Leia a entrevista do presidente da ABC, Luiz Davidovich, para Larissa Lopes, da revista Galileu: 

Era o ano de 1994 quando o físico Luiz Davidovich empacotou seus pertences e se despediu do cargo de professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Não era um simples “adeus”, afinal, ele já tinha um vínculo de quase três décadas com a instituição.

Tudo começou em 1965, quando ingressou na graduação em física da universidade. Doze anos mais tarde, logo após defender sua tese de doutorado na Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, e concluir um pós-doutorado na Suíça, ele foi aprovado para o cargo de professor assistente na PUC-Rio. Em 1993, conquistou o almejado cargo de professor titular. Por que, então, o abandonou? A resposta: falta de investimentos em ciência.

Mas os livros e experimentos de Davidovich ganharam novo endereço: a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde fora aprovado em um concurso público de professor titular, cargo que ocupa até hoje. Na UFRJ, as perspectivas eram outras, e o físico foi atraído pelos novos laboratórios, que contavam com equipamentos de ponta para realizar pesquisas em suas áreas de especialidade, a óptica quântica e a informação quântica.  Na federal, Davidovich e seus colegas realizaram experimentos que chegaram a ser publicados nas principais revistas científicas do mundo, como Science e Nature.

Reconhecimentos não pararam de pipocar desde então: em 2002, ele recebeu o Prêmio de Física da Academia de Ciência do Terceiro Mundo (TWAS, na sigla em inglês), uma honraria que até então só outros dois físicos brasileiros haviam ganhado: César Lattes e Jayme Tiomno. Davidovich conquistou medalhas, bolsas no exterior como fellow e tornou-se membro de diversas associações em prol da ciência. Em 2021, foi reconhecido como professor titular emérito da UFRJ.

Mas, ao mesmo tempo em que viu sua carreira deslanchar no exterior, também vivenciou a chegada de cortes em investimentos em instituições públicas. Hoje, ele preside a Academia Brasileira de Ciências (ABC), onde luta pelas demandas de cientistas Brasil afora, cobrando autoridades para que seja dado o devido valor (simbólico e financeiro) às áreas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) no país.

À Galileu, Davidovich fala sobre como a falta de recursos afetou a carreira de milhares de pesquisadores brasileiros, o que o país está perdendo ao deixar de investir em ciência e as consequências de cortes feitos durante o atual governo de Jair Bolsonaro.

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Pela sua experiência como pesquisador, professor e presidente da ABC, de que maneira a escassez de recursos vista hoje na ciência brasileira afeta a carreira de jovens cientistas no país?

A situação que estamos vivendo hoje em dia é de desestímulo à atividade científica. Ironicamente, isso está ocorrendo em plena pandemia, enquanto a população vê que a ciência é importantíssima para combater o coronavírus e salvar vidas. Aqui no Brasil, laboratórios das mais diversas áreas mudaram o foco de suas pesquisas para conter a Covid-19. Vimos centros de engenharia criando respiradores mais potentes e acessíveis, pesquisadores da ciência dos materiais fabricando máscaras mais eficazes… Tudo para favorecer a população. Exatamente nesse período, sofremos golpes que vão de cortes orçamentários a discursos negacionistas e fake news. Isso está desestimulando os jovens pesquisadores, e muitos deles estão saindo do país por conta da falta de incentivo à ciência e inovação por parte do governo central. Isso me preocupa muito, porque nós precisamos deles. Eles são o futuro da ciência no Brasil.

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Não é contraditório que um corte dessa proporção seja feito a pedido do Ministério da Economia a um órgão que pode gerar mais ganhos ao país? Essa redução pode se traduzir também em prejuízos econômicos?

Se você entender que a economia brasileira deve ser contemporânea, baseada na produção de produtos de alta tecnologia e conhecimento, sim, isso é contraditório. Acredito que esse equívoco seja fruto de uma visão míope, a curto prazo. Para entendermos como a ciência funciona a longo prazo, é só pararmos para pensar em grandes instituições científicas como a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantan, que foram fundados em 1900 e 1901, respectivamente. Quero fazer um comentário também de que não é só o Ministério da Economia que está envolvido nessa decisão — e é bom apontar de quem são as responsabilidades. Os orçamentos levados ao Congresso são definidos pela Junta Orçamentária, uma espécie de triunvirato do qual participam o Ministério da Economia, a Secretaria de Governo e a Casa Civil. Essas duas últimas fazem parte do Palácio do Planalto e somam dois votos nessa tríade. Mesmo que a sugestão de modificação do PLN 16 [projeto de lei que visava R$ 690 milhões ao CNPq] tenha saído do Ministério da Economia, imagino que ela tenha passado pela Junta Orçamentária. Por isso, a comunidade científica cobra não somente o ministro da Economia, Paulo Guedes, como também o Ciro Nogueira [ministro-chefe da Casa Civil] e a Flávia Arruda [ministra-chefe da Secretaria de Governo do Brasil]. É essa tríade que determina o orçamento do país — e, ao cortar da ciência e da tecnologia, está destruindo nosso futuro.

Na sua opinião, quais outras medidas têm ameaçado o desenvolvimento da ciência brasileira?

Já falamos de uma contradição, agora vamos citar outras. No início do ano, o Parlamento aprovou por ampla maioria um projeto de lei [177/2021] que proibia o contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [FNDCT]. O Presidente da República, no entanto, vetou o item. O projeto voltou ao Congresso, que derrubou o veto presidencial e promulgou a lei que impedia o bloqueio de recursos desse fundo. Mas essa decisão foi praticamente anulada em virtude do que aconteceu logo depois. Às pressas, o governo enviou para o Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional [PEC] que foi aprovada no mesmo dia e determinou que o superávit de todos os fundos fosse recolhido ao Tesouro no fim do ano. Isso contraria o propósito do FNDCT, cujo superávit deveria passar automaticamente para o ano seguinte. Esse foi o primeiro golpe. O segundo veio com uma alteração repentina na Lei de Diretrizes Orçamentárias que permitiu que recursos do FNDCT fossem contingenciados. Isso está gerando uma instabilidade e uma falta de confiança na lei. Afinal, qual delas será seguida? O que acontecerá amanhã, durante a madrugada? É uma insegurança jurídica e uma insegurança em relação ao futuro sustentável do país.

Como esses investimentos poderiam dar frutos ao Brasil?

Sendo abrigo de 20% da biodiversidade de todo o planeta, nosso país poderia ser uma potência em bioeconomia. Poderíamos produzir e exportar medicamentos baseados em substâncias extraídas de plantas nativas, agregando valor à nossa balança comercial e favorecendo a população. Um exemplo disso é a bergenina, glicosídeo com poder anti-inflamatório e antioxidante presente no fruto e no caule do uxi-amarelo, uma planta medicinal amazônica. No Brasil, o laboratório Merck vende o miligrama da bergenina por cerca de R$ 1 mil, valor 8 mil vezes maior que o miligrama de ouro. Ou seja, a biodiversidade é o nosso ouro. Por isso precisamos lutar contra o desmatamento e as queimadas, que estão destruindo a fonte de riqueza das próximas gerações e modificando o nosso clima. Outro programa científico e econômico que seria um ótimo investimento para o Brasil é o de energias renováveis. Deveríamos investir muito mais em energia solar e eólica não só para uso interno, mas também para exportação. Nanotecnologia e biotecnologia são outros ramos promissores. Enfim, temos muito para fazer neste país, mas, infelizmente, aqueles que estão controlando nossa política econômica nacional não estão vendo isso. O que falta ao Brasil é vontade política e pensamento econômico de longo prazo, porque competência científica já temos aqui.

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Leia a entrevista completa no site da revista Galileu.