Na 28ª edição de sua série de webinários, realizada no dia 10/11, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), promoveu um debate sobre o relatório “Repensando o Desenvolvimento Humano”, que foi lançado em conjunto com o Conselho Internacional de Ciência (ISC) e com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Comemorando também o Dia Mundial da Ciência para a Paz, o encontro promoveu diálogos sobre o conceito de desenvolvimento humano e seus novos paradigmas. Os convidados foram Francisco Ferreira, Eduardo Faerstein e o Acadêmico Ricardo Ventura Santos e a moderadora foi a Acadêmica Elisa Reis, vice-presidente do ISC.

Reis destacou alguns pontos do documento que apontam a responsabilidade das ciências em ampliar as visões sobre o desenvolvimento da humanidade. “A cooperação entre as ciências sociais e humanas é fundamental para o entendimento do contexto tecnológico que faz avançar o desenvolvimento da sociedade”.

A Acadêmica ressaltou a pluralidade de vozes contidas em nove itens que sintetizam o documento e que mostram a importância da inclusão de realidades diversas para alcançar maior desenvolvimento humano.

O combate à desigualdade no desenvolvimento humano

Diretor do Instituto Internacional das Desigualdades e professor da Escola de Economia e Ciência Política de Londres, Francisco Ferreira destacou como o acesso a oportunidades, como educação de qualidade e bem-estar, está relacionado ao contexto social e das políticas públicas. O desafio de promover a igualdade de oportunidades, para ele, começa a partir das circunstâncias individuais das pessoas. “Crianças de determinados grupos familiares enfrentam problemas para sobreviver antes de seu nascimento ou enfrentam problemas graves de desenvolvimento cognitivo”, disse.

“O objetivo básico da sociedade, da economia e da política pública é tentar expandir as capacidades das pessoas”, disse Ferreira. Porém, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, no Brasil, 10 milhões de pessoas que vivem em situação de insegurança alimentar grave, realidade que pode retardar o desenvolvimento cognitivo e linguístico de muitas crianças pelo país. “O que acontece nos primeiros anos de vida vai refletir na vida inteira dessas pessoas”, disse Ferreira. Um ciclo de desigualdades também é criado quando o acesso à educação de qualidade não é prestado e crianças acabam se tornando adultos vulnerabilizados. “Sem acesso ao capital de desenvolvimento humano, essas crianças não terão como contribuir para a riqueza da sociedade”, afirmou.

Programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, se tornaram essenciais para a sobrevivência e a luta contra a miséria para milhares de brasileiros. Para Ferreira, o crescimento econômico dessas populações deve ampliar também a possibilidade de escolhas na vida das pessoas. “Crianças de famílias mais pobres deveriam ir a escolas melhores do que as de famílias mais ricas”, disse.

Apesar de toda a crise provocada pela pandemia de COVID-19, Ferreira destacou que, graças aos programas de transferência de renda emergenciais e ao Cadastro Único, que acompanharam as políticas públicas brasileiras, houve uma redução do crescimento potencial da pobreza entre os brasileiros.

A saúde humana em destaque

O conteúdo ousado, inclusivo e que leva em consideração o conhecimento das humanidades e das ciências sociais foram as características que mais chamaram a atenção de Eduardo Faerstein no relatório “Repensando o Desenvolvimento Humano”. Como professor de epidemiologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Faerstein lembrou como o documento se refere à saúde integral, com destaque para o conceito de one health, que une o cuidado humano, animal e do meio ambiente. “É revolucionário ver a atuação do Conselho Mundial de Ciência nesse relatório”, disse Faerstein.

O pesquisador promoveu um diálogo sobre a representatividade do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em diferentes populações e suas diversificadas dimensões econômicas. Para ele, é necessário que, para repensar o conceito de desenvolvimento humano, também sejam mapeadas outras narrativas sociais, como as dos povos originários e suas realidades diferentes das do Ocidente. “Com a adesão da ABC a esse debate, podemos ver a multiplicação desse debate”, disse.

Faerstein também destacou a importância de promover igualdade de oportunidades entre os indivíduos de acordo com as diferentes histórias e contextos, que desfavorecem as pessoas de maneiras diversificadas. “A pandemia nos impõe que revisemos conceitos, inclusive reavaliando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas”, exemplificou o epidemiologista.

A evolução do que se entende por desenvolvimento humano

Desde a realização do primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano, em 1990, por Amartya Sen e Mahbul ul Hap, estabeleceu-se a premissa de que as pessoas são a verdadeira riqueza das nações. Ao longo de 30 anos, desde o lançamento do primeiro documento, essa ideia se manteve, mas reconfigurações do Índice de Desenvolvimento Humano e novas observações foram adicionadas à análise dos relatórios seguintes. O Acadêmico Ricardo Ventura Santos, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), ressaltou que o IDH passou a considerar novas descobertas sociais, levando em conta uma pluralidade de vozes e realidades.

“Olhamos hoje para as questões que não foram abordadas nos relatórios anteriores e ainda precisamos pensar como traduzir perspectivs de bem-viver que podem ser diferentes da perspectiva ocidental”, disse. Santos acredita que a possibilidade de diálogo com movimentos sociais é necessária para que haja o que ele chamou de “pluralização do IDH”. “Temos no Brasil iniciativas de populações para pensar censos e levantamentos participativos próprios que são mais adequados às suas realidades”.

A contribuição das artes, das humanidades, das ciências humanas e da história são essenciais para o processo de avaliação dos relatórios seguintes. Santos vê, no relatório deste ano, a possibilidade de um recomeço para pensar o significado disruptivo do desenvolvimento, que leve em consideração as diferentes realidades humanas. “A noção de desenvolvimento ainda está atrelada a conhecimentos tradicionais, precisamos romper tradições”.