenvolvimento do complexo econômico-industrial da saúde brasileiro, para que o país não dependa de importações durante emergências, como ocorreu na pandemia. A proposta faz parte do documento com diretrizes para os presidenciáveis, lançado pela ABC em junho de 2022.

“Há muito tempo afirmávamos a necessidade de termos autonomia na produção de vacinas, fármacos, equipamentos e demais materiais hospitalares”, lembrou Trindade, “a pandemia desnudou nossa vulnerabilidade. ‘O rei está nu’, precisamos dizer sem nenhuma tergiversação, e superarmos essa condição”. Para a nova ministra, o Brasil deve almejar produzir pelo menos 70% de seus insumos e produtos de saúde em solo nacional, e esse processo deve acontecer de forma integrada ao SUS, para garantir o acesso universal.

Outro ponto que dialoga com as sugestões levantadas pela ABC é a preparação do sistema de saúde brasileiro para a transição digital. Uma nova secretaria focada em informação e saúde digital foi criada e ficará sob o comando de Ana Estela Haddad.

Saúde indígena

Ao final do discurso, a nova ministra fez questão de lembrar a emergência de saúde que enfrentam os povos Yanomamis na Região Norte. Há meses entidades indigenistas e socioambientais vêm alertando para uma tragédia em curso, resultado da combinação do avanço do garimpo e do abandono estatal. Estima-se que a mortalidade infantil nas terras Yanomamis já é dez vezes maior que no resto do país, devido sobretudo à malária e à desnutrição.  Trindade anunciou uma ação imediata junto a essas populações, mas lembrou que “a política de saúde não pode ser a única a chegar nessas regiões”.

Para chefiar a Secretaria de Saúde Indígena foi nomeado o advogado e líder indígena do Ceará, Weibe Tapeba.

Assista a cerimônia completa: