No dia 14 de julho o Painel Científico para a Amazônia (SPA, na sigla em inglês) divulgou uma primeira versão do relatório em desenvolvimento, como parte de um evento paralelo ao Fórum Político de Alto Nível. O projeto é uma colaboração internacional de mais de 200 pesquisadores e pretende realizar uma avaliação integrada inédita para toda a bacia amazônica. A Academia Brasileira de Ciências é parceira do Painel, que conta com a participação de alguns acadêmicos. 

O evento foi moderado pela cientista política Ilona Szabó, que apresentou os participantes. A primeira apresentação ficou a cargo da professora da UnB Mercedes Bustamante, membro titular da ABC e co-presidente do comitê científico do SPA. 

Propriedades biogeofísicas da Amazônia 

Bustamante começou sua apresentação valorizando o esforço conjunto que vem sendo feito pelo Painel em um contexto de múltiplas crises. A professora destacou a importância da floresta na captura de carbono e no ciclo hídrico mundial, ressaltando que o equilíbrio do bioma é sustentado por múltiplas interações decorrentes de sua gigantesca biodiversidade.

“A Amazônia é resiliente, mas vem demonstrando alterações funcionais devido a pressões humanas, sobretudo em suas fronteiras, ameaçadas pela expansão agropecuária. Estima-se que mais de dez mil espécies endêmicas de fauna e flora estejam em alto risco de extinção”, alertou a Acadêmica.

A degradação do bioma tem consequências também para as pessoas, aumentando o risco de doenças zoonóticas e causando alterações climáticas. “As previsões para a segunda metade deste século indicam uma elevação de 4 °C na temperatura da região, o que contribuirá para um aumento de secas e retroalimentará um ciclo vicioso de destruição da floresta”, apntou Bustamante.

A Acadêmica destacou, por fim, o trabalho do Painel na consolidação de conhecimentos sobre o bioma e reforçou a urgência para que se encontrem soluções conjuntas. 

Diversidade sociocultural da Amazônia 

A apresentação seguinte foi da antropóloga Simone Athayde, que focou nas populações humanas da região. Ela destacou que atualmente “a Amazônia é habitada por 40 milhões de pessoas em oito diferentes países e desse total, dois milhões são indígenas, divididos entre 350 etnias, incluindo 60 que permanecem em isolamento voluntário”.

Athayde ressaltou que terras indígenas constituem importantes reservas de preservação ambiental, sendo 35% das áreas de floresta original da América Latina. “Essa correlação aponta para os povos nativos como aliados essenciais nos esforços de defesa do bioma”, afirmou a antropóloga ambiental.

Além da ameaça física, existe também o risco de desaparecimento cultural, que acarretaria na perda de valiosos conhecimentos sobre floresta e preservação. A professora relatou que esforços de defesa cultural dos indígenas estão intrinsicamente relacionadas a políticas ambientais. 

Oportunidades de conservação e preservação 

Marielos Peña Claros, bióloga e co-presidente do comitê científico do Painel, apresentou algumas das principais mensagens relacionadas à preservação ambiental destacadas no relatório SPA. Ela destacou que não existem soluções simples e que os esforços devem ser internacionais e integrados, combatendo o aquecimento global e desestimulando a exportação de commodities envolvidas na degradação da floresta. 

“A prevenção de queimadas é crucial e requer coordenação em todos os níveis da administração pública”, pontuou a palestrante, destacando esforços governamentais brasileiros realizados entre 2005 e 2014 como exemplos de gerência integrada, com resultados efetivos. “É preciso que brigadas de incêndio estejam bem equipadas e com capacidade de monitoramento para que focos de queimadas sejam rapidamente identificados e controlados antes que se espalhem”, alertou Caros

Outro ponto de destaque ressaltado pela bióloga foi a participação das comunidades. Para Claros, é preciso adaptar a economia local à atividades sustentáveis inclusivas para seus habitantes. “Restauração ambiental só pode ter sucesso se trouxer benefício as populações locais”, disse a palestrante.

A agricultura e a pesca têm papel importante nesse sentido, segundo Claros. “A recuperação de terras e rios exauridos é fundamental para suprir a demanda local sem precisar degradas novas áreas. Esforços nessa direção já estão sendo implementados e requerem um diálogo próximo entre a academia e a população”, destacou. 

Oportunidades e desafios para uma bioeconomia sustentável 

O professor do Programa de Ciências Ambientais da USP Ricardo Abramovay focou sua apresentação na identificação de soluções. Ele lembrou que a região ainda está afastada dos centros de produção de conhecimento em bioeconomia e que melhorar as condições de vida da população urbana e rural é fundamental para uma utilização sustentável de seus recursos. 

Abramovay destacou as principais ameaças ao bioma e recordou os acordos multilaterais firmados para combatê-los. “Esses esforços não podem ficar restritos à esfera governamental, a participação da sociedade civil é de suma importância”, afirmou. 

Discussão 

O economista Jeffrey Sachs, presidente da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (SDSN), abriu as discussões. Ele parabenizou os cientistas envolvidos, ressaltando que o relatório produzido é único em escala e pretensão. Também se comprometeu a fazer com que o documento chegue nas principais lideranças globais e paute os próximos fóruns mundiais. Particularmente na temática da preservação de florestas tropicais, Sachs afirmou que o SPA é um modelo a ser seguido, citando os casos da Bacia do Congo e do sudeste asiático como exemplos de biomas semelhantes que podem tirar lições do trabalho do Painel. 

O ex-presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos Calderón, reafirmou a necessidade de levar o assunto aos chefes de Estado. Porém, ressaltou que é necessária a colaboração de lideranças regionais e municipais. Santos recordou as dificuldades encontradas de juntar os oito países da bacia amazônica na mesa de negociações, e classificou o relatório do Painel como uma base científica com a qual é possível unificar esforços e políticas, visando uma abordagem mais sustentável para a região. 

Representando o setor privado, o CEO e fundador da Natura, Guilherme Leal enalteceu a importância socioambiental da floresta e o trabalho do Painel. Ele descreveu os padrões de ocupação humana do bioma, os diferentes interesses envolvidos e reforçou o pedido dos demais por uma colaboração mais integrada de todos os atores, visando a uma economia sustentável. 

A especialista em biodiversidade Valerie Hickey representou o Banco Mundial. Ela destacou que a Amazônia é uma região rica em recursos e, ao mesmo tempo, abriga algumas das populações mais pobres do mundo. Hickey enfatizou a necessidade de conciliar essa aparente contradição, preservando o bioma e, o mesmo tempo, tirando as pessoas da pobreza. Por fim, reforçou o comprometimento do Banco Mundial em financiar esses esforços de forma estratégica, amparada nos dados científicos obtidos pelo Painel. 

Reforçando a participação dos povos indígenas nessa empreitada, foi exibida uma mensagem de Gregorio Díaz Mirabal, membro da etnia Wakuenai Kurripaco e coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA). Mirabal trouxe uma visão da Amazônia como um ser vivo ameaçado, chamando os presentes a repensar nosso sistema econômico com maior ênfase no respeito a natureza. Ele salientou que a ciência pode andar lado a lado com os conhecimentos tradicionais e reforçou a importância de que o relatório produzido seja respeitado. 

Por fim, foi aberto espaço para perguntas aos participantes, que tiveram a oportunidade de aprofundar um pouco mais as problemáticas apresentadas. As considerações finais foram feitas pela economista Emma Torres, membro do conselho da SDSN, que agradeceu aos cientistas do SPA e reforçou a necessidade de investimentos robustos em ciência, tecnologia e inovação por parte dos países envolvidos. 

Assista a apresentação completa do Painel Científico para a Amazônia. 

 

Os participantes do evento “Apresentação de primeiras descobertas do Painel Científico para a Amazônia”