Participantes do segundo workshop da série “Desafios e realidades da comunicação pública da ciência na América Latina e no Caribe”.

Na última sexta-feira, 10 de setembro, ocorreu o segundo workshop da série “Desafios e realidades da comunicação pública da ciência na América Latina e no Caribe”, organizada pela Academia Joven de Argentina (AJA), em conjunto com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o TWAS Lacrep (braço da Academia Mundial de Ciências para a América Latina e o Caribe) e a TWAS Young Affiliates. O tema da vez foi “Direito a ciência. Por que é importante comunicar ciência na América Latina e Caribe”.

O evento foi moderado pela socióloga Maria Eugenia Conforti (Argentina) e teve como palestrantes o economista Guillermo Anlló (Argentina), o sociólogo Yurij Castelfranchi (Brasil), a jornalista de ciência Cecilia Rosen (México) e o biólogo Diego Golombek (Argentina).

Ciência aberta como garantia do direito humano à ciência

Guillermo Anlló é especialista da Unesco em políticas de ciência e tecnologia na América Latina e Caribe, com foco no papel da CT&I no desenvolvimento nacional. O economista começou lembrando que o acesso ao conhecimento e seus benefícios é garantido na Declaração Universal dos Direitos Humanos e que a ciência aberta é crucial para concretizá-lo.

A Agenda 2030 da ONU, que estabelece metas para o desenvolvimento sustentável nesta década, só poderá ser cumprida com investimento em pesquisa. “Hoje enfrentamos três desafios globais: a transição de matriz energética, mudanças climáticas e uma densidade demográfica absolutamente inédita na história da humanidade. Esses problemas só podem ser combatidos com mais ciência e tecnologia”, alertou Guillermo.

Para garantir o direito à ciência, o palestrante reforçou a importância da educação científica de qualidade, destacando o papel da comunicação como a engrenagem que liga a pesquisa profissional à sociedade e, portanto, parte integrante do trabalho científico

“O direito à ciência é um direito possibilitante, no sentido em que dá acesso a outros direitos, como saúde e educação”, sumarizou.

Confiança, cidadania, desinformação: como renovar a comunicação de ciência na América Latina

Yurij Castelfranchi, coordenador do Curso de Especialização em Comunicação Pública da UFMG e um dos coordenadores do Intituto nacional de CIência e Tecnologia para COmunicação de Ciência , abordou o problema da desinformação como um entrave para o direito pleno à ciência. A partir da experiência brasileira, o pesquisador enfatizou que a desconfiança quanto aos produtos científicos não se deve a mera ignorância, mas à atuação de grupos coordenados que investem na má informação.

“Não é um problema apenas de falta de informação, mas da produção articulada de desinformação. A solução não é somente injetar mais informação, mas sim agir politicamente, discutindo a regulamentação das plataformas para coibir a propagação de inverdades”.

O sociólogo destacou também que, apesar de tudo, os cientistas ainda são reconhecidos pela maioria da população como agentes confiáveis e detentores de uma autoridade cultural maior que políticos ou líderes religiosos. “Os grupos negacionistas ainda são minoritários, e têm muito mais ligação com posições políticas e morais do que com fatores socioeconômicos e de acesso à educação”, lembrou.

A comunicação científica, nesse contexto, não deve ser entendida como solução para a desinformação, mas como parte do ecossistema por onde ela pode proliferar. Nesse sentido, é crucial que se invista na capacitação, inclusive ética, de comunicadores. Além disso, foi sugerido também que se estimule uma cultura de ciência, com seus valores e modos de pensar próprios, e não somente a divulgação de resultados esporádicos.

“A comunidade científica deve tratar o público geral como aliado na difusão do conhecimento. São agentes ativos, complexos e que devem ser melhor compreendidos. É preciso reconstruir com a sociedade um pacto mútuo de confiança”, concluiu.

A ciência nas mídias tradicionais

A jornalista Cecilia Rosen, especializada em cobertura científica, trouxe uma análise prática de como a ciência é abordada nos jornais de grande circulação, a partir de sua experiência no México. Ela destacou que, mesmo com o destaque alcançado na pandemia, a ciência por muitas vezes continua sendo deixada de lado, sobretudo quando não relacionada a Covid-19.

Cecilia avalia que o jornalismo especializado ainda é pequeno e que a cobertura da mídia tradicional ainda mantém muitos vícios que resultam numa má comunicação científica. Segundo ela, ainda se verifica na grande imprensa abordagens feitas a partir de apuração rasa, ouvindo poucas fontes e se sustentando apenas no argumento de autoridade, o que acarreta num olhar pouco crítico e muitas vezes sensacionalista.

“Há muito espaço para análises mais complexas e multifatoriais. Para um melhor jornalismo precisamos fazer perguntas mais elaboradas e que dialoguem com o interesse público, verificando mais de um artigo e contrastando os dados. Falta dar continuidade para as histórias que começamos a contar, o trabalho é, muitas vezes, apenas de empilhar resultados”, analisou.

Contando a ciência

O biólogo e divulgador científico Diego Golombek começou sua fala propondo uma análise profunda do que exatamente prega o direito à ciência, conforme entendido pela ONU. Ele fez uma importante distinção entre ciência e pesquisa científica, argumentando que esta última compreende apenas a ciência profissional e que a primeira é toda uma filosofia para analisar o mundo. Uma vez compeendida essa questão, devemos nos perguntar: o que exatamente temos em mente quando pensamos o direito à ciência?

Nesse sentido, o palestrante trouxe um dado preocupante: por mais que a ciência ainda possua uma credibilidade considerável perante a população, na América Latina a maior parte dos indivíduos não sabe citar o nome de uma instituição científica sequer. Essa desconexão é um entrave para o direito à ciência, sobretudo se compreendido em seu sentido mais amplo. “Para exercer esse direito fundamental, é preciso conhecer a ciência, suas instituições e valores”, alertou.

Diminuir esse abismo entre a comunidade científica e o público geral requer entender a comunicação da ciência como continuação do trabalho de pesquisa, contando essas histórias de uma forma acessível. Para isso, é necessário mais do que nunca comunicadores profissionais.

Diego reforçou a preocupação com a desinformação organizada, que traz à tona ciência de má qualidade e fraudulenta. Para ele, o público ainda é muito suscetível ao argumento de autoridade, o que é perigoso num cenário em que a falta de conhecimento do ecossistema científico dificulta a identificação de fontes confiáveis.

Por fim, o direito à ciência foi analisado à luz de outros direitos já melhor estabelecidos, como o direito à arte, à cultura e a prática esportiva. Foi destacado que esses exemplos podem servir de guias na luta pela ciência como direito universal.

Discussão: cidadania científica

Após as apresentações, o espaço foi aberto para perguntas do público em um rápido debate. Foram abordados diversos temas que convergem em um ponto importante: a criação de uma cultura e cidadania científica.

Com relação a povos marginalizados, como indígenas e outras minorias étnicas que sofrem com os avanços da desinformação relacionada à pandemia, foi destacada a importância de identificar atores dentre desses próprios grupos capazes de difundir a ciência de qualidade.

Yurij alertou que “os objetivos de grupos organizados não é apenas difundir uma mentira esporádica, mas abalar a confiança nas fontes tradicionais de informação. Para combatê-los precisamos reconstruir atores confiáveis dentro das comunidades. Não basta apenas dizer a verdade, mas fazer essas minorias participarem do processo”.

Essa construção de uma cultura pautada no conhecimento não se restringe apenas a grupos marginalizados. É preciso que a própria comunidade científica, em seu sentido mais amplo, participe do processo. “O jornalismo científico, por exemplo, têm adotado uma postura passiva na maior parte do tempo. Isso não contribui para criação de pensamento crítico e pode gerar desconfiança no longo prazo”, argumentou Cecilia.

Os participantes foram unânimes ao dizer que os cientistas precisam de uma maior organização enquanto profissão, para que a comunidade científica seja de fato um ator de impacto no diálogo com o resto da sociedade.


Assista o workshop do dia 10/9 na íntegra.

Leia a matéria sobre o encontro do dia 3/9.

Assista o workshop do dia 3/9 na íntegra

O evento Desafios e realidades da comunicação pública da ciência na América Latina e no Caribe” continuará acontecendo em todas as 6as feiras do mês de setembro, no s dias 22 e 29/9. Fique atento!