Leia matéria de Herton Escobar para o Jornal da USP, publicada em 29/1:

Governo federal propõe cortar mais 34% dos recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações neste ano. Projeto de lei orçamentária ainda precisa ser votado no Congresso

ciência brasileira começa 2021 com um prognóstico angustiante. Não por causa da pandemia, mas de um novo corte orçamentário que promete enviá-la de vez para a UTI do financiamento público. O já diminuto orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), retalhado por uma série de cortes aplicados à pasta nos últimos sete anos, deverá encolher mais 34% neste ano, se a proposta orçamentária do governo federal ano for aprovada sem modificações no Congresso. 

O orçamento total previsto para a pasta é de R$ 10,4 bilhões, sendo que apenas R$ 2,8 bilhões desse valor estarão disponíveis para investimentos em pesquisa (os chamados recursos discricionários, que não incluem gastos com salários, reserva de contingência e outras despesas obrigatórias), comparado a R$ 4,2 bilhões em 2020, segundo uma comparação feita pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com base em dados da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020 e do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021. 

Isso corresponde, aproximadamente, a um terço do que o MCTI investia em pesquisa dez anos atrás; e pode ser considerado o menor orçamento da história do setor, levando-se em conta que o número de laboratórios e de pesquisadores que dependem desse orçamento para fazer suas pesquisas cresceu de forma substancial nas últimas décadas. Ou seja: temos um orçamento de pesquisa cada vez menor, para atender a uma população de pesquisadores cada vez maior — em plena pandemia.

E isso é só o começo da má notícia. Cerca de metade (49%) desse orçamento de R$ 2,8 bilhões, segundo a SBPC, é composta de “créditos suplementares”, que ainda dependerão de uma aprovação especial do Congresso para serem usados no decorrer do ano, se o governo assim desejar e as condições econômicas (e políticas) do País permitirem. Em outras palavras: são recursos previstos, mas não garantidos, para uso da comunidade científica. O valor garantido no orçamento, de fato, é de apenas R$ 1,6 bilhão.

Essas reduções têm um efeito cascata sobre todo o sistema de ciência e tecnologia brasileiro, já que a maioria das instituições públicas de pesquisa do País (incluindo universidades e institutos vinculados diretamente ao MCTI) depende do orçamento do Ministério para financiar suas atividades. Pesquisadores temem que esse novo corte leve a uma paralisação quase que total da ciência brasileira, já gravemente desidratada de recursos nos últimos anos.

“Vamos entrar em estado vegetativo este ano”, disse ao Jornal da USP o bioquímico Glaucius Oliva [membro titular da ABC], professor do Instituto de Física de São Carlos da USP e ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal agência de fomento à pesquisa do governo federal, vinculada ao MCTI. “São tempos muito difíceis que estamos vivendo.”

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“O Brasil está andando para trás”, lamenta Alvaro Prata [membro titular da ABC], professor e ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, e ex-secretário-executivo do MCTI. “Não faz nenhum sentido, diante da relevância que a ciência e tecnologia têm no mundo hoje, cortar recursos desse setor.” Dados internacionais mostram que os países desenvolvidos investem mais em ciência e tecnologia em momentos de crise, e não menos.

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“Isso é tão grave que vai paralisar toda a pesquisa em biologia molecular no Brasil; simples assim”, diz o bioquímico Hernan Chaimovich [membro titular da ABC], professor do Instituto de Química (IQ) da USP e também ex-presidente do CNPq. Química e biologia são duas áreas que dependem quase que totalmente de insumos importados para suas pesquisas, incluindo equipamentos e reagentes básicos de laboratório. “Eu estava muito relutante em ver intenção nesse movimento todo contra a ciência no Brasil”, disse Chaimovich ao Jornal da USP. “Cada vez mais, porém, o que acontece na prática me leva a concluir nessa direção: que existe uma intenção de acabar com a ciência no Brasil.”

“É realmente de chorar”, diz a pesquisadora Mayana Zatz [membro titular da ABC], professora do Instituto de Biociências (IB) da USP e coordenadora do Centro de Pesquisas do Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL), que recentemente desenvolveu um teste de detecção do novo coronavírus pela saliva. “Felizmente ainda temos a Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] aqui para nos ajudar, se não ia ter que vender brigadeiro na esquina.”

Acesse os infográficos e leia a matéria na íntegra, aberta, no Jornal da USP.