No dia 13 de abril, a Academia Brasileira de Ciências reuniu Acadêmicos especialistas na produção de vacinas para a 34ª edição dos Webinários da ABC, intitulada “Vacinas para o Brasil”. O evento também marcou o lançamento da revista homônima produzida pelo Grupo de Trabalhos sobre Vacinas (GT – Vacinas), que reúne sugestões de políticas públicas para viabilizar a produção vacinal no país. Acesse a revista Vacinas para o Brasil aqui.

O evento contou com a presença dos Acadêmicos e membros do GT – Vacinas Ricardo GazzinelliCelso Lopes SilvaJorge Kalil, além de Pedro Guimarães, professor da Universidade de Minas Gerais (UFMG). A mediação ficou por conta do Acadêmico Mauro Martins Teixeira, vice-presidente da ABC para a região Minas Gerais e Centro-Oeste e coordenador do GT – Vacinas. Luiz Davidovich, presidente da ABC, fez as apresentações e participou do debate, após as apresentações dos palestrantes. 

Da esquerda para a direita: Pedro Guimarães, Celio Lopes, Luiz Davidovich, Jorge Kalil, Ricardo Gazzinelli e Mauro Teixeira

Vacinas para COVID-19: desafiando dogmas da imunologia e a inovação de vacinas brasileiras

A apresentação inicial foi do Prof. Ricardo Gazzinelli, que coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas/MCTI há 15 anos, além de ser co-fundador do Centro de Tecnologia de Vacinas (UFMG/Fiocruz) e da Detechta Biotecnologia S.A, empresa de base tecnológica destinada à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação no mercado de vacinas e diagnósticos.

De acordo com o Acadêmico, o segredo para acelerar a produção de vacinas se baseia em transferência de tecnologia, soberania nacional, investimento em inovação e independência. A precariedade dos investimentos do país em todas essas áreas fez com que várias vacinas ficassem paradas no “vale da morte”, dependendo de parcerias com entidades do exterior e carente de investimentos.

Gazzinelli explicou a metodologia utilizada na produção de vacinas, comentando a rapidez com a qual os laboratórios se adaptaram para produzir imunizantes contra  a COVID-19. Antes, o prazo de produção de uma vacina girava em torno de 5 a 7 anos; no último ano, o prazo ficou entre 10 e 18 meses. “O mundo está se preparando para uma revolução na área das vacinas”, comentou o imunologista. “O Brasil precisa se preparar para ‘não perder o bonde’.”

Prof. Gazzinelli apresenta a mudança no tempo de desenvolvimento de vacinas

Ele falou sobre o desenvolvimento da vacina SPIN-Tec, que vem demonstrando resposta imune potente e com grandes chances de avançar para os testes clínicos. A vacina é composta por uma proteína única feita a partir da junção da proteína S com uma proteína X do coronavírus. Atualmente, sua eficácia está sendo testada contra as variantes 1 e 2.

Pesquisa e desenvolvimento da vacina Versamune-MCTI para COVID-19

Celio Lopes Silva apresentou o projeto de desenvolvimento da vacina Versamune-MCTI, que está sendo realizado em parceria pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP/USP), pela empresa de biotecnologia Farmacore e pela norteamericana PDS Biotechnology. As análises para criação da vacina foram iniciadas em agosto de 2020 e a previsão é que o imunizante esteja disponível para a população brasileira no início de 2022, produzindo uma resposta imunológica de até 12 anos

O professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) contou que a colaboração internacional no processo de desenvolvimento da fórmula vacinal, além da parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) foi fundamental para que o projeto não cair no “fosso”. “Nosso objetivo é vencer o ‘vale da morte’ e construir pontes para a ciência e tecnologia nacional”, confirmou.

Atualmente, o imunizante se encontra em fase experimentos de Boas Práticas de Laboratório (BPL) e de Fabricação (BPF). De acordo com Prof. Lopes, o objetivo do projeto é “desenvolver uma vacina de subunidade nanoparticulada com qualidade e competitividade para ser um sucesso nacional e internacional no combate à doença”.

Cursos de medicina, biomedicina e farmácia da USP se unem em prol da criação de um imunizante

Jorge Kalil apresentou a vacina contra COVID-19 produzida pela Universidade de São Paulo (USP), Instituto do Coração (Incor/USP) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).  O coordenador do Instituto de Investigação em Imunologia – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (iii-INCT) mostrou estudos que comprovam a drástica queda de anticorpos neutralizantes em corpos de indivíduos que contraíram COVID-19 entre 150 e 180 dias após a infecção. Em alguns casos, a queda iniciou até mesmo 40 dias depois – o que torna a necessidade de vacinas ainda mais emergencial e necessária. Ele afirmou que há uma forte ligação entre o tipo de anticorpo e a neutralização viral. “O objetivo é criar uma vacina que mantenha os anticorpos por mais tempo no corpo do indivíduo e produza uma resposta celular eficaz no combate ao vírus indesejado”. 

Prof. Jorge Kalil mostra a brusca queda no número de anticorpos produzidos por pessoas que já tiveram COVID-19 com o passar dos meses.

A vacina idealizada pelo grupo de pesquisa do Prof. Kalil seria aplicada em dose única e via mucosa nasal. Entre os objetivos do projeto, estão o domínio completo da produção e a fabricação do antígeno em escala industrial. Atualmente, o grupo de pesquisa está analisando a eficácia da vacina contra as variantes.

Além disso, Kalil mencionou que o estudo sobre casais discordantes (mencionado anteriormente pela geneticista Mayana Zatz no Webinário 32) será publicado em breve, com resultados que apontam que a genética dos indivíduos que compõem os casais interfere na infecção e na não-infecção pela doença. 

Plataformas para desenvolvimentos de vacinas de ácidos nucleicos para COVID-19

O grupo de pesequisa do Prof. Pedro Guimarães na UFMG se interessa em compreender como a estrutura das nanopartículas afeta a entrega de ácidos nucleicos em células e tecidos alvo. Ele afirma que muitas doenças tem potencial para serem tratadas com DNA ou RNA, que podem ser utilizados nos imunizantes de três formas diferentes: não modificado, modificado ou auto replicante. O uso de ácidos nucleicos na produção de vacinas é revolucionário e ainda novo no Brasil. Atualmente, duas vacinas produzidas com RNA já foram aprovadas: a da Moderna e a da Pfizer/BioNTech. 

O professor do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG relatou o uso da técnica de códigos de barras de DNA e RNA para checar as formulações mais eficazes contra a doença. Os quatro pilares para a fabricação dessa vacina são a definição do antígeno de interesse, a escolha da sequência de ácido nucleico a entrega de nanopartículas e a produção de acordo com as Boas Práticas de Fabricação. Guimarães destacou a importância de investimento do governo para agilizar a produção de vacinas.

Os objetivos da pesquisa incluem vencer as barreiras biológicas dos ácidos nucleicos e formular imunizantes capazes de entrar na fase de ensaios clínicos, além de implementar uma plataforma de vacina de ácidos nucleicos que poderá ser utilizada não apenas para tratar a COVID-19, mas também outras doenças (HIV, zika, chikungunya, câncer).

Debate

Após as apresentações, o moderador Mauro Teixeira deu início ao debate para responder às perguntas dos espectadores, que foram muitas.

Uma das primeiras questões abordou a resposta celular dos portadores assintomáticos. Eles produzem anticorpos? Eles estão imunizados?

De acordo com Gazzinelli, a resposta imune pode funcionar ainda que o corpo não tenha produzido anticorpos, em uma situação de memória imunológica. Ele ressaltou a importância da segunda dose da vacina e a necessidade de um reforço futuro: “Com a plataforma que temos atualmente, provavelmente teremos que dar doses anuais ou bienais”, comentou o Acadêmico. 

Kalil foi certeiro: “As vacinas que temos não dão proteção completa, ou seja, os vacinados têm que continuar se cuidando.” Ele reafirmou a necessidade de tomar a dose de reforço, mesmo que algumas vacinas, como a Oxford, garantam cerca de 60% de imunização já na primeira dose. “O desfecho primário é não ter doença grave, o que não pode ser garantido sem que a pessoa tome as duas doses. É um caso diferente das vacinas produzidas com adenovírus que, no caso da Janssen, por exemplo, protege 78% contra doença moderada ou grave”, completou.

Durante o debate,  Acadêmicos também comentaram a recente recomendação das autoridades dos EUA de suspender a aplicação das doses da vacina Janssen após os seis casos de coágulos trombóticos apresentados por mulheres entre 18 e 48 anos. “Conforme a vacinação vai avançando, nós iremos conseguir identificar qual vacina é mais adequada para cada grupo. Nesse caso, como mulheres dessa idade não possuem chances altas de desenvolverem doenças graves, não vale a pena correr o risco – ainda que ele seja baixo”, afirmou Kalil. No momento, pesquisadores vêm estudando se há alguma ligação com o uso de adenovírus (grupo de vírus que normalmente causam doenças respiratórias) na fórmula da vacina com a formação dos coágulos.

A conversa se estendeu para o tópico do afastamento entre as duas doses. Imunizantes como a Oxford apresentam uma resposta imune ainda mais alta quando as doses são aplicadas com maior espaçamento – por isso, os três meses de espera entre a primeira e a segunda dose. Kalil acredita que algo similar deveria ser feito com a Coronavac, uma vez que ela também apresenta uma maior resposta imune diante de um maior espaçamento entre as doses. Ou eja: quem não tomou a segunda dose deve tomar a qualquer momento, mesmo que tenha perdido a data. 

O webinário chegou ao fim após mais de duas horas de conversa, mostrando que cientistas brasileiros estão empenhados em produzir novos imunizantes para serem aprovados e disponibilizados para a população o quanto antes. Enquanto a vacinação em massa ainda não acontece, o fundamental é continuar cumprindo com as recomendações da OMS e mantendo o distanciamento social. Acompanhe o calendário de vacinação da sua cidade e, se puder, fique em casa!