Os Acadêmicos participantes do webinário em memória de Oswaldo Luiz Alves: Fernando Galembeck, Aldo Zarbin, Maria Vargas e Jailson de Andrade

 

No dia 31 de agosto, o 44º webinário da ABC celebrou a vida e a obra do químico Oswaldo Luiz Alves, morto em 10 de julho último. Alves foi um cientista mundialmente reconhecido por suas pesquisas inovadoras na química do estado sólido e na nanotecnologia, realizadas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Lembrado por muitos como um líder nato, era vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) para a Região São Paulo e membro ativo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), onde exerceu um papel marcante. Amante de sua profissão, a família e do jazz, Oswaldo Luiz Alves deixou um legado de inovação, perseverança e, sobretudo, cumplicidade e afeto com os colegas de laboratório.  

Ao longo do evento, Acadêmicos recordaram a trajetória do grande cientista, momentos compartilhados e os mais memoráveis feitos de sua carreira.  A sessão foi moderada por Jailson Bittencourt de Andrade, vice-presidente da ABC para a Região Nordeste e Espírito Santo, e reuniu os membros titulares Aldo Zarbin, Maria Vargas e Fernando Galembeck – três químicos que conviveram com Oswaldo em  etapas distintas da carreira – como palestrantes.

Luiz Davidovich, presidente da ABC, descreveu Alves como “uma pessoa e um cientista fantástico”. Ele destacou o brilhante papel exercido pelo químico enquanto vice-presidente da ABC, principalmente durante o processo de escolha de afiliados para a Região São Paulo, atuando sempre de forma justa e coerente. “Como companheiro de Diretoria, era uma pessoa sensata, que ajudava a trilhar os caminhos do bom senso e, ao mesmo tempo, sabia endurecer quando era necessário. Hoje, iremos festejar a sorte que tivemos de conviver com ele”,  introduziu o presidente.

Um misto de emoções

Relembrar a carreira de seu orientador foi uma tarefa emocionante para Aldo Zarbin, um dos primeiros alunos de pós-graduação de Oswaldo Luiz Alves na Unicamp. Zarbin conviveu intensamente com Alves entre 1990 e 1997, momento de ascensão e consolidação de carreira do químico. 

“Oswaldão”, como era chamado pelos íntimos, foi um espectroscopista nato, tendo realizado seu doutorado e seu pós-doutorado no tema. Definido como “arrojado e pioneiro”, o Acadêmico trouxe para o Brasil os conhecimentos adquiridos pela Escola Francesa de Química em Estado Sólido. Enfrentou o preconceito dos colegas de profissão – que alegavam que estado sólido não é um assunto de química, mas sim, da física – aproximando-se do Instituto de Física da Unicamp, onde, associando as duas matérias, instituiu a primeira disciplina de química do estado sólido do país.

A partir da publicação de seu primeiro artigo sobre efeitos lamelares com um aluno em 1990, Alves deu início à fundação de uma escola que instituiu termos que até então não eram comuns na linguagem química brasileira: buracos, canais, lamelas, reações de inclusão e intercalação. Dessa escola nasceu o Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES) da Unicamp.

Fotografia compartilhada por Zarbin (de vermelho) com o professor Oswaldo Luiz Alves.

Da interação cada vez mais frequente com a física, surgiram trabalhos e projetos em parceria, na área de vidro, papel e comunicação óptica – que introduziram os primeiros passos da nanotecnologia no Brasil. Da liberdade de testar e experimentar que “Oswaldão” concedia aos alunos dentro dos laboratórios, novas parcerias foram feitas, sempre com colaboração e não com competição. Zarbin foi o autor da primeira tese em nanotecnologia 100% produzida no LQES, e, segundo Alves, também a primeira produzida em um instituto de química no Brasil.

Dos tempos vividos em companhia de seu “pai científico”, Zarbin guarda memórias inesquecíveis, como seus jargões: “a ciência é uma amante exigente”, “não se faz ciência em horário comercial” e “não existe a ciência de Barão Geraldo para Barão Geraldo” – esta última demonstra o incentivo do Acadêmico para divulgar a ciência, que não deve ficar restrita apenas à sua alma mater, já que Barão Geraldo é o bairro da Unicamp. 

“Aprendi muitas coisas com ele enquanto aluno, que tento reproduzir na sala de aula nos dias de hoje”, disse Zarbin. “Principalmente o rigor experimental na caracterização de resultados, ou seja, a busca pelo não-óbvio. Oswaldo fazia isso muito bem; ele não tirava leite de pedra. Ele buscava uma informação que olhos pouco preparados não conseguiriam enxergar.”

Liderança de destaque

Maria Vargas recordou a atuação e importância de Oswaldo Luiz Alves na Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e recordou os 15 anos de parceria com o pesquisador na Unicamp, iniciados em 1988. Como chefe e subchefe do Departamento de Química Inorgânica da Unicamp, respectivamente, Alves e Vargas formaram uma dupla muito afinada: “Oswaldo acreditava que o Departamento tinha que atingir o topo. Vivemos um momento muito rico, de muitas melhorias na pós-graduação”, recordou.

Sempre admirado por onde passava, o cientista sentia prazer em compartilhar conhecimento de ponta e ficava feliz quando vibravam por ele. Sempre se preocupou em formar lideranças – algo que fez com sucesso. Vargas destacou uma preocupação especial de Alves com suas alunas mulheres, com quem sempre foi justo, exigente e incentivou-as a brilhar. 

Oswaldo Luiz Alves como presidente durante a 21ª Reunião Anual da SBQ.

Já na SBQ, a participação de Alves começou desde sua fundação, em 1977. Como secretário da região Campinas, foi extremamente atuante, organizando palestras, cursos e reuniões frequentes. O Acadêmico foi eleito o primeiro diretor da SBQ por dois mandatos consecutivos, entre 1994-96 e 1996-98. Em 1998, foi eleito presidente da instituição, tarefa que cumpriu de forma exemplar. “Oswaldo foi presidente da SBQ sobretudo para entender o que era a química no nosso país. Ele viajou muito, participou de muitos cursos e simpósios”, contou Vargas, afirmando que a postura do Acadêmico inspirou diretores de outras instituições a fazer o mesmo.

Durante seu período na presidência, Alves enfrentou uma crise do financiamento para ciência e tecnologia, que afetou as reuniões dos grupos de pesquisa e a manutenção das publicações. Incansável, ele discutiu e apresentou sugestões em todos os locais onde pautas relativas à educação, ciência tecnologia foram debatidas, fortalecendo o diálogo crítico com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Presidência e a Diretoria científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Ao fim de sua gestão em 2000, o químico deixou um legado, com o financiamento para publicações solidificado e uma parceria com o Conselho Regional de Química da 4ª Região para distribuição de 4.000 edições da revista científica Química Nova em escolas. As verbas pendentes também foram liberadas. Alves permaneceu ainda como uma liderança na SBQ pelos seis anos seguintes, atuando como membro do Conselho Consultivo entre 2000 e 2006. “Depois desse período, ele estava pronto para buscar questões muito mais altas na questão da ciência e tecnologia. E certamente cumpriu suas novas missões com perfeição”, concluiu Vargas. 

Amizade de vida

Por mais de 50 anos, Fernando Galembeck e Oswaldo Luiz Alves mantiveram uma grande amizade dentro e fora dos laboratórios. Galembeck se referiu ao Acadêmico com muita admiração, destacando a forma como Alves superou a origem pouco privilegiada e prosperou dentro de um ambiente de grande discriminação como a academia: “a liberdade é aquilo que você faz do que fizeram de você. Oswaldo superou as dificuldades usando armas legítimas; seu trabalho, seu conhecimento, construindo e cultivando amizades, cuidando de quem lhe confiava sua formação e sendo um profissional difícil de se igualar.”

Galembeck reforçou o destaque do homenageado na área da espectroscopia molecular – uma área fundamental para descobertas químicas que, no começo da carreira de Alves era uma técnica pouco difundida. Ao longo de sua trajetória, o pesquisador trabalhou com diversos compostos inorgânicos, incluindo pós-cerâmico.

Sempre dinâmico, em 1995 o cientista expandiu seus interesses para a área de nanocompósitos (materiais híbridos em que pelo menos um dos componentes tem dimensões nanométricas), como vidro poroso, e continuou desenvolvendo sua pesquisa em diversas linhas. A certa altura, percebeu algo sério: a quantidade de novos materiais produzidos era imensa e havia um grande problema: a formação de materiais com propriedades agressivas ao meio ambiente a partir de nanopartículas de prata. A partir dessa problemática, em 2011 Alves passou a analisar o nível de toxicidade desses novos compostos relacionados à biossíntese (formação de uma substância orgânica num ser vivo). Dessa nova ramificação de sua carreira, surgiu uma preocupação com questões de sustentabilidade e o aproveitamento de biomassa – toda matéria orgânica de origem vegetal ou animal utilizada com a finalidade de produzir energia -, que levou o Acadêmico a se envolver em projetos com colegas de áreas correlatas. 

Em seus últimos anos de vida, Oswaldo Luiz Alves continuou inovando em sua área de atuação: dessa vez, na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP/Unicamp), o Acadêmico deu início aos seus estudos em materiais para dentistas. Se aprofundava também na área de nanotoxicologia ambiental , estudando o impacto dos nanomateriais no meio ambiente.

Muito mais do que um grande cientista, Galembeck perdeu um grande amigo e incentivador. “Ele nos motivava para entrar em algo que ele achava que a gente deveria fazer. Ele sabia que precisava ir além das colinas, e sempre foi.”

Outros depoimentos

Motivados pelas apresentações dos palestrantes, alguns Acadêmicos quiseram dar seus próprios depoimentos sobre a convivência com o cientista. Jailson Bittencourt compartilhou uma etapa recente da vida de Alves, como catedrático da Cátedra de Nanociência e Nanotecnologia da Senai/Cimatec, o primeiro centro de estudos avançados no tema em Salvador, na Bahia. O vice-presidente para a Região Nordeste lembrou da empolgação do cientista com o projeto: “Ele criou uma linha de aprofundamento em nanociência e a abraçou como um novo momento de sua carreira.”

Helena Nader, vice-presidente da ABC, conviveu com Alves por mais de 30 anos. Ela elogiou a participação revolucionária na vice-presidência para a Região de São Paulo: “Oswaldo sempre acreditou na juventude e foi capaz de enxergar além dos tradicionais redutos”, elogiou a cientista. Nader também destacou o importante papel na luta antirracista, promovendo debates sobre a inclusão dos negros e negras na ciência, levando um olhar construtivo e sem agressividade. 

A diretora Marcia Barbosa enalteceu o grande divulgador científico que Alves foi, capaz de atrair a atenção jovens para a ciência onde quer que estivesse. “Ele era capaz de tocar não apenas a mente, mas também o coração dos jovens”, disse o físico Glaucius Oliva, que substituiu o químico como vice-presidente para a Região São Paulo. 

Oswaldo Luiz Alves, sempre presente.